tag:blogger.com,1999:blog-40739449429280166682024-03-05T02:52:10.996-08:00OS LIVROS QUE EU LIUm blog fichário, um blog registro, um blog para a grata reflexão do encontro único com a leitura de um livro e, por extensão, um blog para a troca de leituras.Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/15398070374085414444noreply@blogger.comBlogger201125tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-27514755496708015152023-11-14T08:33:00.000-08:002023-11-14T08:33:03.751-08:00PISTAS FALSAS, DE JOSÉ EDUARDO GONÇALVES<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-ukOx4cucqbcsu-VX_rW6CTWvrsiIgYi6MGAa_HCbiEQjaQjFImJ0R8rWFvF8k8RlFKBaFI8XYEtyM9p6pe39kf78g1aNVHCN8Q__PY1D9oYDTWnag9J8za56KjjoYJU-sFuY4Ng8BKrr-WTdWrUW5R-JCyaLMwEVkBOG1dSRsheWxuw_spHA_U4VLjA/s1318/20230426122912_178999822_DZ.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1318" data-original-width="1000" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-ukOx4cucqbcsu-VX_rW6CTWvrsiIgYi6MGAa_HCbiEQjaQjFImJ0R8rWFvF8k8RlFKBaFI8XYEtyM9p6pe39kf78g1aNVHCN8Q__PY1D9oYDTWnag9J8za56KjjoYJU-sFuY4Ng8BKrr-WTdWrUW5R-JCyaLMwEVkBOG1dSRsheWxuw_spHA_U4VLjA/w486-h640/20230426122912_178999822_DZ.jpg" width="486" /></a></div><br /><p align="right" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><br />Por
Adriane Garcia</span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0.42cm;"><br />
<br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0.28cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;"><i>Pistas
falsas</i></span><span style="color: black;">, de </span><span style="color: black;"><i>José
Eduardo Gonçalves</i></span><span style="color: black;">, é uma coletânea
de narrativas breves, algumas das quais podendo ser classificadas
como contos breves, micronarrativas ou microrrelatos. Nelas, a
maestria do autor está em, principalmente, no tempo curto, conseguir
desenhar um cenário, escolher aquilo que tem importância para a
ambientação, enredo e a construção de personagens. Até mesmo as
várias referências, deste que é um autor que lê muito, entram nos
contos sem pedantismo, fluindo naturalmente nas narrativas. O conto,
e seus derivados, sabemos, só tem vaga para o acerto.</span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;">Na
era digital, observa-se um dinamismo das comunicações – o que não
necessariamente significa eficiência. Há uma tendência que
favorece a leitura das narrativas breves e brevíssimas, menores que
um conto clássico (o tamanho para </span><span style="color: black;"><i>Edgar
Allan Poe</i></span><span style="color: black;">, “</span><span style="color: black;"><i>de
meia hora a uma ou duas horas de leitura atenta</i></span><span style="color: black;">”).
A sociedade muda, mudando assim a literatura que produz e a
sensibilidade na leitura. Um dos desafios da literatura, em tempos
velozes, talvez seja o de, adaptando-se à leitura mais dinâmica,
não ser superficial. Para além da brevidade, os contos breves e
brevíssimos devem trazer narratividade e intertextualidade. O
encadeamento da história é essencial, assim como o acesso aos
conhecimentos – e sentidos – de quem lê, para que esse mundo
prévio (uma coautoria) preencha as lacunas da narrativa e encontre
as elipses, as entrelinhas, as sugestões, completando o texto com
aquilo que não está escrito, mas está.</span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;">É
assim, com uma dicção de frases econômicas, considerando a
maximização dos elementos narrativos, que </span><span style="color: black;"><i>José
Eduardo Gonçalves</i></span><span style="color: black;"> compõe os 53
contos de </span><span style="color: black;"><i>Pistas falsas</i></span><span style="color: black;">.
Em todos eles, maiores ou menores, há tensão, concisão e um
suspense especial. Não o suspense que alivia com a descoberta no
final, mas um suspense que se prolonga para o depois da leitura. Os
narradores de </span><span style="color: black;"><i>Pistas falsas</i></span><span style="color: black;">,
maioria em primeira pessoa, conseguem de imediato a empatia do
leitor, pois são complexos, humanos, fora de qualquer maniqueísmo,
e seus destinos, em geral, deixam oculto o que ainda irá acontecer.
É a leitora/leitor que deduz, imagina. Quem lê está convidado a um
jogo que conhece bem, o da incerteza, pois a vida é esse devir do
qual nada sabemos e é preciso conviver com a frustração de ter que
adivinhar sem ser adivinho, de ter que deduzir por pistas que não
necessariamente são o que interpretamos. Tudo pode acontecer.</span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;">Os
personagens de </span><span style="color: black;"><i>Pistas falsas</i></span><span style="color: black;">
estão em constante hesitação, não sabem como agir e registram sua
angústia diante da necessidade de escolher. São personagens que
possuem a contenção que exige o cotidiano, porém, seus sentimentos
são transbordantes. A maior parte se constitui de vidas trágicas
que procuram um porto seguro, como no conto </span><span style="color: black;"><i>O
corsário</i></span><span style="color: black;">. Suas relações são
incompletas, cheias de falhas. Os temas tratados são universais.
Assim, temos a virilidade envelhecida em </span><span style="color: black;"><i>Crepúsculo,</i></span><span style="color: black;">
uma reflexão sobre a efemeridade, o erótico que nos perturba quando
o corpo se deteriora porque </span><span style="color: black;"><i>Chronos</i></span><span style="color: black;">
é um grande devorador. Em </span><span style="color: black;"><i>Crepúsculo</i></span><span style="color: black;">,
o narrador está seduzido por pintas que aparecem no curto espaço de
corpo descoberto de uma jovem (parte do ombro à mostra) que ele
encontra casualmente em uma loja de discos. O desejo é sentido como
uma invasão, um desnorteamento para uma época errada da vida. </span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;"><i>Pistas
falsas</i></span><span style="color: black;"> nos leva a ambientes
traumáticos, mães tóxicas, gente que abandona e é abandonada;
pais e filhos, seus relacionamentos, medos (um dos maiores,
perderem-se um do outro na multidão). No conto </span><span style="color: black;"><i>Davi,</i></span><span style="color: black;">
dois narradores, o pai e a mãe na dor de perder um filho, os
caminhos possíveis que a vida toma a partir disso, decepções,
horrores; a herança dos aprendizados. </span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;">Em
</span><span style="color: black;"><i>O tigre e outros bichos</i></span><span style="color: black;">
(uma das sessões do livro) o autor usa de muita imaginação. O
bicho recorrentemente toma o lugar do personagem, em uma espécie de
duplo. Nossa porção animal, viva, instintiva é bem aproveitada por
</span><span style="color: black;"><i>José Eduardo Gonçalves</i></span><span style="color: black;">
em narrativas que possuem um tom onírico. O especismo, a
vulnerabilidade dos animais sob nosso poder (de vida e morte) e a
nossa própria vulnerabilidade são colocadas em evidência, ser caça
e caçador, comer e ser comido. Há a representação da animalidade
como fantasia, fuga da realidade, o desejo de morar com (e nos)
bichos. Nessa sessão o autor desperta o alumbramento que nos causa
as histórias de transformação em animais, antropomórficas,
fantásticas, transmutadas, indo de encontro ao nosso encantamento
primitivo, anímico, totêmico, fabuloso.</span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0.42cm;"><br />
<br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;">É
interessante notar que em um jogo de metalinguagem, o autor recorre
em mais de um conto à indagação de “</span><span style="color: black;"><i>como
retornar ao enredo original</i></span><span style="color: black;">?”.
Essa, que é uma pergunta sobre a vida, mas que se transmuta em uma
pergunta sobre a escrita. Como se ter o controle sobre a história
que escrevemos pudesse nos dar a chave para controlar a própria
história, depois de termos seguido tantas pistas falsas. O dilema
colocado nesses contos sempre retorna à angústia da escolha e seus
efeitos, suas consequências. “</span><span style="color: black;"><i>Sim,
estamos perdidos</i></span><span style="color: black;">” o autor diz no
colofão. É o que acontece quando lidamos o tempo inteiro com a
imprevisibilidade e, convenhamos, escolhemos onde pisar no terreno
movediço do qual sequer conhecemos a profundidade, mas sabemos bem
que já nos afundamos muitas vezes. Esses sentimentos que o autor faz
a leitora/o leitor acessar garantem um efeito que estende o que foi
dito para outras experiências. É como se conhecêssemos, em algum
íntimo, seus personagens.</span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="center" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="color: black;">“<span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><i><b>Mentiras</b></i></span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;"><i>Corto
os meus cabelos porque talvez assim eu consiga dizer a ele que não o
amo mais. Aquela mulher morreu, e eu preciso dizer a ele como sou
agora, diferente daquela a quem ele destinava as melhores mentiras.
As mais lindas, falsas e inacreditáveis mentiras que um homem
poderia dizer a uma mulher - e nas quais eu acreditei. Anos e anos a
fio. Agora descobri que também posso mentir a ele. Por isso vou
dizer a ele que não o quero mais. Então, corto os cabelos que ele
gostava de puxar enquanto nos incendiávamos na cama. Assim, talvez
ele acredite. Talvez eu mesma acredite.”</i></span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="center" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="color: black;">“<span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><i><b>Abismo</b></i></span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><i><br />
</i></span></span><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; margin-left: 1.27cm;">
<span style="color: #040c28;">— </span><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;"><i>tudo
o que eu queria era uma chance. </i></span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; margin-left: 1.27cm;">
<span style="color: #040c28;">— </span><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;"><i>Ora,
sua chance é agora. Pule antes que se arrependa.”</i></span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="center" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="center" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="color: black;">“<span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><i><b>O
caçador</b></i></span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;"><span style="color: black;"><i>No
fundo da água turva, em meio à lama que desce das margens, galhos
retorcidos e algas em profusão, enxergo o que os outros não
enxergam. Os outros me temem justamente pela capacidade de ataques
improváveis, quando tudo é silêncio e a escuridão é o refúgio
dos menos ágeis. Dizem que sou um grande caçador. Sorrateiro,
rápido, nada confiável. Acontece que há dias infelizes. Acabo de
ser atravessado por um arpão e sei que não adianta me debater.
Daqui a pouco serei içado à superfície e exibido como um troféu.
A agonia da morte não me amedronta, já a testemunhei centenas de
vezes. Aos que ainda não aprenderam, escutem uma coisa. Tudo é
inútil. Seremos mesmo devorados em algum momento. Até lá,
divirtam-se. E até que nos encurralem, sejamos impiedosos.”</i></span></span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;">*** </span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;">Pistas
falsas </span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;">José
Eduardo Gonçalves</span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;">Contos</span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;">2023</span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: Cambria, serif;"><span style="font-size: 16pt;">ed.
Patuá</span></span></p>
<p align="justify" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0.28cm;"><br />
<br />
</p><p> </p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-74521409547433741312023-11-07T13:33:00.003-08:002023-11-07T13:39:04.114-08:00CAMINHANDO COM OS MORTOS, DE MICHELINY VERUNSCHK<p> </p><span id="docs-internal-guid-a476666a-7fff-22f3-0f1a-747c7c27b7e9"><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi038cS2vuMM7dp7WObHGPEk_mPkA60EljOtHYh2vSjczLlaoZ9gRByhuUKkiWt4tqkVQxvInLw_5zsNCUMmdOxT7GQkfgIM4V9RGTN-DtooivlWAX6sz8BC5bXhf-E_ye88mluAt7bx7JLArMXnv85BE5l8qY-bNZLWGRVK7Cvs7INjwG5nCfCUU8XlSc/s1000/CAMINHANDO.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="667" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi038cS2vuMM7dp7WObHGPEk_mPkA60EljOtHYh2vSjczLlaoZ9gRByhuUKkiWt4tqkVQxvInLw_5zsNCUMmdOxT7GQkfgIM4V9RGTN-DtooivlWAX6sz8BC5bXhf-E_ye88mluAt7bx7JLArMXnv85BE5l8qY-bNZLWGRVK7Cvs7INjwG5nCfCUU8XlSc/w266-h400/CAMINHANDO.jpg" width="266" /></a></div><br /><span><br /></span></div><div><span><br /></span></div><div><span><br /></span></div><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.8; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: right;"></p><p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: right;"></p><p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><br />por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[endif]--><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Sabemos
que não apenas lemos os livros, mas que eles nos leem. Um livro com o qual nos
identificamos de alguma forma, que nos apreende, que nos leva com ele, é de
certa maneira um livro cujos elementos reconhecemos. Neste reconhecimento – e
nos bons livros – encontramos muitas surpresas, novas formas de organização,
reflexão, (re)visão do conhecido, o encontro com o desconhecido. Assim, uma
figura me assomou de imediato na leitura de <i>Caminhando com os mortos</i>, de
<i>Micheliny Verunschk</i>: a de<i> Santa Quitéria</i> e sua cabeça degolada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">À visão
de <i>Santa Quitéria </i>me vieram à mente os estudos de <i>Donald Winnicott</i>
sobre a psicose. Para o pediatra e psicanalista o bebê precisa de um ambiente
suficientemente bom para integrar mente e corpo, cabeça e tronco, mundo de fora
e mundo de dentro, reconhecendo os limites de cada um desses mundos. A
qualidade da maternagem é essencial no processo, carregar e ser apoio, borda
que protege do precipício, alimento para a ilusão de onipotência do bebê e,
depois, falhar com amor, para que a ilusão se desfaça de modo saudável, mas com
a marca indelével do mágico que o bebê pensa ter sido. No psicótico (e no
borderline, fronteira entre a neurose e a psicose) acontece uma falha para o
desenvolvimento emocional, e uma das possibilidades causais é não ter havido um
ambiente suficientemente bom (holding) para integrar sua identidade, para
mitigar os danos de uma cisão e promover uma pessoa total. Dinâmicas familiares
perturbadoras e disfuncionais podem gerar a degola psíquica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Fazendo
uma breve sinopse, <i>Caminhando com os mortos</i> conta uma história que se
passa em um vilarejo (local de produção algodoeira e de cestaria de taboa), na
qual crimes bárbaros vêm acontecendo. Nas primeiras páginas, já estamos diante
da morte de uma filha, <i>Celeste</i>, queimada viva pela mãe <i>Lourença.</i>
O crime fora incentivado pelas palavras do pastor de uma igreja neopentecostal
que se instalou no lugarejo e que converteu grande parte da população não às
práticas comunitárias e solidárias de <i>Jesus Cristo</i>, mas ao medo do <i>Diabo</i>.
Há uma narradora tentando ordenar essa história, buscando suas origens, aquilo
que desencadeou toda a série de tragédias locais que, sabidamente, <i>Verunschk</i>
nos dá para que vejamos o universal: “<i>Diferentemente das moscas, porém,
ninguém consegue ter uma visão total que explique o que aconteceu</i>”. Do
parcial para o total, do vilarejo para um país, de uma casa em ruínas para
trazer tudo que foi morto à vida, uma história de muita dor se ergue. Uma
história também de denúncia e de esperança: “<i>Se Deus é grande, o mato é
maior</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Do que é
velho, passado, fantasmagórico e espectral, surgem esses mortos-vivos, e muito
do que podemos pensar a respeito do papel da mulher em um patriarcado, em uma
sociedade que dela tudo exige mas nada apoia, pode ser lido nesse romance de <i>Micheliny
Verunschk</i>. Contudo, há ainda algo da ordem do sutil e do implícito que
perambula suas páginas: o transtorno mental. Em especial, <i>Lourença</i> tem
uma tendência à cisão, à despersonalização, ou seja, em mãos erradas, sem
tratamento e com o agravamento de suas condições materiais e psíquicas <i>Lourença</i>
pode ser uma bomba para os outros ou para si mesma: “<i>Então não, não consegue
ouvir direito, com clareza, seus ouvidos estão tapados, submersos, o zumbido na
cabeça ocupando espaço demais, e então sente que ela, a cabeça, está solta(...)</i>”.
