sábado, 17 de agosto de 2013

Sérgio Y. vai à América





 Editora: Biblioteca Pública do Paraná


Sérgio Y vai à América
De Alexandre Vidal Porto (Prêmio Paraná de Literatura 2012. Sairá em breve uma edição pela Cia das Letras)

Mais que merecidos são os prêmios e os leitores que esse livro ganha. Nas primeiras páginas você já é encaminhado para o personagem narrador e sente que lhe será revelado um segredo, talvez a chave de um grande mistério. E, na sequência, começa a temer que nem você, leitor, nem o protagonista, o psiquiatra Armando, conseguirão chegar à verdade. Não é possível parar esta leitura de Sérgio Y. vai à América.
Deixo aqui uma amostra dessa narrativa que flui e nos fisga:

” Quero deixar claro que não gostaria, a esta altura da vida, de expor a intimidade de uma pessoa que confiou sua privacidade a mim. No entanto, se comento esse caso clínico e, de alguma maneira, falto com o meu juramento profissional, é pela mais meritória das razões.

Meus olhos não foram cegos. Minha língua não calou aos segredos que me foram revelados. Eu sei. Mas tenho princípios. Minha intenção, ao contar esta história, nada tem de nocivo. Quero tornar-me um médico melhor e um ser humano mais íntegro. Quero apenas aprender.

O paciente sobre quem falarei chegou ao meu consultório recomendado pela diretora da escola em que estudava, minha amiga dos tempos de faculdade. Em sua mensagem de email, ela me dizia que me procuraria um aluno de 17 anos, “articulado, inteligente e confuso”. Segundo ela, seria um“caso interessante”. Eu levei suas palavras em consideração.”

Ah, daqui para a frente, sua curiosidade, sua humanidade ficarão focadas no destino que terá tomado Sérgio Y., o garoto que aparece queixando-se de uma infelicidade existencial e, em poucas sessões, dá por resolvido o seu problema, mas não conta a solução para o terapeuta, apesar de deixar claro que sem ele jamais teria chegado à resolução mais importante de sua vida. E a solução, a solução nos faz pensar sobre como a felicidade é uma trajetória individual, que colhe das ajudas necessárias os degraus para subir, mas sobe sozinha. Sérgio Y. é um dos personagens mais corajosos que eu já conheci.
Sérgio Y vai à América, de Alexandre Vidal Porto, é uma história que mostra como as nossas vidas se cruzam com as dos outros, como a nossa redenção depende da redenção do outro. Um livro altamente contemporâneo, no que a contemporaneidade tem de melhor, sem deixar para trás a tradição de um tipo de literatura que quer, sobretudo, comunicar. Um relato humano fantástico, terminando de uma forma comovente e surpreendente que, é claro, eu não posso contar. Terminei o livro em prantos. Li-o em quatro horas. Leiam. É um livro capaz de mudar conceitos, para melhor.

 Adriane Garcia.

domingo, 11 de agosto de 2013

Uma vida em segredo







Uma vida em segredo (Editora Rocco)
Autran Dourado

Eu conhecia Macabéa, da Clarice Lispector (A hora da estrela, cuja publicação se deu em 1977). Macabéa, mulher inesquecível. A hora da estrela, narração singular e sensível, riqueza e beleza de um mundo psicológico em alguém pobre, apagado e feio.
Agora conheço Biela, a personagem central de Uma vida em segredo, do Autran Dourado. A história foi publicada em 1964, segundo o autor, por causa de um sonho que teve, em que toda a história lhe foi contada.
Esse foi um encontro que tive com a delicadeza e com uma literatura genial: o que o autor conseguiu foi unir conteúdo e forma indefectivelmente. A personagem é delicada, simples, sutil; a linguagem é delicada, simples, sutil. As frases, mineiramente trabalhadas, são cheias de entrelinhas, de silêncios. Mineiramente. Instrospectivo. 
A história, dando uma sinopse, é a seguinte: depois que morre seu pai, Biela, de 17 anos, analfabeta e acostumada a uma vida absolutamente rural, passa a morar com Conrado, seu primo, que a leva para viver junto com sua família em uma pequena cidade, urbanizada. Constança, esposa de Conrado, busca adaptar Biela a uma vida social de acordo com as posses da família e para tanto encomenda vestidos ricos e tenta ensiná-la a se portar como uma jovem educada. Mas essa adaptação se torna um verdadeiro fracasso. Biela apenas se sente bem ao lado dos empregados da casa onde mora. Cada vez mais, vivencia a sua experiência ao lado das pessoas humildes.
Terminei a leitura há alguns dias, ainda ouço os passos de Biela pela casa, passos leves, arrastadinhos: Biela não quer incomodar. Mas incomoda.
O que humanamente incomoda em Uma vida em segredo é perceber que há sempre vida em segredo, algumas lindas demais. É um livro que desperta os nossos olhos de dentro. Quiçá para o outro. (Adriane Garcia)