Noutro trecho: “<i>Por um momento, a cabeça retorna para o lugar e ela volta a
ter um corpo todo seu (...)</i>”. A ideação suicida acompanha essa personagem
todo tempo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O que
podemos depreender da personagem <i>Lourença</i> (mas não só dela, pois quase
todas as personagens passam por grandes traumas, por aquilo para o qual não se
encontra qualquer simbolização, pois, maior que o sujeito, o atropela sem
palavras) é que sua condição de infância, regida pela violência machista/misógina
que repassa para sua filha <i>Celeste</i>, só pode encontrar o desfecho de mais
violência, plena de continuidade, nunca de interrupção. E que diante de um
trauma que lhe encheu de culpa e ódio (o destino de sua filha <i>Quiterinha</i>),
<i>Lourença</i> jamais encontrou o apoio que pudesse levá-la a simbolizar e
elaborar o evento traumático. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">É cada
vez mais estudada a relação entre religião e transtornos mentais. Ainda que a
religião seja um amparo em momentos críticos como luto, dependências químicas,
depressão, ansiedade, perdas graves de modo geral, pois a fé tem um papel no
alívio de transtornos psíquicos, não deve substituir tratamentos de saúde
mental especializados, podendo mesmo agravar os problemas. É o que se vê
acontecer com <i>Lourença</i> que, em seu momento de fragilidade extrema,
encontra um dos inúmeros líderes religiosos desonestos que infestam o
país. Ainda que a história que <i>Micheliny Verunschk</i> nos conta não seja
exatamente uma história sobre a loucura, ela o é também. A falta de condições
financeiras para pagar os serviços de saúde mental, a falta de uma rede
pública de atendimento amplo, a falta de conhecimento sobre os transtornos mentais
prejudicada pelos vários tabus que enevoam o tema, leva a pessoa transtornada a
buscar na religião o acolhimento que não encontra em nenhum outro lugar. Porém,
líderes religiosos não são – a priori – habilitados a resolver questões de
saúde mental, nem mesmo parecem estar empenhados em resolvê-las encaminhando os
fiéis corretamente. O que acontece em <i>Caminhando com os mortos</i>, a arte
imitando a vida, é um grande oportunismo com relação ao drama de <i>Lourença</i>.
A figura do <i>Diabo</i>, também do <i>Deus </i>megalomaníaco caem muito bem
para psicóticos, borderlines, ideias paranoides, alucinações e delírios, pois
se encaixa em simbolizações que querem ser feitas e que precisam de algo
externo para nominar aquilo que está dentro, mas sem a percepção das fronteiras
dentro/fora. Daí, a perfeição de uma metáfora neste romance, a santa degolada
carregando a própria cabeça. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Segundo a
<i>OMS</i>, dados de 2022, o Brasil é o país mais depressivo da América Latina,
sendo que nas Américas , perde apenas para os EUA. O Brasil também lidera os
números de ansiedade. A relação transtorno mental/religiosidade passa pela
oferta de esperança. Quando essa esperança é manipulada, como vemos em <i>Caminhando
com os mortos</i>, um grande perigo se apresenta. O delirante não sabe mais
reconhecer a realidade compartilhada por todos. Sua realidade delirante é a
única que existe. <i>Lourença</i>, que vem de uma dinâmica familiar e social
perturbadora e disfuncional é acolhida por uma instituição que continua
dinâmicas perturbadoras e disfuncionais. Em nome de <i>Deus</i>, a mulher –
sempre subjugada – matará a filha por não suportar dores aniquiladoras. Diante
do sentimento de aniquilação, a mulher que não tem palavras para elaborar o
trauma encontra a palavra que o pastor lhe empresta. Esta palavra é <i>demônio</i>,
libertação do demônio, o demônio na pele do diferente, do que pensa e age
diferente, tendo o texto bíblico como referência de padrão. Para <i>Lourença</i>
é uma questão de sintoma, para o pastor é uma questão de dinheiro e
poder. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Desintegrada,
<i>Lourença</i> nos mostrará toda a tragédia de sua história ao reduzir-se ao
extremo vulnerável em uma delegacia, na frente de outro homem: o delegado. Aqui
<i>Micheliny Verunschk</i> nos traz outro de seus temas recorrentes, a tortura
praticada por policiais, agentes de poder, os resquícios jamais apagados da
ditadura militar em nosso país. Em todo lugar em que<i> Lourença </i>esteve,
foi repetida a falha ambiental. Quando se junta patriarcado e suas violências
com condições materiais difíceis de sobrevivência, o mundo das mulheres se
torna um mundo infernal e – em consequência – o inferno alcança as crianças. Li
<i>Caminhando com os mortos</i> como um livro que relaciona religião e
transtorno mental, religião e política, religião e economia, religião e poder
de homens.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Com a
capacidade de nos comunicar as cenas nos mínimos detalhes, pintando os cenários
de forma a vermos até mesmo sua vegetação, dando um ritmo que amplifica a
sinestesia do texto em um jogo caleidoscópio que monta a estrutura, <i>Micheliny
Verunschk</i> mais uma vez nos entrega uma obra literária importante. Sua
linguagem artística nos transporta para o que chamamos de “<i>em carne viva</i>”.
A artista plástica <i>Adriana Varejão</i> tem uma obra exposta no <i>Museu de
Inhotim</i> chamada <i>Linda do Rosário</i>. Nesta obra – também inspirada em
uma tragédia – uma parede azulejada em ruínas, após um desabamento, mostra por
dentro suas entranhas, sua carne sangrando. <i>Caminhando com os mortos</i> me
remeteu a essa obra, nas metáforas que traz: “<i>A casa trocará de pele como um
lagarto, deixando à mostra músculos e gordura e tendões avermelhados sem reboco</i>”.
É assim, deixando à mostra as feridas de uma sociedade que erra feio, que <i>Micheliny
Verunschk</i> vai desenhando um país degolado, capaz de toda catarse, mas
incapaz de elaboração.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“Os
ombros de Lourença estão caídos e os braços pesados sobre o corpo dão a
impressão de que os ossos dos braços, pescoço, costelas vão todos se ajuntar
sobre o colo, como se sob alguma força eles se tivessem desconjuntado e a pele
e a musculatura desprendido, um tecido amontoado em refolhos, a cabeça
pendurada e os cabelos em redemoinho, um caroço engelhado. A mulher, uma boneca
de pano, mal-acabada, encardida, afundada na cadeira da delegacia, o estofado
azul desbotado, a espuma do assento já fina pelo uso despontando nas bordas
desgastadas. O ventilador ligado numa música monótona quebrada a cada retorno,
da direita para a esquerda, da direita para a esquerda, e um estalido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Não foi
minha filha que eu matei, não, doutor. O que eu fiz foi outra coisa. Eu não
matei. A menina vai se levantar. O senhor vai testemunhar esse milagre da
salvação. No terceiro dia. O senhor vai ver, ela vai fazer a sua páscoa e vai
voltar pela graça de Deus. Matar Letinha? Matei, não, senhor. Jamais. O
verdadeiro crente expulsa o espírito maligno, o senhor sabe, eu sei que o
senhor sabe. O senhor já viu o espírito maligno? Já percebeu com ele age? É
esperto, manhoso, ele. Anda pelo mundo espalhando malícia e falsidade. É feio.
É torto. É o pai de toda mentira. Mas Deus não quer o pecado.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Caminhando
com os mortos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Micheliny
Verunschk<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">2023<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">ed. Cia
das Letras<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p><br /><p></p><p></p></span>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-67573274609016030542023-09-14T14:43:00.003-07:002023-09-14T14:44:28.802-07:00 Genealogia das mulas, de Marília Kosby<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwW-kWfYB4LnKwHTia0Qp56xYuqbwKg-Ikqn6Y1zUVyuoxN7zcg2R_pJescW6Tx0d-RUy2VDRBnwUd-7X2cxuCtD8zMtfvwEt1QWBBqxDO8MnkX0F9CbXhSd959VGEDftgKXUa0b_X0T1P5I8ePma36Ka1oNU_wJ6NuGl7YWH37TdfIJMAae_9bq1f-PQ/s1500/kosby.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="944" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwW-kWfYB4LnKwHTia0Qp56xYuqbwKg-Ikqn6Y1zUVyuoxN7zcg2R_pJescW6Tx0d-RUy2VDRBnwUd-7X2cxuCtD8zMtfvwEt1QWBBqxDO8MnkX0F9CbXhSd959VGEDftgKXUa0b_X0T1P5I8ePma36Ka1oNU_wJ6NuGl7YWH37TdfIJMAae_9bq1f-PQ/w251-h400/kosby.jpg" width="251" /></a></div><br /><p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: right;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><br /></span></p><p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: right;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Por Adriane Garcia</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Uma
poesia de impacto. </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Genealogia das mulas</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, de </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Marília Kosby</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, livro
que compõe a coleção </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Biblioteca Madrinha Lua</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, da editora </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Peirópolis</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">,
já começa nocauteando pelas epígrafes. Os textos utilizados são de </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Receita
para fazer mulas</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, do folclorista</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"> Luiz Carlos Barbosa Lessa</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">. Uma
grave violência ali se anuncia, violência naturalizada às custas de ser
possível se obter o animal híbrido, mestiço, o muar, a mula. Um sadismo
lancinante. No rastro da epígrafe chegam-nos os versos. O que leremos nos dirá
sobre o poder e seus modos de se perpetuar. Diversas analogias, metáforas e
metonímias serão criadas a partir da relação entre origem e violência, poder e
subalternidade, opressão e resistência. A denúncia colocada por </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Marília
Kosby </i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">parte do modo cruel de se tratar animais, plantas, mulheres, crianças
e todos os grupos humanos que se estabelecem a partir da diferença. É o
patriarcado o centro desse poder tentacular, que hoje se confunde com o
capitalismo, mas que já se confundiu com outros sistemas econômicos no decorrer
da história, gerando a população dos vulneráveis. A matança registrada nos
versos da poeta é resultado de uma cultura patriarcal machista, misógina,
racista, homofóbica, capacitista, bélica, especista e infanticida.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">No
dicionário </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Aurélio</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, genealogia é a “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">lista ou diagrama com os nomes
dos antepassados de um indivíduo e a indicação dos casamentos e das sucessivas
gerações que o ligam a determinado ancestral</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">”. É interessante que a poeta
escolha para sua genealogia um animal estéril, cuja árvore genealógica só pode
ir para trás. A mula é o resultado do cruzamento forçado e cheio de logro entre
o jumento e a égua. Um ser do passado que não pode gerar-se no futuro. Ao mesmo
tempo, antiteticamente, a poeta nos dá uma </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">muar demiurga</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, um ser de cuja
excrescência o mundo procede. E aqui volta sua ideia de retorno marcando a
raça: a </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">muar demiurga</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"> sabe que “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">de rompante se apagou o sol/ nasceu
assim décadas de/ quase séculos atrás</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">”.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Riquíssimo
em metáforas, </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Genealogia das mulas</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"> retrata a população brasileira,
formada da mestiçagem em um processo histórico de estupros, sequestros,
separações e casamentos forçados. Uma sociedade que só podia resultar em
violência a partir de seu cerne formador cujo motor é a continuidade e não o
rompimento. A voz lírica pergunta: “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">a que ponto outro chegaríamos?</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">” Assim,
lemos um poema que fala do episódio ocorrido em 2021, do incêndio à estátua do
bandeirante </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Borba Gato</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, facínora tratado como herói (em um país onde até
o torturador </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Ustra</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"> o é). O atiçamento do fogo à estátua resultou na
prisão dos trabalhadores responsáveis pelo protesto, sob a argumentação
hipócrita de defesa do patrimônio público, quando sabemos que nosso patrimônio
público rui em cada cidade que se passe, sem qualquer preocupação do poder
público de modo geral. Em seus versos, </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Marília Kosby</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"> reflete: “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">as
chamas são rastros/das mulas/desmioladas todas// as mulas sem cabeça</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">”. No
enfrentamento do poder, as mulas que reagem só podem ser mulas ousadas, “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">desmioladas</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">”,
que se arriscam diante do mais forte, sabendo que é luta perdida. </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Também
chama a atenção o quanto os poemas de </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Genealogia das mulas</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"> registra a
escravidão como processo que deixa marcas profundas na sociedade, o que é
confirmado por todos os efeitos do racismo e da violência policial, pelo
genocídio da juventude negra que alcança números de guerra e os casos
reiterados de assassinatos de crianças negras no Brasil, atingidas por balas
“perdidas” ou “equívocos” de abordagens policiais, deixando claro que no Brasil
existe uma infância branca e uma menoridade negra. O tratamento dos povos
originários segue na mesma esteira racista e espoliadora. Quanto ao mundo do
trabalho, os resquícios escravocratas podem ser observados na vida
difícil dos trabalhadores e trabalhadoras, na exploração de praticamente todo o
tempo de vida das pessoas, para muitos o descanso sendo apenas um prazo para
chegar em casa, dormir poucas horas, e ir novamente para o trabalho; tudo isso
aliado à péssima gestão do transporte público nas cidades, mais as condições
precárias de moradia, alimentação, baixos salários e todo tipo de assédio
suportado de maneira </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">estoica</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">. A voz lírica nos comunica um sentimento de
ter partido de si um barco </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">malungo</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, vizinho de outra embarcação, expondo
a ferida da identidade com os seus, marcada pelo sofrimento e nos remetendo
àqueles navios negreiros, insalubres e mortíferos, nos quais se vinha sem
malas, sem pertences, para aportar sem nome. </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Marília Kosby</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"> nos revela as
marcas da escravidão todas presentes, inclusive como fantasmas da violência,
que ainda vivem e atuam.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Grande
parte dos poemas faz referência ao período tenebroso da história brasileira, o
do governo de extrema-direita de </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Jair Bolsonaro</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">, somando-se ao grande
azar de sob seu governo boçal e genocida acontecer uma pandemia, ocasionando
milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas se o presidente não estivesse
exatamente do lado da morte: “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">a vacina que não vem</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">”, o abandono e a
desesperança. Comparecem nos versos de </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Marília Kosby</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"> a luta entre </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Eros
</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">e </span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Tanatos</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">. A fome, recorrente em alguns poemas, adensa a tragédia
que atinge os pobres. A poeta é incisiva nos falando de um pão sem circo: “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">o
pão neste poema é meramente figurativo</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">”. E por mais que a situação leve os
“muares” a uma paralisia, a poeta também convoca à participação política, um
incômodo para os poderosos: “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">eu quis ir pra a rua/ ser um cisco /no olho da
rua”</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">. Uma vontade de vingança se abriga no coração muar: “...</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">eu
não/faria de algo/dão o chão de dor/ mir algoz</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">”. </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Utilizando
imagens inusitadas e fortes, como as figueiras, árvores simbólicas (as mais
antigas </span><span style="color: #040c28; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">– </span><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">as que tudo veem), sorvendo o sangue derramado sobre a terra, a poeta
conta do poder de vida e morte do homem sobre a mulher e do poder da memória
viva: “<i>mandou enterrar a filha/ ainda viva sob a soleira da porta</i>”. Aqui
a ambiguidade alcançada pelo posicionamento palavra/verso, pois tanto dá-se a
entender que o pai enterrou a filha viva sob a soleira da porta, quanto ela
conservou-se viva em memória. A constatação da voz lírica é a de que o sentido
da história tem sido de repetição: “<i>a testosterona de ciro pulverizada
/sobre o sertão da babilônia</i>” vai até “<i>o mitômano dando um giro de
moto/pelo planalto</i>”. Desse poder patriarcal a heteronormatividade massacra
a população LGBTQIA+. Nos versos de <i>Marília Kosby</i>, a mulher lésbica
resistirá com seu amor, ainda que haja uma desesperança por o humano obedecer a
uma vocação de pensar “<i>existir/ solução para os males/ do mundo que
julgamos/ conhecer</i>” e não conhecemos. Nisso reside o preconceito: não
conhecer. Nossas soluções muitas vezes baseiam-se em nossa ignorância.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">Se
os muares carregam o estigma da linhagem obtida no abuso, são também eles/elas
que detém a força e o conhecimento da sobrevivência nas piores condições. A voz
lírica nos diz de um conhecimento ligado à natureza e suas forças elementais. O
conhecimento do tempo como um relógio de sol, tempo natural que conhece as
horas dos frutos. Aqui, a visão dos povos originários de que tudo está ligado,
os elementos da natureza não se sobrepõem, mas se completam, simbioticamente. A
humanidade não é algo apartado, como erroneamente se pensa e se destrói o
planeta, nem mesmo apartam-se os tempos passado, presente e futuro. A poeta nos
traz a lembrança da ancestralidade: “</span><i style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">dos povos aborígenes/ tamborilando no
cérebro/ tumoroso de minha avó</i><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">”, resistindo a tanta tentativa de
apagamento.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Marília
Kosby</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">, ao utilizar o vocábulo e o animal mula como centro de gravitação de
seus poemas, lembra-nos a palavra de procedência pejorativa que por muito tempo
classificou grande parte da população brasileira: as mulatas e os mulatos.
Porém, encontra nesta origem não mais o pejorativo, mas a força dessa origem no
que ela pode ter de consciência da violência histórica. Suas ferramentas para
esse trabalho são múltiplas, de grande domínio poético. A poeta usa
metalinguagem, fragmentação da forma quando o tema trata de fragmentação,
deslocamentos quando o tema leva à voz lírica insone, deslocada, gerando
trocadilhos deliciosos como: “<i>deixava-me as tulipas enlatadas as pupilas
digo/dilatadas</i>”. Em sua estante, que comporta <i>Szymborska </i>ao lado de <i>Audre
Lorde</i>, surgem muitos diálogos com outras poetas, como por exemplo este
diálogo com <i>Adélia Prado, </i>num tom de era só isso que me faltava, já não
fosse a carga da mulher tão pesada: “<i>Muda já fui/ surda já fui/ cega/ agora,
desdobrável…</i>”. Em outro trecho de deslocamento interessantíssimo, a poeta
ao contar de uma ave, provavelmente exuberante, troca o adjetivo de lugar: “<i>era
uma fome exuberante</i>”. No bonito poema amoroso <i>Duas jiboias</i>, a voz
lírica ao falar de um amor recorda um outro (invasão de lembranças), e quem lê
não sabe mais qual amor viveu a história relembrada. <i>Marília Kosby</i> faz
excelente arranjo posicional dos versos, sua partição para o melhor
aproveitamento de ambiguidades: “<i>aborto, nós não amamos/ necessário é, mas
não conheço quem ame/ corpo algum</i>” e é constante o uso de paradoxos muito
bem elaborados com síntese notável. Aqui, por exemplo, no poema <i>Cólera</i>:
“<i>a água pode acabar/ com tudo</i>”. Nas pouquíssimas rimas que a poeta usa,
o faz de maneira exemplar: o efeito de humor é conseguido com palavras de
idiomas diferentes e de forma inusitada, trazendo na referência o poeta
satírico romano (lembrando que sátira tem na sua origem “saciado”): “e a gente
doente e com fome/ora, quem dera fosse um clown/ vivêssemos a sátira do
juvenal”. Não falta ainda a ironia como arma linguística e o uso do particular
para o universal: “<i>já me quebrei toda” até “cacos de américa do sul pra
cá/flancos de África bem pra lá</i>”. </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Genealogia
das mulas</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"> leva-nos a perceber a onipresença da crueldade. Sem
condescendência consigo mesma, a voz lírica reconhece que sua educação com o
dominador é um sintoma de burrice, flagra-se com inveja dos bichos e não dessa
civilização “<i>furreca</i>” que nos sai cara demais. Chama-nos a
perceber nosso cio, do qual querem nos distrair. Convida-nos a deixarmos de ser
míopes, reaprender a ver de longe, largar um pouco as telas, ver o céu, a copa
das árvores, cultivar o amor, o acolhimento, ter refúgio nas tempestades: “<i>te
cuida que as árvores tombam/ me espera com mate?</i>” É um livro bonito para
ter, ler, e ficar relendo. </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Vocês
que pensam</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">que
a Terra está cheia demais</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">porque
essa gente preta e pobre</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">não
para de se reproduzir</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: #040c28; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">–</span><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">
vocês que sonham </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">ardentemente
com a volta</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">daquele
tempo quando</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">oligofrênicos</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">parem
de matá-los</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">cessem
esse extermínio</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">essa
sangria frigorífica</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">esse
banquete de moscas</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">onde
um vocês matam,</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">vis
escrotos ignóbeis, </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">outras
três nascem.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">srs.
pulhas, é uma lei</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">da
natureza onde se ora, onde se chora</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">com
quem se come</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">É
uma lei da natureza, canalhas!</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Que
encontra </span><span style="color: #040c28; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">–</span><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">
pusilânimes! </span><span style="color: #040c28; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">–</span><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">
pulso</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">onde
vocês, abjetos, apostam na morte!</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">***
<br />
<br />
Já me quebrei toda</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">os
dois braços de uma vez</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">e
a cara por consequência</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">as
mãos fraturadas empurrando o chão em vão</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">quebrei
a cara</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">dos
colegas e os cascos no chão</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">pedrento
de minas</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">me
esfolei no ouro toda</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">trago
quebrado um pulmão</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">o
sangue um oceano</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">rasgando
a pangeia</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">deslumbre
de horrores</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">qual
não é o alçapão de maravilhas</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">ampliou-se
o mundo</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">cacos
de américa do sul pra cá</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">flancos
de áfrica bem pra lá</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">ampliou-se
o mundo</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">multiplicaram-se
os precipícios</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">e
os obstáculos</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">à
revelia nós</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">nunca
mais paramos </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">de
refazer aquele continente só</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">sob
a sola de nossos pés</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">os
cascos duros de mulas sobre</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 16pt;">*** </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Genealogia das mulas</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Marília Kosby</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Poesia</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Coleção Biblioteca Madrinha Lua</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">(curadoria de Ana Elisa Ribeiro)</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Ed. Peirópolis</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt; line-height: 200%;">2023</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p><p>
</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p><br /><p></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-85522299971647843492023-08-31T13:54:00.002-07:002023-08-31T13:54:16.267-07:00COISAS DIFÍCEIS DE RESSUSCITAR, DE JULIANA GARBAYO<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9WJA1p1wStTxL8PEZvVzHNu9KyiTWO7b9xzYUaod9FrKNxuCrIvp9TMqWeAovJmBTmWUUhKiw4FQPQzXyQm8pAuPKqto0pfID6rAbzPVgo1rAV0iKi-4-yLVUu0aTpHAFel_2wAHIZOJwvkl9RIOljtEHsDFAEpdBjVluzlOcgjySs6PzJcjOQNmJl2k/s271/garbayo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="271" data-original-width="186" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9WJA1p1wStTxL8PEZvVzHNu9KyiTWO7b9xzYUaod9FrKNxuCrIvp9TMqWeAovJmBTmWUUhKiw4FQPQzXyQm8pAuPKqto0pfID6rAbzPVgo1rAV0iKi-4-yLVUu0aTpHAFel_2wAHIZOJwvkl9RIOljtEHsDFAEpdBjVluzlOcgjySs6PzJcjOQNmJl2k/w275-h400/garbayo.jpg" width="275" /></a></div><br /><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12pt; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 14pt; text-align: right;">Por Adriane Garcia</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Grata
surpresa foi ter em mãos <i>Coisas difíceis de ressuscitar</i>, de <i>Juliana
Garbayo</i>, livro com o qual a autora ganhou o <i>Prêmio Digital da Biblioteca
do Paraná</i>, em 2021. A coletânea publicada pela <i>Caos e Letras</i> é
composta por vinte contos. Primeiro livro da autora, nele já podemos concluir
que se trata de uma excelente contista. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Suas
personagens e situações são diversas, muitas delas inusitadas, sendo a maioria
narrada em primeira pessoa, o que nos aproxima bastante dos seus protagonistas.
<i>Juliana Garbayo</i> narra a vida nas suas nuances profundas, a vida como ela
é. Flagra as pessoas como elas são, nas intimidades mais recônditas de seus
pensamentos e pulsões. Em comum, os contos trazem momentos de trauma ou de suas
consequências atuantes, em muitos deles destacam-se a questão da passagem do
tempo e da consequente deterioração das relações, principalmente as de
casamento. No centro da coletânea, o luto, por vezes a melancolia, a dor das
perdas. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Coisas
difíceis de ressuscitar</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"> é um livro que lemos com o “coração na mão”. A
sensação de estar em algum lugar conhecido, pois todos já perdemos algo ou
alguém, faz a leitura ser conduzida por muita empatia. É assim que entramos em
um quarto de hospital para visitar um rapaz que tem seu pé amputado enquanto
seu amor de infância ecoa. Ao mesmo tempo, a autora nos faz perceber as
relações que nos rodeiam quando estamos em extrema vulnerabilidade. Para além
dos temas, há uma eficácia notável em saber contar literariamente. <i>Juliana
Garbayo</i> oferece frases certeiras que aumentam a verossimilhança e nos dão
um susto, por constituírem detalhes psicológicos em meio à narração dos fatos;
detalhes estes que só poderiam mesmo saber aquele que passa por tal dor: “<i>Glorinha
se ofereceu pra carregar a sacola com minha escova de dentes, meu pente e o pé
direito do meu tênis, que eu não sabia se devia jogar fora ou não</i>.”</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Habitadas
por gente de carne e osso, as narrativas de <i>Garbayo</i> tratam de
alcoolismo, recaídas, rejeição infantil, separações, depressão, vergonha,
doença. Encontramos nelas mães cruéis, transtornadas, que competem com as
filhas; filhos adolescentes que têm que tomar as rédeas da casa, perda da estrutura
familiar e a dura constatação de que a vida tem que continuar sob novas
condições. Um fio de tristeza perpassa situações de desamor, a ausência de um
pai morto, o terror da anorexia, a solidão, a perda da liberdade em casamentos
cuja divisão de tarefas é injusta e desigual, a perda da fantasia. Há um tom de
desfazimento que nos diz sobre um mundo antes conhecido que não voltará jamais,
a perda de objetos que antes faziam sentido – que davam um sentido à vida – trazendo
na sua falta o vazio, a desestruturação emocional e financeira. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Juliana
Garbayo</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"> oferece uma galeria de coisas que podemos perder, entre elas, notável,
aparece nosso convívio amoroso com os animais, seja o coveiro-jardineiro
que adotou um bode, seja o homem que chora diante da dor da morte de seu
cavalo, a mulher que ama uma porca ou a outra que empalha um cão. Até mesmo um
peixinho nos comove. Há também, como no conto <i>O antiquário da Madame Bernard</i>,
a perda do glamour, da juventude, a chegada da velhice e as perdas menores,
quase não notadas, como um adeus que deixamos de dar a um amigo e simplesmente
seguimos em frente. Neste sentido, brilhante a escolha de um antiquário e um
brechó como significantes de uma vida que vai perdendo viço: “<i>Quando eu
descia do ônibus e pisava aquelas calçadas de granito e pedra portuguesa,
tentava imaginar o glamour das épocas passadas, mas só via poças de mijo,
guimbas de cigarro, mendigos pedindo esmola e baratas passeando de um lado para
o outro. Era irônica a semelhança entre o que o tempo tinha feito com aquela
rua e com a Madame Bernard</i>.”</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Ainda
que as histórias sejam tristes, há um humor delicioso, bem medido, aqui e ali
na coletânea: “<i>Acho que a Justine confiava demais nos clientes, talvez não
acreditasse que alguém roubaria uma grande dama do teatro como ela, mas eu, que
já tinha levado pra casa dois dos seus anéis (sem falar numa presilha de cabelo
cheia de pérolas falsas e strass), era mais cética</i>.” No seu modo de contar,
que encontra diferentes volumes tonais (inclusive formal, como em contos que
utilizam uma espécie de associação livre na cabeça das personagens), o que
deixa a leitura livre de qualquer cansaço, <i>Garbayo </i>narra coisas que
acontecem, gente como a gente que não dá conta de ser “correto” o tempo todo,
que deixa as relações sem respostas, que deseja vingança contra os
algozes, mas que sofre quando esses amados algozes sofrem. Gente que tem
inveja. Gente que perde a sanidade e que passa a viver em uma realidade
apartada da maioria. A autora faz isso com uma competência enorme de captar os
sentimentos e transmiti-los.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Coisas
difíceis de ressuscitar</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"> é um livro que mantém suas alta qualidade e capacidade
de interesse na leitura do primeiro ao último conto. Se as coisas são difíceis
de ressuscitar, isso nos leva direto à ideia de morte. Na verdade, um eufemismo
– pois precisamos de eufemismos para suportar o real – diante das coisas <i>impossíveis</i>
de ressuscitar. É o que cada personagem de <i>Juliana Garbayo</i> vai
descobrindo, uns com mais, outros com menos chance de superação. Como excelente
contista que é, <i>Juliana Garbayo</i> não julga seus personagens, ela os
compreende. E nós também podemos compreender melhor as perdas – e a dor – de
todos nós quando passamos um tempo com os habitantes deste livro. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">“<i>Minhas
amigas me estranham por ter empalhado o cão. Imagina se soubessem que me
correspondo com um preso violento. Só contei à Jane. Ela se ofereceu pra doar
livros, mas o presídio onde ele está fica longe demais. Melhor assim. Jane é
muito engraçada. Diz que não acredita em Deus, mas é a pessoa mais santa que eu
conheço. Já eu escrevo cartas pra um homem preso porque quero falar de mim
mesma. Depois posto foto dos envelopes selados e escrevo Lembrai-vos dos presos
como se estivésseis presos com eles. Rende muitas curtidas. Tirei da carta aos
Hebreus. Jane é ateia, mas da forma que eu vejo é mais crente do que eu, a
diferença é que o deus dela se chama Acaso. Ela diz que é por Acaso que as
árvores parecem pulmões; as nozes, cérebros; as frutas, vaginas; os rios,
veias. Só pode existir vida no nosso planeta entre cento e sessenta bilhões de
outros porque a vida nasceu por Acaso. Uma partícula nadava na sopa molecular e
por Acaso começou a se replicar, por acaso o universo explodiu e se expandiu,
por Acaso os brotos de samambaia obedecem à mesma proporção que as conchas dos
náutilus, por Acaso um homem nasce príncipe na Noruega e outro mendigo em
Chade. Quando bebemos vinho juntas, ergo a taça e digo: ao deus mais poderoso
de todos, o Acaso, e rio, mas Jane fica passada. Pra ela, o meu Deus não faz
sentido e deve ser louco, nada que ele faz tem lógica, criou uma fruta que não
era pra comer, deixou seu único filho ser morto e o mundo continuou igual,
escolheu o povo hebreu sem qualquer explicação. Eu escrevo para um homicida a
mil e trezentos quilômetros de distância e recuso a chamada quando ele liga a
cobrar. Ele pensa que sou uma boa mulher. Em sua última carta me pediu pra
rezar por ele. Como se minha oração tivesse peso diferente. Uma vez perguntou
se aceitaria encontrá-lo, caso saísse na condicional. O bom de conversar por
cartas é que você só responde o que quer.</i>”</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">(p.
107/108)</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 12.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><br />
<br />
<br />
<br />
<br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[endif]--><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Coisas
difíceis de ressuscitar</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Juliana
Garbayo</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Contos</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Ed.
Caos & Letras</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">2023</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Cambria",serif;"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-310170794271638862022-09-16T08:52:00.005-07:002022-09-16T08:57:44.833-07:00Paisagens inclinadas, de Michaela Schmaedel<span id="docs-internal-guid-8ff25aa6-7fff-f584-5872-24f40e4abaa0"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsJJGQHHU45losBbnuICdSwFt_GXyGLTMHTTOPxhMWvl5EzcQ2_UFuSpg4FZsnozJm9CzOkz5FrMi_OqdcOfli--8rgUrLlxg7dNYrAyjNQPrYdPDMSCcah6f5QVxq8bAQDVoA4L_-kyyx5IRu-0_Skp9KMhKSa_5CN8BIJmEJsYxzIgLV4UtL91sn/s750/paisagens-inclinadas-michaela-schmaedel-poesia-7letras.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="750" data-original-width="500" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsJJGQHHU45losBbnuICdSwFt_GXyGLTMHTTOPxhMWvl5EzcQ2_UFuSpg4FZsnozJm9CzOkz5FrMi_OqdcOfli--8rgUrLlxg7dNYrAyjNQPrYdPDMSCcah6f5QVxq8bAQDVoA4L_-kyyx5IRu-0_Skp9KMhKSa_5CN8BIJmEJsYxzIgLV4UtL91sn/w266-h400/paisagens-inclinadas-michaela-schmaedel-poesia-7letras.png" width="266" /></a></div><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><br /></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: right;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Por Adriane Garcia</span></p><br /><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Se reparar bem, as paisagens estão inclinadas. É preciso um olhar aguçado, um certo silêncio, uma capacidade de perceber a integração do humano com a natureza para se dar conta desse acontecimento. Há algum tempo, </span><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Michaela Schmaedel</span><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> vem nos brindando com uma poesia que fala de um mundo holístico, cujo centro é o sentimento de solidão. Do paradoxo de partilhar do Todo e estar só ela seleciona sua matéria.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Longe de estar irmanado com a paisagem, o ser está em conflito com ela – pois em conflito consigo – servindo-se da natureza, pela linguagem, para falar de si. Essa fala, tomada de melancolia (além de uma ironia triste) se estica como “<i>um anjo/ de braços longos</i>”, mostrando o poder da poeta de – criando imagens - gerar um clima sensorial.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Temperaturas e cores, topografia e vento, mar e céu, texturas, ambientes fechados e abertos, </span><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Paisagens inclinadas</span><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> traz uma poesia em que o corpo é o tradutor do mundo – de dentro para fora e de fora pra dentro.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Dividido em quatro partes, este livro nos fala de ciclos, do recomeçar que tanto é dádiva quanto pedra de Sísifo. Há algo de luta por estar vivo a cada manhã, algo de resistência contra a medicamentalização da vida pelas saídas anestésicas: a poeta tem coragem de olhar e cada olhar é – já que um tanto animista e fabulatório – fuga e enfrentamento. Mas não falamos de atribuir uma alma ao mundo. Falamos de uma poesia capaz de trair o senso comum, de um animismo invertido em que é a nossa falta de alma que se reflete no nosso entorno.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Michaela Schmaedel</span><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> trabalha com associações que alumbram e surpreendem. Há uma riqueza de figuras de linguagem que se junta a profundas reflexões, como deve acontecer na melhor poesia. Tanto o mundo urbano quanto os desertos ou as terras campestres e distantes figuram no mesmo mapa cardíaco: “</span><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Como calar/o que não é sólido/ao coração?</span><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">” A riqueza de suas metáforas adensa, cria espaço visual, enquanto a presença de outras espécies animais colore a voz de um eu-poético capaz de uma comunicação silenciosa – e audível.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Paisagens inclinadas</span><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> é feito de matéria refinada, resultado de um labor que busca exatidão e, brilhantemente, nos comove.</span></p><br /><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><b>FENOMENOLOGIA </b></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><br /></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Reparar o comum</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">o muito conhecido</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">uma flor</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">por exemplo</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">pensar na estrutura</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">no ciclo </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">nos detalhes</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">com uma flor</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">se pensa o presente.</span></p><div><span><br /></span></div><div><span><br /></span></div><div><span><br /></span></div><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><b>PRESENTE</b></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><br /></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Viver o campo </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">o campo é a casa </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">flores amarelas </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">em meio ao verde </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">vigoroso</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">viver o campo</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">o campo é a casa</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">como se a morte</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">fosse agora.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><b>ANDES</b></span></p><div><span><br /></span></div><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Há sempre neve no Aconcágua</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">álamos amarelos</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">uvas roxas</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">catitas nos campos. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O que vemos primeiro</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">a pré-cordilheira </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">é sempre uma ilusão.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><b>DELÍRIO</b></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><br /></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Um bem-estar </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">se esconde sob a ironia</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">atormentar os vivos</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">e os mortos</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">com a teoria de dias </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">mais capazes</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">o mundo desmoronando</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">e eu aqui </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">pensando em versos.</span></p><br /><br /><p dir="ltr" style="line-height: 2.4; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">*** </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.2; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Paisagens inclinadas</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.2; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Michaela Schmaedel</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.2; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Poesia</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.2; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">ed. 7 Letras</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.2; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">2022</span></p><br /><br /></span><p> </p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-41137702654268912022022-06-16T14:36:00.004-07:002022-06-16T14:36:18.067-07:00Estudo sobre o fim: bangue-bangue à paulista, de Paula Fábrio<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUcgEYpMjq8vmnS1FxlP-AQDZSyKw45W01YzqyyB_FKKKO4482qyIo1G75TbBJMmF4HzCAyiyoDfG2FF9iCnD-K2z8RMVVTvcL6Cs44tZGxVLNL0aC3LfJK4rUosBR4apA_iN_Rc3Wdhpe8I4_7RHKaJ6WuEZDX0KOzCaKB5jyyZIjQ0Duc63J8wtX/s499/paula.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="499" data-original-width="319" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUcgEYpMjq8vmnS1FxlP-AQDZSyKw45W01YzqyyB_FKKKO4482qyIo1G75TbBJMmF4HzCAyiyoDfG2FF9iCnD-K2z8RMVVTvcL6Cs44tZGxVLNL0aC3LfJK4rUosBR4apA_iN_Rc3Wdhpe8I4_7RHKaJ6WuEZDX0KOzCaKB5jyyZIjQ0Duc63J8wtX/w256-h400/paula.jpg" width="256" /></a></div><br /><p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: right;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p><br /><span style="font-size: 16pt;">Por Adriane Garcia</span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br />
<br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[endif]--><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Na capa
(fotografia de<i> Adriana Moura</i>) vemos em destaque uma criança de pele
negra vestindo uma camisa da seleção brasileira. É assim que começa <i>Estudo
sobre o fim: bangue-bangue à paulista</i>, terceira parte de uma trilogia que a
escritora <i>Paula Fábrio</i> vem escrevendo. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O título se
adequa com perfeição ao livro. É estudo que parte da etimologia da palavra
“bandido”, banido, exilado, para dar conta de uma pequena amostra da sociedade
brasileira, espécie de sinédoque que toma as personagens que se movimentam em
São Paulo e em João Pessoa como o singular que explicará o plural. É um estudo
sobre o Brasil de 2018 em diante, que não pode ser entendido sem o Golpe de
2016, quando uma revanche da necropolítica se efetua e retira a presidente
eleita <i>Dilma Rousseff</i> da presidência do país, usando para isso conchavos
políticos, judiciais e midiáticos em que o discurso anticorrupção irá manipular
o eleitorado. Mas não é tão simples assim. É muito mais complexo. E é isso que
podemos ver na trama e nas entrelinhas da construção das personagens de <i>Paula
Fábrio</i> neste <i>Estudo sobre o fim</i>. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">A partir do
furto de três bicicletas em um condomínio de classe média, a autora retrata as
relações pessoais e sociais. <i>Paula Fábrio</i> conseguiu com uma narrativa de
muitas vozes, oriundas de classes sociais diversas, nos dar a ideia de uma
polifonia nacional esquizofrênica, que inclui a paranoia do inimigo invisível –
um comunismo brasileiro, por exemplo. É notável que a construção do texto muda
o tipo de registro de linguagem a partir do mundo que está sendo narrado e que
isso se opera com muita naturalidade – lemos até mesmo os comentários de <i>internet</i>
e as mensagens de <i>whatsapp</i> das personagens. A leitura de<i> Estudo sobre
o fim</i> é densa, e muito fluida. E por incrível que pareça, diante de nada
menos que a tragédia nacional, há humor. É uma história envolvente.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">A maior
parte da narrativa ocorre na cidade de São Paulo, o bangue-bangue à paulista é
o salve-se-quem-puder que desemboca no Brasil de hoje, mas que não é de forma
alguma novidade para a parte mais injustiçada e vulnerável da população
brasileira: os pobres, notadamente os pobres de pele negra. É contra os pobres
que, após o Golpe de 2016, foi instituído um teto de gastos que não permite
políticas públicas, é contra eles que se fez a Reforma Trabalhista, a Reforma
da Previdência e as privatizações. O resultado, ao contrário do argumento usado
para ludibriá-los – criar mais empregos – é a total precarização do mundo do
trabalho, a uberização que vem na esteira da perda dos direitos trabalhistas, e
o crescimento vertiginoso do mercado informal. <i>Paula Fábrio</i> nos
apresenta ainda uma novidade mais cruel: a terceirização da
terceirização. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">É assim que
Magaiver e Alemoa personificam o saber popular de que o mundo é dos espertos, de
que em terra de cego quem tem um olho é rei. Explorando meninos (bandidos,
banidos) que precisam furtar para sobreviver, eles mantêm uma empresa de
interceptação de bicicletas e celulares, tipo de negócio que explora a massa
miserável dos serviços de entrega. E é o próprio Magaiver que, instigado pelo
discurso com tendências de politização de Solange (Sol), começará a pensar em
um movimento organizado de entregadores de aplicativos. Pontes, nome que
atravessa o livro, um empresário envolto em mistério, desaparecido, que foi de
camelô a ativista, de político a empresário do coco, representa para quem ouve
sua história uma meritocracia que as elites insistem em dizer – a despeito dos
fatos – que existe. Os pobres de <i>Estudo sobre o fim: bangue-bangue à
paulista</i> não se identificam com os trabalhadores que são, mas com os
empresários que querem ser, identificam-se com o “empreendedorismo” como se
fosse possível uma sociedade constituída apenas de empresários.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Uma sombra
do passado alcança todas as páginas deste livro. É como se ele trouxesse a nata
da história pregressa do Brasil, que subjaz por trás de tudo. O que há por
baixo é a ferida nacional chamada escravidão; a outra, chamada latifúndio; a
outra, chamada patrimonialismo, todas elas envoltas em racismo. Não à toa,
falando de sombra, aparece Marc, um homem ligado à ditadura militar, o dono de
uma empresa de segurança cujo delírio é automação completa: “<i>a tecnologia
tira esse problema da frente, o problema chamado pessoas</i>”. Marc faz cerveja
artesanal e não parece mesmo gostar de pessoas, não as diferentes, nota-se pela
forma como se refere a Tânia, vigia das câmeras do prédio, portadora de
nanismo. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Munidas de
seus celulares, as personagens de <i>Paula Fábrio</i> nos mostram que essa
facilidade tecnológica também pode ampliar a confusão. Do uso excessivo e
viciante ao repasse de <i>fakenews</i> pelas redes sociais, o abuso do
eletrônico instaura comportamentos. Há que se falar também em novos modos de
leitura: a preferência pela mensagem visual, rápida, superficial – isso sobre
uma população que nem adquiriu os modos de leitura convencional, concentrada,
crítica e/ou literária. A passagem em que Magaiver entende uma mensagem de
maneira contrária ao que ela significa ilustra bem como a tecnologia tem
encontrado solo fértil para confundir, não para esclarecer, e nos lembra um
episódio recente da história brasileira: durante a greve dos caminhoneiros em
setembro de 2021, a mensagem de voz por <i>whatsapp</i> de <i>Jair Bolsonaro </i>enviada
a eles despertou a desconfiança de ser falsa, enquanto muitos caminhoneiros,
seus apoiadores, acreditaram que a mensagem de voz do comediante <i>Marcelo
Adnet</i>, se passando pelo presidente e solicitando que dançassem a “<i>Macarena</i>”,
era verdadeira.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Estudo sobre
o fim</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> não deixa dúvidas sobre o efeito
coletivo das ações individuais, à medida que as personagens, aparentemente
isoladas, se cruzam. Há nesses cruzamentos um outro mérito na estrutura, o
ritmo de movimento, os deslocamentos que a autora nos informa nas cidades de
São Paulo e João Pessoa, sinalizados nas seções em que se divide o livro: Vila
Mariana-Vila Prudente/ Tambaú-Coqueirinho/ Vila Mariana-Vila Prudente-Vila
Mariana. A cidade de São Paulo, assim, aparece com suas classes sociais, os
lugares funcionando como organismos vivos, pois a forma como pulsa a cidade só
se dá por causa das pessoas. Um país é feito de pessoas. Na outra ponta, no
Nordeste, a Professora (também conhecida pelos moradores do seu prédio como a
síndica sapatão), personagem que é um importante elo na narrativa, descreve a
sua viagem a algumas praias de João Pessoa, em um celta vermelho dirigido por um
motorista de aplicativo, e mostra – pela fala do motorista – o Brasil de
2016 chocando o ovo da serpente, prestes a trincar. Quando trincar, cinquenta e
sete milhões de brasileiros elegerão um presidente de orientação fascista. São
dessa professora as reflexões sobre o momento político, como se ela percebesse,
mas ainda não tivesse a dimensão exata, algo como um sentimento de suspeita que
já se instalava: “<i>(...) eu voltaria a encarar o futuro com jeito de passado,
mal-passado.</i>”</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Se é a
partir do furto das bicicletas que conhecemos a precariedade em que os meninos
Costela, Conexão e Sócrates se encontram, é a partir da reunião no condomínio
de classe média que constatamos o nível de intolerância e ódio de classe em
patamares extraordinários – tudo está por um fio – a vida do outro não tem mais
valor. É ali que vai se manifestar o reacionarismo diante de grupos que exigem
ser tratados com respeito e por isso exigem novas palavras. A exigência do
“politicamente correto” causa revolta porque além do desejo de matar os
diferentes (leia-se aqui população de mulheres, indígenas, negros, LGBTQI+,
portadores de necessidades especiais), desejo que ao longo da história
brasileira foi e é tantas vezes saciado, há a prática de destruir os diferentes
com as palavras, de humilhá-los – e esses outros, os diferentes, devem suportar
as palavras daqueles que se entendem como superiores, frequentadores do mundo
dos iguais. Para os pretensos superiores, diferente é sinônimo de inferior. É
assim que, na reunião, a voz narrativa nos deixa ouvir em alto e bom som este
pensamento: “<i>Ah, quando pudessem voltar a dizer certas coisas. Anseiam por
se juntar aos radicais, àqueles menos contidos, mas eles ainda têm vergonha.</i>” </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Com uma
participação reduzida, apenas 5% dos moradores, a reunião mostra o tamanho da
cultura participativa – a apatia política e a desvalorização da vida
comunitária. Já a vida online, conta com o entusiasmo de cidadãos ativos em
rede, além de um exército de robôs que não cessa. Um momento de clareza sobre o
avanço de uma cultura fascista se apresenta nas páginas em que a autora utiliza
comentários de internet em notícias como a da “<i>Invasão do Capitólio, nos EUA</i>”.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Há uma
organicidade muito grande em <i>Estudo sobre o fim: bangue-bangue à paulista</i>.
Como um oroboro, o fim se une ao começo e o começo ao fim. Em qualquer ordem,
podemos voltar ao motorista de aplicativo manifestando seu desprezo pelos
pobres, pelos nativos e seu deslumbre diante do explorador; sua aversão ao <i>Partido
dos Trabalhadores</i>, as frases diretas que ele profere, entregando sua visão
de mundo: “<i>O certo é que ninguém pode tomar o espaço de ninguém. Rico é rico
e pobre é pobre. E bandido é bandido. Também não é correto tomar dinheiro do
pobre, trabalhador, ambulante que ganha pouco, embora ambulante também seja
bandido (...).</i>”</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Nesta ordem
social em que a palavra bandido se amplia para nominar os excluídos, não
poderia faltar o papel das igrejas, especialmente as neopentecostais, que sabem
tão bem explorar, assim como Alemoa e Magaiver, a miséria ao seu redor dando
desculpas de nobreza. Alemoa e Magaiver são a única salvação econômica de muita
gente. <i>“Vinte reais por bike</i>”. As igrejas exploram oferecendo salvação
espiritual. A diferença é que Magaiver e Alemoa, pelo menos, entregam o que
prometem. Sem justiça social de distribuição de renda e sem políticas públicas
eficientes e humanitárias de saúde mental as igrejas proliferam. A “n<i>ovilíngua”</i>
do clássico <i>1984,</i> de <i>George Orwell,</i> se apresenta nitidamente no
nome da igreja evangélica em uma ocupação popular para moradia: <i>Igreja do
Brasil do Futuro</i>. Denominação que subentende o sonho de uma teocracia e
lembra o <i>slogan</i> “<i>Uma ponte para o futuro</i>” do governo de<i> Michel
Temer</i>, feito de retrocessos. Em<i> Estudo sobre o fim</i>, Zé Eulálio
estuda para ser pastor, lê as apostilas do pastor Deoclécio e vê na criação de
uma filial grande oportunidade. Também é esperto o suficiente para saber que
igreja no Brasil é um negócio concorrido; assim, busca, na sua
performance, aprender técnicas do jornalismo policial mais baixo que existe,
protagonizado por datenas e afins. O diabo será mais uma vez deslocado para as
religiões de matriz africana. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Na
caracterização complexa das personagens de <i>Paula Fábrio</i>, as línguas são
diferentes. O bangue-bangue se dá numa espécie de Babel. Talvez por isso
Magaiver e Sol não possam se entender, mesmo tentando. Nos encontros com a
Professora, Sol nos mostra que as ideias podem ser contaminadas umas pelas
outras. Sol é mesmo essa pequena e rara luz se insinuando em alguma fresta,
misturando ideias de cooperativismo com o sonho de fazer parte de um grupo
funk. De alguma forma, essa personagem representa o poder das palavras. Ela é
uma contadora de história e sabe: “<i>Muitas vezes, ao contar uma história para
o Magaiver, ao ouvir sua própria voz, Sol parece entender o real sentido
daquilo que está narrando</i>”.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Estudo sobre
o fim: bangue-bangue à paulista</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> é um livro
que destaca as decisões que acontecem dentro do Edifício Iracema (sim, o da
virgem dos lábios de mel que morre de saudades de seu colonizador – afinal não
foi a indígena que contou essa história); um pequeno país que retrata o grande,
este que agoniza socialmente. É o estudo sobre o fim da consciência de classe,
o fim dos sonhos coletivos, o fim da capacidade de se integrar como categoria
trabalhadora e lutar por ela. É também uma pequena galeria de pessoas que
podemos encontrar por aí todo dia, cada vez mais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Muitas dessas
personagens de <i>Paula Fábrio</i> nos surpreendem por alguma característica
que não combina com a noção que fazemos delas, são humanas, demasiadamente
humanas e, portanto, possuem suas incoerências, para o bem e para o mal,
algozes e vítimas que se misturam dentro de si. Em algumas, como Marc, podemos
encontrar o que chamamos correntemente de “um combo”: machista, fascista,
homofóbico, racista, capacitista. Eles existem e já não se escondem. </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">No prefácio
do cientista político <i>Jairo Nicolau</i> ao livro <i>Como as democracias
morrem</i>, de <i>Levitsky </i>e<i> Ziblatt</i>, ele nos alerta que a “<i>tolerância
mútua é reconhecer que os rivais, caso joguem pelas regras institucionais, têm
o mesmo direito de existir, competir pelo poder e governar. A reserva
institucional significa evitar as ações que, embora respeitem a letra da lei,
violam claramente seu espírito. Portanto, para além do texto da Constituição,
uma democracia necessitaria de líderes que conheçam e respeitem as regras
informais.</i>” No Brasil atual, do qual <i>Estudo sobre o fim </i>fala, a
democracia está completamente abalada. Não só a tolerância institucional foi
rompida com a prisão do principal candidato à Presidência da República, <i>Luís
Inácio Lula da Silva</i>, utilizando o recurso abominável do “<i>lawfare</i>”,
executado por um Juiz de Direito chamado<i> Sérgio Moro – </i>em conluio com
membros do Ministério Público <i>–</i> como a reserva institucional foi rompida
a partir da utilização do recurso de <i>impeachment</i> para efetuar um golpe.
Porém, algo concomitante a esses processos acontece com os indivíduos de uma
democracia em erosão. É esse algo que a autora de forma literária<i> </i>e<i> </i>tão
bem articulada consegue apontar. Aquela pergunta “como foi que chegamos aqui” é
o que ela responde.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Paula Fábrio</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> nos entrega um livro que faz rir e
chorar de nossas mazelas, que dialoga o tempo todo com a realidade e nosso
tempo; leva-nos até o ponto mais alto da tensão deste triste fenômeno que jura
de morte a democracia brasileira: a violência estatal, social, econômica e
política voltada principalmente para nossos mais vulneráveis banidos: a criança
de pele negra.</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br />
<br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[endif]--><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">“<i>A mulher
acaba de sair do prédio. É professora. Tem certa idade. Não carrega nenhuma
bolsa consigo, a não ser a dos olhos. </i></span><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Na rua,
ainda há respingos d’água nos galhos das árvores e na fiação elétrica. Mesmo
assim, a mulher leva o guarda-chuva aberto sobre a cabeça. O guarda-chuva a
impede de cruzar o olhar com o do menino, e isso pode ser um lance de sorte
para ambos. No entanto, ela lê os dizeres em sua camiseta: “Jesus tem planos
para você.</span></i><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">” (p. 11)</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 12.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">*** </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Estudo sobre o fim: bangue-bangue à
paulista</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Paula Fábrio </span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Romance</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Reformatório</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;"><span style="color: black; font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">2022</span><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-28150253400610718362022-05-06T06:13:00.003-07:002022-05-06T06:13:39.448-07:00Ao pó, de Morgana Kretzmann<p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"><br /></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5HT0n_LWIEwvr3XCbcTJbDyV3eFbQZ82dbiz6wtGt9NsA2-ZUSbk_UU5brmoaypzpstQsLR-_P6FkfwnzMWko-A74IBrYIzLvCJYLtbm8SrT0ImpNOV9cCjN9K2jWvmy5EzXry0CGv2Layf3BbIRQRiuL3HvaXAmjEXrhfzTfD3G5dsMjd_B69Wm3/s790/20200113104435_6914993086_D.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="790" data-original-width="600" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5HT0n_LWIEwvr3XCbcTJbDyV3eFbQZ82dbiz6wtGt9NsA2-ZUSbk_UU5brmoaypzpstQsLR-_P6FkfwnzMWko-A74IBrYIzLvCJYLtbm8SrT0ImpNOV9cCjN9K2jWvmy5EzXry0CGv2Layf3BbIRQRiuL3HvaXAmjEXrhfzTfD3G5dsMjd_B69Wm3/w486-h640/20200113104435_6914993086_D.jpg" width="486" /></a></div><br /><p></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Em
1932, no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Congresso Internacional de
Psicanálise</i> em Wiesbaden, na Alemanha, por ocasião do septuagésimo quinto
aniversário de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Freud</i>, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Sándor Ferenczi</i> levou a púlpito um
assunto espinhoso, do qual a sociedade jamais gostara de falar a respeito,
sequer de mencionar: o abuso sexual infantil cometido por familiares adultos. O
trauma (fator externo) como causa de transtornos mentais, que fora deixado em segundo
plano por <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Freud</i>, ao abandonar a sua “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">teoria da sedução</i>” (a Psicanálise sofria
severos ataques que se agravariam ao afirmar a existência de uma sexualidade
infantil), retornava assim com todas as letras em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ferenczi</i>, que as publicaria no ensaio “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Confusão de línguas entre o adulto e a criança</i>”: “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Pude, inicialmente, confirmar a hipótese já
anunciada de nunca se insistir o bastante na importância do traumatismo sexual
como fator patógeno. Até crianças de famílias honoráveis e de tradição puritana
são, mais frequentemente do que se ousava pensar, vítimas de violências e
violações. São ou os próprios pais que buscam um substituto para suas
insatisfações, dessa forma patológica, ou pessoas de confiança, membros da
mesma família (tios, tias, avós), preceptores ou o pessoal doméstico que abusam
da ignorância e da inocência das crianças.</i>” <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Com
isso, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ferenczi</i> estava dizendo que a
doença de suas (e seus) pacientes não estava relacionada apenas a fantasias
edipianas, mas a fatos, com toda a sua carga de violência física e/ou psíquica:
“<i style="mso-bidi-font-style: normal;">A objeção que se faz, vendo-se nisto
fantasmas da própria criança, isto é, mentiras histéricas, perde infelizmente
sua força, em consequência do considerável número de pacientes em análise, que
confessa ações desse tipo em crianças.</i>”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">O
livro de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Morgana Kretzmann</i>, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ao pó</i>, traz-nos não só a trajetória de
uma mulher abusada sexualmente na infância, como uma construção primorosa de
personagem. A narradora e protagonista é a jovem atriz Sofia, que foi morar no
Rio de Janeiro para deixar para trás tudo o que representava sua cidade natal,
Tenente Portela, no interior do Rio Grande do Sul. O<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ponto de partida para entender a trama é a
infância da narradora e de sua irmã, Aline. Na primeira cena, uma festa de
aniversário, elas estão com quinze e onze anos. Sabemos da gravidade do que
acontece, pois é preciso que Sofia dê um “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">banho
do esquecimento</i>” em Aline. Mas ao contrário do que pensa o senso comum, a
criança não esquece nada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Com
uma narrativa não-linear, a história vai nos dando, aos poucos, um quadro
panorâmico da família de Sofia. É a família tradicional exposta na sua nudez, a
família que, não raro, usa suas crianças para fins sexuais, em uma relação de
poder, já que a criança é o elo mais fraco e portanto mais fácil de ser
subjugado e confundido. A trama nos coloca em contato não só com o abusador
mais evidente, mas com outros abusadores, homens e mulheres, também com os
silêncios e omissões acerca daquilo que “é melhor não ver”. Mas<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>nada disso acontece sem gravíssimos danos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Adulta,
Sofia foge, mas não pode fugir de si mesma. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Morgana
Kretzmann</i> nos mostra, habilmente, os sinais de permanência do trauma. Sofia
não só é incapaz de proteger a sua própria vontade - sequer reconhecê-la - como
se aproxima de relacionamentos cuja potência em feri-la ou levá-la à repetição
do trauma é enorme. A autora é muito sutil em dar esses sinais quando, por
exemplo, ao narrar a cena em que Sofia<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>conhece o dramaturgo famoso com quem terá uma relação conturbada, a
personagem olha, mas não vê:<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ele acendeu e me devolveu o cigarro quebrado</i>”
ou “... <i style="mso-bidi-font-style: normal;">um homem que me olhava como se
entrasse dentro dos meus olhos e fosse até o centro da minha alma</i>”. Ao se
dizer fugindo de tudo o que é invasivo, é justamente ao encontro do invasivo
que a personagem caminha: “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Já estávamos
saindo juntos há tempo suficiente para eu entender que Carlos não tinha
intenção em assumir uma relação de verdade comigo</i>” Ainda assim, diante
dessa conclusão, ela insiste: “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Não me
contive, acabei ligando</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Conscientemente,
não há o que Sofia não saiba a respeito dos homens com quem se relaciona, que o
que podem lhe oferecer é uma “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">caixa de
sonhos</i>”, com pesadelos dentro. O livro, inclusive, é permeado de momentos
oníricos que se entrelaçam com a linguagem realista tão condizente com o tema.
A narradora é uma mulher despedaçada, com autoestima baixa, apresentando
descrédito sobre si, culpabilização e um mau encaminhamento de suas pulsões
sádico-masoquistas: “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Aperto a corrente um
pouco. Ela geme mais</i>.” Há perdão para quem pensa em se salvar, deixando a irmã
sob o poder de um abusador? Porém, mais profundo ainda é pensar que para a
criança, aquele que abusa pode ser também aquele que a ama e, deixando de
abusar dela e passando a abusar de outra, joga também as vítimas em um conflito
fraterno.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Em
pleno adoecimento, bebendo para anestesiar o que não cessa de falar (o
silêncio) e deixando o protagonismo da própria vida ser vivido por outro - no
caso homens simulacros do abusador - Sofia entra numa espiral de depressão: “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Parecia que eu estava em segundo plano, mas
não era verdade, já que não havia nenhum plano para mim . Não via nenhum
interesse em mim. Não havia nada de interessante numa pessoa como eu. Eu, uma
personagem fraca, sem quereres, sem ambição, sem raiva, sem paixão, sem
coragem.</i>” É um eterno retorno do trauma que vai se agravando em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ao pó</i>, até o ponto em que a personagem
resolve romper sua relação de culpa e vergonha com o passado e encarar seus
algozes. É justamente no momento perigoso em que Sofia tem o abusador já
introjetado em si e, portanto, destruindo-se para matar o abusador, que um
grande amor revela-se como clareira. Um amor chamado amizade, amor
desinteressado, que não requer a protagonista sexualmente e será o seu apoio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Ao pó</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"> é um livro
importante, que nos propicia estar “colados” ao drama de sua protagonista e -
por extensão - ao drama das crianças abusadas. Voltando a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ferenczi</i>, ele nos fala que diante do abuso sexual a primeira coisa
que a criança faria seria a recusa, um “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">não
quero, isso me machuca</i>”. Todavia, essa reação é inibida por um medo
intenso. A força de um adulto é esmagadora para uma criança, ela ainda não tem
meios para reagir de igual para igual. Assim, se submetem à força do agressor.
“<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Mas este medo, quando atinge seu ponto
culminante, obriga-as automaticamente a se submeter à vontade do agressor, a
adivinhar o menor dos seus desejos, a obedecer esquecendo-se completamente de
si, e a se identificar completamente com o agressor (...) Ela ao mesmo tempo é
inocente e culpada, e sua confiança no testemunho de seus próprios sentidos
está quebrada</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Morgana Kretzmann</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">
conseguiu traduzir essa complexidade em um romance cuja linguagem é fluida,
arte democrática (no sentido de que ela não escreve apenas para escritores),
direta e capaz de emocionar. De um tema tão necessário ao debate público não se
poderia desejar outra coisa. Leiam esse livro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">***
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Ao
pó<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Morgana
Kretzmann<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Patuá<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">2020<o:p></o:p></span></p><br /><p></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-21252934334056236482022-03-30T07:07:00.003-07:002022-03-30T12:42:13.606-07:00MÁQUINA, DE ELEAZAR VENANCIO CARRIAS<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"><br /></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></b></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><b><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqOfNRhfI1R5oSlKm8-wuPpO9tYlhct2fpp6ikOHnhdCXHgfoPm75PK9StucPAl54xlPcOsu1xnrpLGOT9Z17FAJqERFhW5kgfXdpLuoa39QPmqao31syCa2etvYY1iUcWpYAX8jIxC4TVTJMFBujPPcSSDDfa3ttC7yEFUZfkqvpHYV8CaTTZE_4P/s2048/m%C3%A1quina.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2048" data-original-width="1471" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqOfNRhfI1R5oSlKm8-wuPpO9tYlhct2fpp6ikOHnhdCXHgfoPm75PK9StucPAl54xlPcOsu1xnrpLGOT9Z17FAJqERFhW5kgfXdpLuoa39QPmqao31syCa2etvYY1iUcWpYAX8jIxC4TVTJMFBujPPcSSDDfa3ttC7yEFUZfkqvpHYV8CaTTZE_4P/w288-h400/m%C3%A1quina.jpg" width="288" /></a></b></div><b><br /></b><p></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Por Adriane Garcia<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Termino a leitura deste livro e conto o
que dele em mim reverbera. Talvez seja aquilo que em você também coincida – ou
não – já que a leitura da obra de arte é um exercício da autonomia e da
subjetividade única que nos constituem, a cada uma (um) de nós. É nesse sentido
que a obra de arte colabora para a consciência do ser/estar no mundo, da
cidadania, uma vez que no contato de uma pessoa com o conteúdo artístico a
autoria não se impõe autoritária, mas transita entre quem cria e quem cocria. A
minha leitura está inevitavelmente tomada pelo meu mundo que encontra o mundo
do poeta. A leitura aproxima, no mínimo, dois mundos. Não saímos ilesos do
trânsito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Sempre me intrigou a máquina do mundo e
quando descobri que eu fazia parte das engrenagens, que nada escolhi, que
quando nasci tudo já estava pronto sem minha permissão, confesso que foi dos
meus primeiros estarrecimentos. Agora me deparo com <i>Máquina</i>, de <i>Eleazar
Venancio Carrias</i>, que contém uma máquina para ser imaginada, ao mesmo tempo
que descrita como é. Cá estou no paradoxo que me leva a questões ontológicas.
Como um <i>Hamlet</i> existencialista, o poeta indaga: ser ou existir? Ser peça
de uma máquina fatal, peça inominada, ou reivindicar um nome? O desejo
ancestral na encruzilhada, o antes do “<i>mal-estar da civilização</i>”, encontro
de vida e morte com a vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Concordo com as perguntas do poeta,
para algumas tenho mais respostas do que coragem, mas a poesia não está nem aí
para o nosso conforto, a poesia incomoda. Fazer parte da máquina ou boicotar a
máquina? Viver como um protesto: “<i>Não quero construir nada. / Talvez uma
letra de música / da mais vagabunda / para tocar na estrada</i>”. Também quero
aceitar a construção apenas como um construir-me, quero me construir desconstruindo,
mas a máquina deseja apenas que eu repita gestos e modos que não coloquem em
pane seu funcionamento. Enxerga o mundo? O vizinho “<i>que ainda liga o rádio</i>”
questiona, mas não deixa de nos contar as imagens de amor que encontrou na
estrada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Reverbera em mim este assunto que a
literatura tem trazido, rompendo o silêncio no ampliar das vozes: o abuso
sexual infantil, pois é preciso dar nomes às coisas, o nome certo. É preciso
também abandonar a pressa de se rotular. A poesia nos pega pela mão, no meio da
beleza, e nos diz que rótulos podem definir quem mata e quem morre, o opressor
e o oprimido: “<i>Se nosso irmão não se chamasse Caim, / teríamos Abel conosco
esta noite. / O pai nunca se perdoou por ter/ escolhido o nome errado</i>”. É
denúncia e vontade de parar esta máquina, de emperrá-la dizendo do amor e da
liberdade que a enfrentam. Ela mesma – a máquina – sabe que poetas não podem
habitar a República.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Terminei esta leitura pensando na poesia
que observa o mundo, feito as gentes da terra que plantam, olham a lua, conhecem
suas fases, retornam a uma ancestralidade que soube viver em outro tempo, mas
que também questiona. Quero alguma asa para meu pássaro interior, quero os
conselhos de <i>O velho pai</i>, quero estar atenta mesmo não dizendo a palavra
câncer e gozar livre da máquina. E se eu tiver alguma inveja, que seja a mesma de
<i>Eleazar Venancio Carrias</i>. Quero ter inveja da lucidez de <i>Eugênio
Montale</i>, o poeta genovês que planejou seu <i>Diário póstumo</i> para depois
de si. Quero ter inveja de alguém que acreditou na morte e trapaceou com ela.
Por isso, cito os versos de <i>Montale</i>:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">“<i>A cada dia, uma revolução<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">nas estações, nos povos, nas ideias.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Todas as decisões são transferidas sine
die.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Nada mais é estável, a não ser alguma
canção<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">repetida sob todas as bandeiras.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">O que se vai salvar, deste aguaceiro,<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">não se sabe. Talvez depois de tanto
estrago<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">até mesmo a palavra acabará no brejo.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Resta-nos apenas a esperança de que
algum<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">anacoreta destile resinas douradas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">dos troncos emurchecidos do saber</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">”. *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Máquina<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Eleazar Venancio Carrias<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Poesia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Editora Urutau<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">2021<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">* MONTALE, E. Diário Póstumo. Tradução
I. Barroso. Rio de Janeiro: Record, 2000<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 18pt; text-align: justify;">Texto originalmente publicado como
posfácio.</span> </p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-44007542064618716012022-02-03T06:48:00.007-08:002022-02-03T06:48:58.092-08:00Um vídeopoema de Estive no fim do mundo e me lembrei de você<p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><a href="https://www.youtube.com/watch?v=QLp06R8O9SU">https://www.youtube.com/watch?v=QLp06R8O9SU</a><br /></span></b></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">ANTROPOCENO<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Está parecendo que eu odeio
a humanidade<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Desde que vi as morsas
caindo de montanhas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em que nunca deveriam ter
subido<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">As morsas quicando<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Uma, duas, três vezes e
caindo estateladas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">No meio da multidão de
morsas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Na costa da Rússia, eu
que nunca estive lá<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Chorei como quem passava
a amar somente os bichos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">E as plantas que cultivo
no meu apartamento<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Sob um pedacinho de sol<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Que os arquitetos
deixaram por compaixão<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Ou por esquecimento<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Soube então que faltavam
geleiras às morsas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">E que elas agora se
viravam nas pedras<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Amontoadas, que algumas
subiam as montanhas e<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O resultado já disse<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Elas caem e fica
parecendo que eu<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Odeio a humanidade<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Como se eu não soubesse
que gente<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Também é bicho<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Como se eu não entendesse
que é preciso amar<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">A minha própria espécie<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Fica parecendo que eu não
compreendo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Que nós caímos quando a
morsa cai.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;">.</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;">Estive no fim do mundo e me lembrei de você</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;">Adriane Garcia</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;">Poesia</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;">Coleção Biblioteca Madrinha Lua</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;">Ed. Peirópolis</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;">2021</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;">Vídeo de Amanda Ribeiro</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%;"><br /></p><br /><p></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-15418905402517483782022-01-28T05:23:00.001-08:002022-01-28T05:23:04.523-08:00Lança chamas, de Regina Azevedo<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhgDmCLfAXbBEEGN7LHQtqS1Ge1iMKnnu7UohL_get4p_xUNzR9smdw8wMQrmZ76xEOA3S-jOLwFBsPOohvNb8_JDbT1_UpJ0p-Gw1-vsLsCh9Jd6ElsnaTT3CILcwvitTmw_uWIUElZWTeKgGJVRJq41tCj6hbX_bKvloSYyP0zhdFy7EhxjGlNhOX=s2406" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2406" data-original-width="1500" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhgDmCLfAXbBEEGN7LHQtqS1Ge1iMKnnu7UohL_get4p_xUNzR9smdw8wMQrmZ76xEOA3S-jOLwFBsPOohvNb8_JDbT1_UpJ0p-Gw1-vsLsCh9Jd6ElsnaTT3CILcwvitTmw_uWIUElZWTeKgGJVRJq41tCj6hbX_bKvloSYyP0zhdFy7EhxjGlNhOX=w250-h400" width="250" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 18pt;"> </span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Por Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Lança chamas</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">, de <i>Regina Azevedo,</i> começa a nos
chamar pela capa, no bonito projeto gráfico de <i>Gabriela Araujo</i>. É lá na
página 65 que a cor roxa não nos passa desapercebida: “<i>carregar um roxo/ na pele</i>”.
Cor de hematoma, caminhando para o lilás, um espectro que irá da dor para a
alegria, fazendo desta uma arma para resistir. Integrante da coleção <i>Biblioteca
Madrinha Lua</i>, editora <i>Peirópolis</i>, o livro de <i>Regina Azevedo</i> possui
quatro partes: <i>Capim, Mar aberto, Multidão </i>e<i> A poeta</i>. Chama a
atenção a pouca idade da autora – nesta data com 22 anos – e a seriedade com
que trabalha sua poesia desde a adolescência. Neste sentido, faz-se muito
coerente a escolha de um livro de <i>Regina Azevedo</i> para uma coleção cuja
homenageada, a poeta <i>Henriqueta Lisboa</i>, via na poesia não somente um
fazer artístico, mas uma profissão de fé. <i>Regina Azevedo</i> é também uma
militante pela poesia entre jovens de sua cidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Lança chamas</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">, sem o hífen, aproveita-se de mais
sentidos. É tanto o substantivo lança-chamas quanto um imperativo, um convite.
É também uma constatação sobre o sujeito que lança chamas, no caso, a poeta: “<i>porque
não se responde/ um revólver// escrevo como quem lança chamas</i>”. Fogo
implícito, esse objeto poético por excelência, que quase nunca falta nas
reflexões sobre memória – pois é símbolo para o avivar das lembranças e para o
esquecimento – perpassa a poesia de <i>Lança chamas</i> para reviver a
infância, a família, os avós, os tios, o letramento e a alfabetização, para
iluminar o amor – que é chama – e a política, que tantas vezes gostaríamos de
destruir para construir uma outra, que nos permitisse mais que um mundo cinza. <i>Lança
chamas</i> é também o fogo da juventude a que <i>Regina Azevedo</i> nos
convida; convite que só poderia ser feito por um eu poético que se declara
jovem, pois a juventude conserva o motor das rebeliões e a sua indignação é a
nossa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Com versos na maioria das vezes curtos,
livres, usando o mínimo de pontuação e sem as letras maiúsculas, <i>Regina
Azevedo</i> constrói uma poesia limpa e objetiva, sem qualquer intenção de
ornamento, fiel à proposta temática dos poemas. É exatamente por isso que pode
nos surpreender com um verso que parece ter saído, de repente, de uma
associação livre. É justamente por saber dosar as figuras de linguagem, que <i>Regina
Azevedo</i> consegue dar “rasteiras” em quem está lendo. E é bom cair nas
armadilhas que transformam por exemplo “<i>um homem de gravata</i>” em “<i>um
homem de bravata</i>”. É bom ler um livro que faz a dura e necessária crítica sociopolítica,
que denuncia o machismo e os males do patriarcado. E é bom que este mesmo livro
contemple o que é íntimo em nós: a passagem do tempo, a beleza do cotidiano, o
sexo, os nossos desejos e perdas, evocando também a vitalidade, a leveza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">brasil 2018<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">jamais esquecer<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">de beijar a sua boca<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">antes de sair de casa<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">porque isso aqui é brasil, 2018,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">e os cidadãos de bem<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">arma em punho, bandeira aberta<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">nos querem mudos, <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">amordaçados<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">escorraçados do país<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">a arma da família<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">mira no próprio sangue<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">a gente nunca sabe<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">se vai voltar a se ver<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">não dá pra saber<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">quem será o próximo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">moa, marielle,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">eu ou você<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">no brasil de 2018,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">lutar e beijar<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">jamais esquecer<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">festejo ao fogo<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">só por um segundo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">sob teu peito<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">o farfalhar do outono<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">e o que você fazia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">em festejo ao fogo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">a ponta dos dedos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">ao relento<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">traquejo singular da labareda<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">misto de calmaria e lampejo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">numa dança descabelada<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">a língua pronta para o surgimento<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">da manhã<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">o espírito de cavalo colorido<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">no ato de trocar os óculos com você<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">e te olhar de baixo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">o minério que dorme na pele<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">o desafio que doma o segundo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">a ginga que derrete as ondas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">cheiro tônico diante do espelho<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">o rugido e o anúncio<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">do tropeço no ritual:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">um orgasmo estupendo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">anestesia contra as bombas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">de efeito moral<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="mso-spacerun: yes;">
</span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">*** </span></b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><br />
Lança chamas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Regina Azevedo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Poesia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">Ed. Peirópolis<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";">2021<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-69529562366885268522022-01-28T05:19:00.001-08:002022-01-28T05:19:04.175-08:00Jenipará, de Graziela Brum<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgGzhILwIeSkiQerIczghmjjI6s1I5312o8OURzgQVFL1fs5sk3GPtUqY7olgpGUUojR54yseZwX9jFnHmvLKTvogMC_gl680BtqRUc6nxdTkMht4VwnNH-wu6A-jTs-bYK9ZFY8rULj24Co3Hr5I_8SK1bbBgF6SIzgK9FSdon1mJA4zN7U4JohnTK=s949" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="949" data-original-width="700" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgGzhILwIeSkiQerIczghmjjI6s1I5312o8OURzgQVFL1fs5sk3GPtUqY7olgpGUUojR54yseZwX9jFnHmvLKTvogMC_gl680BtqRUc6nxdTkMht4VwnNH-wu6A-jTs-bYK9ZFY8rULj24Co3Hr5I_8SK1bbBgF6SIzgK9FSdon1mJA4zN7U4JohnTK=w295-h400" width="295" /></a></div><br /><p></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Jenipará</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">, romance
de <i>Graziela Brum</i>, traz como cenário a floresta amazônica e conta a
história de fundação de uma cidade fictícia, cujo nome dá título ao livro. Para
o vilarejo, que mais tarde será a cidade de Jenipará, confluem habitantes
expulsos de outras localidades da floresta, seja pelo desmatamento, pelo
confronto direto com posseiros e políticos corruptos, pelas queimadas, pela
implantação da pecuária, que destrói as economias locais, ou pela miséria. Situada
à beira de um rio chamado Jarurema, até chegarmos em Jenipará, acompanharemos
personagens cujas vozes compõem um retrato da dura realidade vivida pelos povos
da floresta, cada vez mais acossados e violentados pelas forças do capital, o
que inclui o assassinato de lideranças e comunidades inteiras.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">De
início, <i>Graziela Brum</i> nos apresenta <i>Joane</i>, a ribeirinha,
empregada doméstica da casa dos <i>Lima</i>, grávida de nove meses em seu
caminho por dentro da mata, a fim de chegar em casa. <i>Joane</i> leva o amor
por <i>Zé Bidela</i> e os ensinamentos de tia <i>Dulcineia</i>, a parteira. Acompanhando
<i>Joane</i>, conhecemos <i>Zé Bidela</i> e a história de sua família no
seringal Baldaceiro, uma história de resistência e de fuga, pois as forças
contrárias à floresta parecem não ter fim. É assim, entre os seringueiros de
produção sustentável e tribos indígenas, entre mulheres que conservam os
saberes da terra e da manutenção de suas comunidades, que a leitura de <i>Jenipará
</i>nos revela também os grandes depósitos de máquinas e motosserras, enquanto
ouvimos a rádio local tocando o carimbó e um passarinho perdido, desorientado
pela fumaça ininterrupta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Jenipará</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> utiliza
várias vozes narrativas, dando dinamismo à leitura. Na fumaça que queima a
floresta, por vezes sentimos uma claustrofobia, sabemos que a floresta não está
queimando somente de forma fictícia. São momentos de morte que a autora salva
com momentos de vida. Instantes em que habilmente nos sintoniza com a rádio <i>Tapajós
81 FM</i> e nos faz ouvir a deliciosa <i>Dona Onete</i> e encontrar poetas
contemporâneas como <i>Katia Marchese, Yara Darin, Rosana Banharoli </i>e<i> Wanda
Monteiro</i>. Com um equilíbrio entre a contundência realista e o lirismo que
abarca mitos, peixes, pedras, árvores, comidas, hábitos, aves, <i>Graziela Brum</i>
nos entrega um romance comovente, ao mesmo tempo em que faz denúncia política. Quando
terminei a leitura, fui pesquisar sobre um dos narradores, o passarinho capitão
do mato. Ouvi emocionada o seu canto cricrió... cricrió... cricrió...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">“<i>Estranho
ver o pai assim. Meu irmão Chico quis chamá-lo para pescar no rio, mas a mãe
não deixou. Mandou ele pegar o prato de boia e comer quieto no canto da
cozinha. Que deixasse o pai em paz. Chico começou a chorar, era muito jovem
ainda, não conseguia entender o que o pai pretendia. Na verdade, nem a mãe, nem
eu sabíamos o que se passava com ele. A gente imaginava que era coisa de
decisão, que ele buscava resposta nos espíritos da mata. Quem sabe o pai
tivesse enlouquecido, era difícil de acreditar. Ele era o líder do povoado,
sabia sempre o que fazer, aconselhava a plantar no roçado, a quebrar as
castanhas nas pedras para não faltar o que comer na temporada de chuvas. Sempre
teve ideia. Quando a noite se aprochegou, o pai voltou para casa. Ainda calado,
tomou um banho, se arrumou e depois sentou ao redor da mesa para o jantar.
Comeu com fartura, enquanto a gente em silêncio esperava uma palavra dele.
Então o pai nos disse:<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">—
“É preciso a guerra, o Padre que perdoe a gente.” <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">***
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Jenipará<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Graziela
Brum<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Ed.
Reformatório<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">2019<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> </span></p>
<p><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 18pt; text-align: justify;"> </span> </p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-74724446565283571262021-12-10T10:27:00.001-08:002021-12-10T10:27:10.066-08:00A ORIGEM DA ÁGUA, DE ANA CRISTINA BRAGA MARTES<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhRQdfuGd8jhDMZ72N2Whv7uzX272WtDZ0jdkablgAO4TsIX7guQJJszeNW8bgktMQKw1jvQTWadUNwrbkXlsCTPI_ULaZCynljl5h79qKKwXTeO_BbqiJJ9rE_XCoz-R200xm127VWM-yVhy39E5JXt--b70uyDLU83GZ3t2zJSRVNx9peAqsFbnEl=s640" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="640" data-original-width="640" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhRQdfuGd8jhDMZ72N2Whv7uzX272WtDZ0jdkablgAO4TsIX7guQJJszeNW8bgktMQKw1jvQTWadUNwrbkXlsCTPI_ULaZCynljl5h79qKKwXTeO_BbqiJJ9rE_XCoz-R200xm127VWM-yVhy39E5JXt--b70uyDLU83GZ3t2zJSRVNx9peAqsFbnEl=w400-h400" width="400" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Por estes
dias, estive envolvida na leitura do romance <i>A origem da água</i>, de <i>Ana
Cristina Braga Martes</i>. Considero que “envolvida” é uma palavra acertada, já
que somente as obrigações diárias faziam com que eu me separasse do livro. Nele,
a autora ficcionaliza a história da escritora <i>Maura Lopes Cançado</i>, em
uma livre adaptação que contou com uma pesquisa não só da vida, como também da
obra de <i>Maura</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O ponto
crucial é a loucura e a grande pergunta é de onde ela vem. <i>Laura</i>, a protagonista
narradora, é desde a infância assombrada pela doença que nem ao menos tem nome.
A mãe já recomendava: “<i>Não precisa espalhar, contar isso, quem precisa
saber, já está sabendo</i>” e <i>Laura</i> convivia com o que era presença
incontida e silêncio: “<i>Era a minha doença, doença que não tinha nome</i>”.
Sem saber o que pronunciar a respeito de si, imersa na tensão do tabu da
palavra “<i>louca</i>”, a menina conviverá com seu transtorno (alucinações,
surtos psicóticos, esquizofrenia) conhecendo dele sua força, suportando seu
mistério. Qual a origem da água, como impedi-la de ser água e agir como tal? O
que poderia conter um rio caudaloso, um tsunami?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Assim
como <i>Maura</i>, a personagem <i>Laura</i> irá se internar voluntariamente em
um hospício, o <i>Hospital Gustavo Riedel</i>, no Engenho de Dentro, Zona Norte
do Rio de Janeiro. Essa experiência que a personagem narra, assim como a narrou
em <i>Hospício é Deus</i> a escritora <i>Maura Lopes Cançado</i>, coloca-nos
dentro da instituição psiquiátrica. Nas instituições de internação psiquiátrica,
longe de haver uma preocupação com a saúde mental dos internos, o que se vê é
ainda mais silenciamento sobre a loucura. O louco é alguém que tem que ser
contido, neutralizado, que deve deixar de sentir, a fim de se tornar menos
pernicioso à “normalidade” ao seu redor. Todos os lugares de internação
coletiva deveriam ser muito bem vigiados pelos organismos de Direitos Humanos,
pois nesses lugares, por suas próprias características, há uma facilidade enorme
em se destituir as pessoas de sua humanidade e praticar, inclusive, tortura. O
hospício é cárcere e, muitas vezes, foi e é lugar de maus-tratos, como reforça
um outro livro, <i>Holocausto brasileiro</i>, da jornalista <i>Daniela Arbex</i>,
que não retrata uma instituição psiquiátrica, mas um campo de concentração.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Ao
contrário do que se pode pensar, não são somente as pessoas com diagnósticos
indiscutíveis de transtornos mentais que são internadas nos hospícios; neles,
todas aquelas e todos aqueles que perturbam a ordem pública, a ordem
matrimonial, a ordem social e política, podem ter igual destino ao dos loucos,
tornando-se, compreensivelmente, um deles. No hospício, os remédios
neutralizantes e a violência de contenção tentam barrar a força da água. Nos
detalhes do prédio, do refeitório, da forma de servir a comida, das roupas, do
tratamento estéril de bons afetos, <i>Laura</i> pode depreender que seu lugar
tanto fora quanto dentro daquela instituição é o lugar-nenhum, o sem-lugar.
Porém, ela não está ali morta, inerte, incapaz de olhar e ver. Por isso escreve
e nos noticia: “<i>Cinza é a cor do hospício</i>”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Com uma
linguagem fluida e, ao mesmo tempo, requintada<i>, Ana Cristina Braga Martes</i>
retrata a loucura para além dos seus clichês, sua personagem nos leva à vida
pulsante de uma mulher que lê, que escreve, que quer romper tabus impostos pelo
machismo, que questiona o mundo e ousa ser sincera, como talvez somente os
“loucos” possam ser, em uma sociedade que, como já nos foi alertado por <i>Freud</i>,
só pode ser hipócrita, em resposta às altas exigências de uma moralidade que
está muito além do que o indivíduo pode dar sem pagar com seu adoecimento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Ao
escolher como base de seu romance a história de <i>Maura</i>, uma mulher que se
sabia escritora, pilotava aviões, foi para a cidade grande e conviveu com artistas,
escritores, jornalistas e intelectuais, tendo sua vida marcada por internações,
<i>Ana Cristina Braga Martes </i>encontra a personagem perfeita para se
inspirar e nos mostrar que uma pessoa com transtornos mentais não pode ser
reduzida apenas ao seu aspecto biológico. As pessoas com transtornos mentais
são seres humanos que, fora das crises, têm consciência de si, sabem onde
estão, sonham, amam, esperam. <i>Laura</i>, como <i>Maura</i>, encontrou na
escrita uma maneira de não silenciar sobre o seu mistério e a sua condição. A
origem da água, a de <i>Laura</i>, talvez esteja na fixação pelo pai como
modelo e objeto. Já a origem de tal fixação não se encontra. O fascínio pelo
abismo e o amor por este homem – procurado em todos os outros homens com os
quais vai se relacionar afetivamente – ditará os caminhos e uma maneira egóica
de se sentir o centro, de fazer apenas o que quer, de não suportar a
contrariedade. Uma represa que estoura. A água escorre sem que <i>Laura </i>consiga
dirigi-la, até que o mundo se torne todo água.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“<i>Ainda
que impedidas de cultivar o solo ácido, tentamos simular indiferença às pedras,
espinhos, pulgas e agulhas, em busca de uma outra natureza. Qual é mesmo o nome
dessa nossa natureza?, ela pergunta. A minha é escrever, dona Rubia, escrever.
Então a minha também é, ela responde.<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Aqui
dentro avisto mulheres loucas que amam sem saber amar. Pior: amam sem poder
tocar. O amor pelo louco é o amor cercado, mudo, inviável. Só resta um caminho
aos loucos que amam: desaprender. Aqui dentro há mulheres que amam, que pintam,
recitam, atuam, fingem e escrevem. <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">É
preciso aprender a escrever e a viver de modo conciso, com parcimônia nas
interpretações. É o que eu digo a elas quando me mostram seus escritos. Parece
que voltei à redação do jornal: evite pontos de interjeição e elimine as
reticências. Falei isso tudo para o doutor A., mas ele não entendeu nada.
Nessas horas, tenho certeza de que minha inteligência é superior à dele</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">.” (p.
70)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">A origem da água<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Ana Cristina Braga Martes<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Confraria do Vento<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">2019<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-89979324783976256382021-12-10T10:22:00.006-08:002021-12-10T10:22:46.485-08:00A FILHA PRIMITIVA, DE VANESSA PASSOS<p> </p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg8e3vmKi5iEEiX1G5mj3GmgyDfAhO1NeEO9FTMMb_hGGMwUNUdVqOVCyyvG8wvqB4HRPS98EP5NgL-YUsabiRoQzl_LaeD4Upj_UpB_-w_BfDJ9ieTq9Gre_7JL5KCAaYmbTUBCPR34HrhAvZJgvwGcZk77zagT7oeR7KIS95i1EQYWgLwHovQws_q=s500" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="500" data-original-width="340" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg8e3vmKi5iEEiX1G5mj3GmgyDfAhO1NeEO9FTMMb_hGGMwUNUdVqOVCyyvG8wvqB4HRPS98EP5NgL-YUsabiRoQzl_LaeD4Upj_UpB_-w_BfDJ9ieTq9Gre_7JL5KCAaYmbTUBCPR34HrhAvZJgvwGcZk77zagT7oeR7KIS95i1EQYWgLwHovQws_q=w273-h400" width="273" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> <br /></o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Na busca
das nossas origens, a ciência, a filosofia, a arte e a religião fizeram
perguntas. No mundo patriarcal, a visão androcêntrica determinou tanto as
perguntas, quanto as respostas. Por que isso não teria acontecido também com a
maternidade? Não a maternidade como fato biológico, mas como fato social. A
construção social do conceito de mãe é crucial para a história do patriarcado.
Na diferenciação biológica, a presunção da diferença social como natureza e a
consequente divisão social do trabalho. O homem deduz, e principalmente deduz o
que deduz porque lhe é vantajoso. Como nos ensina <i>Gerda Lerner</i>, em <i>A
criação do patriarcado (ed. Cultrix)</i>, “<i>Se Deus ou a natureza criaram
diferenças entre os sexos, que, em consequência, determinaram a divisão sexual
do trabalho, ninguém pode ser culpado pela desigualdade sexual e pela dominação
masculina</i>”. No mundo patriarcal, a capacidade reprodutiva das mulheres é
sua principal função. Se uma mulher que não tem filhos é desviante, uma mulher
que, tendo filhos, contesta a maternidade, é uma blasfemadora. A narradora
protagonista de <i>A filha primitiva</i>, de <i>Vanessa Passos</i>, blasfema.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Grávida
aos vinte e dois anos, em uma relação frágil, cujo namorado não assume a
paternidade, a protagonista narra sua experiência com a filha, um bebê que
receberá os danos de uma maternidade indesejada. Ao mesmo tempo, a protagonista
procura saber sobre seu passado, mais precisamente sobre o pai, de quem nem
mesmo sabe o nome. Como matrioscas do abandono paterno, as três mulheres – a filha
e a mãe da narradora, mais a narradora – seguem suas vidas marcadas pela
violência de gênero, pelo registro inexistente de ancestralidade e, por
consequência, pela falta de uma história que complete as lacunas do passado: “<i>Só
pode ser maldição. Outra que vai crescer sem o pai</i>”. É nesse sentido que <i>Vanessa
Passos</i> constrói uma narrativa que, ao mesmo tempo que busca as origens de
uma personagem, estabelece a escrita literária como invenção para o
pertencimento. É a linguagem que vai tentar fazer a compensação pela memória
perdida. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">O desejo
de recuperar a história do seu passado vai muito próximo das últimas
consequências. Desprovida de um “<i>amor materno a priori</i>”, a narradora
está disposta a colocar a vida da “<i>menina</i>” em risco para chantagear a
mãe, para que lhe conte a verdade. <i>Vanessa Passos</i> nos deixa diante
daquelas perguntas sobre inatismo, sobre “<i>características femininas inatas</i>”.
Em uma relação complicada, um trio dependente mutuamente, as três mulheres,
avó, filha, neta, constituem três gerações em busca de algum tipo de reparação.
A mãe da narradora, mulher negra, “<i>adotada</i>” por uma família branca
quando criança para ser empregada doméstica, “<i>quase da família</i>” espera
na filha os estudos que nunca pode cursar. A narradora, filha em busca de um
pai espera que a filha – o bebê – possa ao menos ter um álbum de fotografias. O
bebê espera amor, mas amor é uma herança e um aprendizado, é sempre uma outra pessoa
que, de uma forma ou outra, nos dá ou ensina amor para que repassemos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Comprometida
em sua história de amor, a narradora ama e odeia sua mãe, a qual responsabiliza
pela falta do pai e por abusos sofridos na infância, assim como lhe odeia os
hábitos religiosos e a falibilidade de um deus que não serve para nada. Por
vezes, a leitura nos leva a duvidar de seu desprezo pela filha, parecendo mais
ser uma força que deseja alcançar do que realmente uma força que sente: “<i>Pouca
coisa sobra da gente depois da maternidade</i>”. Há uma luta interna mostrada
nas cenas que envolvem vínculo e amamentação: “<i>Já era tempo de parar de
mamar, mas a menina continuava agarrada ao peito. No fundo eu gostava</i>”. No
turbilhão que é a chegada de um bebê nessa família pobre e sem qualquer amparo
dos homens – que fogem de suas responsabilidades – vemos uma jovem que precisa
continuar estudando, precisa trabalhar e ganhar o pão de cada dia para as três:
“<i>Falta eu sinto mesmo é de não ter de pensar em ganhar dinheiro o tempo todo</i>”.
Um massacre que nos leva a pensar no conceito de “<i>mãe suficientemente boa</i>”
de <i>Winnicott</i>. Quanto a sociedade e o Estado criam obstáculos para que
uma mãe possa ser “<i>suficientemente boa</i>”? Quando os homens de poder
resolvem representar mulheres que devem criar seus filhos sem qualquer amparo
dizem ser a favor da “<i>família</i>”, de que família estão falando? Onde está
o “<i>pai suficientemente bom</i>”? O mundo mudou muito desde o período
Neolítico, a cultura permitiu um afastamento (até mais do que desejável) da
natureza, mas para o homem que abandona o filho – uma verdadeira tradição – ainda
se utiliza a desculpa de que os “<i>homens saíam para caçar</i>”. Não é a
natureza que determina que uma mãe sozinha tenha que dar conta de criar o filho
“<i>quem pariu Mateus que o embale</i>”, é o machismo, que relega à mulher esse
papel (de gênero) fazendo ser muito “<i>natural</i>” que homens simplesmente se
abstenham de qualquer responsabilidade quanto ao filho que também fizeram.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">A filha
primitiva</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> nos leva ao microcosmo de uma mãe na atualidade, cujo dilema fica
muito bem resumido pela escritora espanhola <i>Esther Vivas</i>, no livro <i>Mamá
desobediente, una mirada feminista a la maternidade</i>: “<i>O ideal materno
oscila entre a mãe sacrificada, a serviço da família e das crianças, e a
superwoman capaz de conseguir tudo conciliando trabalho e criação dos filhos</i>.”
Concilia-se e, por vezes, muito mal. <i>Vanessa Passos</i>, corajosamente nos
lembra que não adianta idealizar a maternidade se a maternagem – a <i>função</i>
de ajudar o bebê a vencer o desamparo e se tornar autônomo – não pode existir.
Que a maternidade não está ilesa do contexto socioafetivo, pois os cuidados
físicos com o filho podem existir sem necessariamente ser investidos de desejo.
As mulheres precisam falar sobre a maternidade real, que inclusive pode ser boa,
não a idealizada – desta os homens já falaram, é somente santa – mas sequer há
esse lugar de escuta. A autora nos dá o relato de uma jovem mãe que reflete
sobre o parto como um pesadelo, envolvendo a tão comum violência obstétrica e a
exigência dos padrões de beleza: “<i>pelo menos tu voltou pro teu corpo de
antes</i>”. A grávida que fica, mas não quer ficar, quer fugir: “<i>Esperei
mexer de novo pra dizer a ela que era melhor morrer do que viver nesse mundo</i>.”
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Vanessa
passos</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">, ao escrever <i>A filha primitiva</i>, utiliza uma linguagem
direta, frases curtas, com uma certa dureza que junta tema e forma. É um livro que
nos mostra como é fácil culpar a mãe, culpar mulheres em um mundo feito contra
elas, mas também mostra o esforço para superar a incomunicabilidade. Talvez,
entre a mãe e a filha, um abraço possa servir como a língua universal quando o
idioma – diga-se materno – falha. Diante do envolvimento com bebês, o corpo
libera <i>ocitocina</i> – o hormônio do amor. Pesquisas recentes constataram que
o envolvimento carinhoso e real com a criança estimula a produção desse
hormônio verificado também em pais adotivos, mães adotivas, independente de
sexo, gênero ou a composição do casal – se há casal. Havendo bebês, é preciso
maternidade e paternidade responsáveis. Deveria ser sempre uma “<i>escolha
livre</i>” ser mãe ou não. As mulheres têm mais o que fazer. E Freud errou: anatomia
não é, necessariamente, destino.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">“<i>Já
era tempo de parar de mamar, mas a menina continuava agarrada ao peito. No
fundo eu gostava, porque era o único momento em que eu me sentia mãe de
verdade. A menina sugando de dentro de mim a mãe que eu não era. <o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Pelo
menos tu voltou pro teu corpo de antes, isso é bom. Tem gente que nunca volta.
Parto normal ajuda. <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Se
fecho os olhos, ainda escuto os gritos das mulheres parindo no hospital. Tive
de entrar sozinha, minha mãe ficou na recepção. A enfermeira me disse que o pai
era pra ficar lá fora, procedimento dos hospitais públicos, a proibição de
homens nos espaços juntos das outras grávidas. Respondi que a menina não tinha
pai, com o intuito de comovê-la, mas ela me tratou como uma puta que dava pra
qualquer um, por isso a menina não tinha pai e eu não devia nem saber de quem
era a criança. As enfermeiras não têm pena da gente. Talvez porque nunca tenham
parido na vida ou porque já tenham visto partos demais. <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Abri
os olhos, a menina aninhada no peito, sugando o bico, umas mordidas de vez em
quando, os dentes nascendo, as estrias saltando na pele. <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Tu
vai sentir falta quando ela deixar de mamar? Falta eu sinto mesmo é de não ter
de pensar em ganhar dinheiro o tempo todo, botar comida na mesa e encher o
bucho primeiro pra ter leite pra menina. <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Dizem
que quanto mais a bebê mama mais se produz leite, sabia? <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Minha
mãe se contentava em falar sozinha. Há muito tempo eu já não dava importância
pro que ela dizia. Eu não via a hora de voltar pra Guaiúba, aquela cidadezinha
no meio do mato, pra dar aula de literatura. Podia ter escolhido dar aula em
Fortaleza, mas queria ficar o mais distante das duas, da minha mãe e da menina,
ir pra um lugar onde ninguém me conhecesse e eu pudesse ser aquilo que eu
inventasse, feito personagem de mim mesma, sem criança, escrevendo sempre que
quisesse e sabendo quem era o meu pai</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">A filha primitiva<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Vanessa Passos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">2021<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Edição Amazon Kindle<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-70561877003847529562021-12-10T10:16:00.005-08:002021-12-10T10:16:43.179-08:00A teoria da felicidade, de Kátia Borges<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiqliOUyVtOgmrslri64u7abNsIoz2lxTMQTatIilU_iyTEx_lImkFuMbU4LKBnmt2lT8X2VEhCaEv4_pHpzwTi4CrSyE4O18wD0octrx2MbI6FybouHUXMRF2A2y_nSaNeUUV2gTpVLndbZRqNZ0wTj-XQlXDP6MjwQH8_BvuXA52YZCmXPVVpEYzk=s910" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="910" data-original-width="600" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiqliOUyVtOgmrslri64u7abNsIoz2lxTMQTatIilU_iyTEx_lImkFuMbU4LKBnmt2lT8X2VEhCaEv4_pHpzwTi4CrSyE4O18wD0octrx2MbI6FybouHUXMRF2A2y_nSaNeUUV2gTpVLndbZRqNZ0wTj-XQlXDP6MjwQH8_BvuXA52YZCmXPVVpEYzk=w264-h400" width="264" /></a></div><br /><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: center;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Gênero
muitas vezes subestimado, a crônica bem escrita é capaz de nos alertar, nos
encantar, nos emocionar. É o que acontece no livro <i>A teoria da felicidade</i>,
de <i>Kátia Borges</i>, no qual a jornalista, poeta e prosadora consegue unir características
dos textos dessas três atividades para compor crônicas tomadas de inteligência,
capacidade de comunicação, sensibilidade e beleza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Ao começar
com “<i>A centralidade da poesia e sua poderosa força</i>”, em uma narrativa
que fala do encantamento diante do novo e das possibilidades de aprendizado, <i>Kátia
Borges</i> nos dá as pistas sobre aquilo que vai se constituir a sua teoria da
felicidade. Mais de uma vez, o texto é povoado por avós, tios, primas e primos,
amigas e amigos de infância, destacando questões de memória e ancestralidade na
construção do sujeito. A isso, soma-se um olhar muito peculiar da narradora,
por quase todo o conjunto: é a poesia que faz observar a aerodinâmica das aves,
é o alumbramento diante da magia do mundo e o sentimento de empatia que faz com
que a pessoa não possa prosseguir com a violência do apedrejamento de um
pássaro. A grande recorrência é a da palavra infância, pois é nela que <i>A
teoria da felicidade</i> se apoia. O tesouro para suportar os exames da
realidade, destruidores de tantos sonhos e ilusões, são as fotografias de
memória, tiradas por “<i>Polaroides sentimentais</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">É de se
notar, que a “<i>playlist mnemônica</i>” destacada em “<i>Uma menina vinda de
Marte</i>”, que também poderia se chamar playlist afetiva (pois é desta memória
que a autora nos fala), marca uma série de outras crônicas, mostrando o quanto
o referencial da música compõe <i>A teoria da felicidade</i>, assim como
referenciais do cinema e da literatura, constituintes de uma história pessoal
no seu encontro/desencontro com o mundo. Poderíamos até dizer que <i>Kátia
Borges </i>escreveu um livro de “crônicas de formação”, nas quais uma menina
cresce e se educa, e cujo papel educacional mais importante é demonstrado na
personagem da mãe, aquela que diante do inseto verde ensina para a menina “<i>Sobre
a fragilidade da esperança</i>”, o respeito pela vida. Assume-se assim o inseto
verde e sua simbologia, o cuidado que deve ser ensinado para tratar o mais frágil
– a vida é frágil. Esse aprendizado é formador de caráter. A mãe educa para a
vida. O inseto representa esperança, mas também sorte. O aprendizado ético continua
em “<i>Minha mãe possuía uma coragem que não se acha fácil</i>”. <i>Kátia
Borges</i> nos mostra que a infância, também lugar de crueldade, de forças
destrutivas que ainda estão aprendendo a encontrar caminhos menos perigosos e
fatais para sua realização, pode se encaminhar para o exercício criativo, a generosidade
e o altruísmo, aula que a mãe ministrou de mãos dadas com a filha e com o olhar
atento ao outro. <i>A teoria da felicidade</i> inclui solidariedade. Uma vez li
que o contrário do amor não é o ódio, que o contrário do amor é o medo. A filha
queria a coragem da mãe, porque coragem é um outro nome para amor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">No
conjunto das quarenta e três crônicas, o tempo se apresenta quase em
linearidade, não fosse a insistência da memória em atravessar portais e
dimensões. Olha-se para trás, lá onde a teoria da felicidade deve se ancorar
porque houve um aprendizado, uma capacidade. O pediatra e psicanalista inglês <i>Donald
Woods</i> <i>Winnicott</i> diria que houve a nossa bendita <i>ilusão de
onipotência</i>, quando a fantasia precedeu toda realidade. Nas crônicas de <i>Kátia
Borges</i>, parece sempre haver esse lugar maravilhoso de voltar, cujo encontro
(reencontro) se torna possível nas palavras “<i>veraneio</i>” ou “<i>mãe</i>”,
no que elas evocam, no prazer das férias, da família reunida, da saciedade, do
tempo mítico e do prazer. Depois – já que falamos de tempo – o mundo se coloca
para nossos embates, <i>Kátia Borges</i> escreve sobre a estranheza dos rostos
de ontem, esse fenômeno afetivo de, nas fotografias de antes, não reconhecermos
mais nem a nós nem aos outros, habitantes do presente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Descobrimos
que a <i>Teoria da Felicidade</i> foram conselhos de <i>Albert Einstein</i>
escritos em bilhetes para um camareiro, no lugar de gorjetas. Alcançando a
idade adulta, a narradora – que nos parece única – estará à procura de tal teoria
(e prática), intuindo que a felicidade está nas coisas simples, nos pequenos
gestos do cotidiano, no protesto contra a pressa capitalista: “Em câmera lenta,
venceremos, se é que se há de”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em uma
época na qual os apelos por fórmulas de felicidade abundam, assim como o número
daqueles que publicam livros e fazem posts nas redes sociais garantindo
ensiná-la, um título como <i>A teoria da felicidade</i> pode parecer, bem à
primeira vista, uma promessa. Porém, caso a leitora e o leitor pensem que <i>Kátia
Borges</i> possui essa receita, cairão em engano. Trata-se de literatura, não
de charlatanismo. Há uma confissão humaníssima sobre a falta e a busca, sobre a
transformação que os eventos vão operando em nós – como a morte de nosso tão
amado cão; há um humor sem escândalos e sem excessos e que, por isso mesmo, nos
surpreende com pitadas deliciosas de riso em meio à leitura:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“<i>Sou
afeita a aconselhar os outros, confesso; é quase um esporte. Basta um amigo
abrir a boca e fazer uma queixa, que elaboro em segundos o plano perfeito.
Soluções para espinhela caída, nome no Serasa e amores que não deram certo?
Temos</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Entre
soluções que quase nunca solucionam e ainda ter que lidar com o esquecimento –
que é perder conscientemente um tanto do que somos – o jeito é criar um software
de memória chamado livro, registrar alegrias, frustrações, imortalizar os
inimigos, por exemplo. Escrever é admitir as falhas. À medida que o livro se
encaminha para narrativas que privilegiam a idade adulta, os conflitos vão se agravando,
palavras como “<i>depressão</i>” surgem; o meio literário e sua política e
mercado comparecem; da adolescência em diante, a tristeza também pode passar a
ser alimentada: “<i>Afaguei a tristeza por tanto tempo, que ela se apegou a mim</i>”.
Trecho que me remeteu a outro cronista, <i>Paulo Mendes Campos</i>, em <i>Para
Maria da Graça: </i>“<i>Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa
se abandona de tal forma ao sofrimento, com tal complacência, que tem medo de
não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o
enfeitiçado</i>.” <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Kátia
Borges</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"> evoca <i>A arte de perder</i>, de <i>Elisabeth Bishop</i>. Ambas
sabem que “<i>a arte de perder não é nenhum mistério</i>”, talvez porque perder
seja uma de nossas primeiras experiências. Para <i>Freud</i>, “<i>A meta
inicial e imediata do exame de realidade não é, portanto, encontrar na
percepção real um objeto correspondente ao imaginado, mas sim reencontrá-lo,
convencer-se de que ainda existe</i>”. Neste sentido, todo encontro é
reencontro e, por isso, tomado de saudade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">É de
saudade também que <i>Kátia Borges</i> nos fala. Há uma nostalgia em A teoria
da felicidade, o assombro de um tempo em que, parece, fomos felizes. Chama a
atenção também as crônicas de amor aos cães e sobre o amor dos cães. Um
destaque especial para estes seres que nos acompanham como verdadeiros amigos,
“<i>anjos</i>”, diz a autora. São páginas especialmente emocionantes que falam
sobre amizade, entrega, alegria, doença, morte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">A teoria
da felicidade</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"> canta <i>Belchior</i>, “<i>A felicidade é uma
arma quente</i>” (ou <i>Happiness is a warm gun</i>, dos <i>Beatles</i>). Nela
cabe a admiração por outras mulheres, a vontade de crescer como se houvesse ali
uma boa promessa, a diversão, a descoberta da sexualidade. Para descobri-la,
vale consultar oráculos, recorrer ao budismo, às teorias que ensinam a fluir
sem tanta resistência. A busca incessante por não buscar, com todo o seu
paradoxo; desejar não desejar, ter a ambição máxima que é a ambição mínima, encontrar
a origem. No princípio era o verbo? <i>Kátia</i> <i>Borges</i> parece nos dizer
que no princípio era o silêncio. Por fim, escrever e principalmente publicar na
contramão deste desejo de paz, já que é a exibição que rege o que se chama de
sucesso: “<i>Desde que entrou nesse labirinto, algumas vezes lhe faltam pernas
para ir adiante</i>”. Ser escritora é praticar uma atividade de luta, de
condições desiguais entre pares nem tão pares assim, é ter um encontro com a “<i>escritora
amarga</i>” e sair correndo de lá para não se tornar mais uma. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“<i>Não
me peçam nada de importante, pois sou apenas uma poeta de província. Meu maior
elogio foi o beijo que uma moça me deu no rosto. “É por sua poesia”, ela disse</i>”.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Pois vai,
<i>Kátia</i>, junto com esta leitura que registro do seu livro, de crônicas
habitadas por lirismo, força e delicadeza, o meu beijo: é por sua poesia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“<i>Viveremos
dessa felicidade doce que nossos pais ensinam nos veraneios desde a infância,
quando até os tios mais sisudos mostram as pernas, molham os pés, bebericam e
perdem a compostura. É preciso parar um pouco, de vez em quando, feito o Sol no
céu no dia mais longo do ano. Como no belo poema de Maiakovski, que virou pop
pela mão dos Irmãos Campos, é imperativo criar versos luminosos em um mundo
escuro</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">(Excerto
da crônica O dia mais longo do ano, p. 111/112)<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">A teoria
da felicidade<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Kátia
Borges<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Crônica<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">2020<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Ed. Patuá<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-45285449236984629472021-10-19T06:07:00.004-07:002021-10-19T06:08:16.940-07:00Nem sinal de asas, de Marcela Dantés<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj5n7aPR0Cse-ACY-BOpXhr1d7aNHf4vQiyQrmu_cK6lJS4HrY-dJ5gSsBFyWl14hNOZyeRAYztelBSc-DfeMsmBaFi1YLiFdjuowjWKDyD95bHD0BB0FFAIsE_4NkMnHVfjDPo1qYAjjQ7eoj3Dx1sSTn8Jl1Lb2ru5yzf-tgxm1WnPA8Gko5i9K0y=s1000" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="818" data-original-width="1000" height="328" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj5n7aPR0Cse-ACY-BOpXhr1d7aNHf4vQiyQrmu_cK6lJS4HrY-dJ5gSsBFyWl14hNOZyeRAYztelBSc-DfeMsmBaFi1YLiFdjuowjWKDyD95bHD0BB0FFAIsE_4NkMnHVfjDPo1qYAjjQ7eoj3Dx1sSTn8Jl1Lb2ru5yzf-tgxm1WnPA8Gko5i9K0y=w400-h328" width="400" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 18pt; text-align: right;">Por
Adriane Garcia</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Sob olhares
religiosos ou científicos, suspeitos ou não, a história da humanidade registra
alguns casos de corpos que não se decompuseram. Por vezes, esse fenômeno foi
considerado místico, dando origem à crença dos santos incorruptos. Durante
muito tempo, a Igreja Católica defendeu a tese de que somente os puros de
coração, os santos e as santas, os de fé inabalável podiam não sofrer a
degradação da matéria que atinge os pobres mortais pecadores, a mais comezinha
das situações; motivo pelo qual, inclusive, muitos candidatos ao reconhecimento
de sua santidade foram exumados, a fim de saber se o corpo se conservou incorrupto,
ou parte dele, apresentando-se como sinal inequívoco para a beatificação e
canonização. Nem sempre se consegue explicar o motivo pelo qual esses corpos se
apresentam mumificados, petrificados, mantendo seus traços e forma. Há casos de
santos católicos cuja incorruptibilidade foi considerada milagre, mas estudos
revelaram o processo artificial de mumificação pelos devotos. Porém, existe mesmo
o fenômeno da mumificação natural. O paleopatologista <i>Gino Fornaciari</i>,
da Universidade de Pisa, esclarece que “<i>a mumificação natural acontece em
lugares muito secos, onde o corpo desidrata rapidamente e a falta de água
impede a ação das enzimas e das bactérias responsáveis pela putrefação</i>”. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">O romance
<i>Nem sinal de asas</i>, de <i>Marcela Dantés</i> apresenta-nos um corpo
incorrupto, o de <i>Anja Santiago</i>, encontrado cinco anos após sua morte,
dentro do apartamento. É a partir do leilão do imóvel, de herança vacante, que já
desconfiamos que essa mulher tão anônima não tem ninguém e, assim, ninguém deu por
sua falta. Ela foi encontrada por motivos econômicos: seu dinheiro no banco
cessou e o débito automático das contas não se fez mais possível. Somente
quando os credores deram falta do dinheiro de <i>Anja</i>, ela foi procurada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Anja</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">, como todas
as vítimas de nomes que só agradam seus pais, mas que servem de motivo de bullying
certeiro e adivinhado na escola, odeia o próprio nome e, por isso, só se
apresenta como <i>Ângela</i>. Não obstante, o nome escolhido faz-se perfeito no
romance de <i>Dantés</i>, evocando um território religioso, celestial, a
santidade de <i>Anja</i>: uma santidade sem fé, uma santidade que escolhe
cuidar do outro sem se envolver, para melhor lhe preservar a vida. Uma
santidade baseada na impotência, a de fazer o menor mal possível.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">O
martírio de <i>Anja</i> começa logo no seu nascimento, quando <i>Dulce</i>, a
mãe, branca e racista – casada com <i>Francisco</i>, um homem negro – quer uma
filha branca e se vê frustrada em seu desejo, partindo para uma terrível
“solução”. É interessante que, aqui, <i>Marcela Dantés</i> poderia ter
enveredado pelo ódio dos racistas e “chapado” essa personagem, o que não
acontece. <i>Dulce</i> é mulher de carne e osso, erro e acerto, solidão e luta,
medo, amor e culpa, exercendo não uma maternidade idealizada, mas uma
maternidade real, dessas que tem dificuldade de amamentar, e não a dos encartes
publicitários. Perdendo o pai aos quatro anos, <i>Anja</i> perde também aquele
que era o equilíbrio da família e terá que aprender a viver a solidão, na
máxima ensinada por sua mãe, a de que tudo a que a gente se apega, morre.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Alfabetizada
pela mãe, com uma inteligência além da média, <i>Anja</i> se destaca na escola
e se torna, a despeito das profissões “importantes” escolhidas por <i>Dulce</i>,
enfermeira. Dois traumas principais darão direção aos caminhos dessa
personagem: a morte do pai e sua relação de perda com os objetos de amor, e a
dor de queimadura causada em sua pele quando ainda era bebê. Todas as suas
escolhas serão de modo a evitar a repetição desses dois sofrimentos, nem sempre
com sucesso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Nem sinal
de asas</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"> é narrado por duas vozes, uma anônima, em terceira pessoa, e
outra em primeira, a voz do porteiro <i>Ramiro</i>, homem limitado, machista,
capaz de abusos e muita sinceridade. Na narração em terceira pessoa, <i>Marcela
Dantés</i> utiliza de forma recorrente os parênteses. Neles, a voz narradora,
diz e desdiz, afirma e duvida, sublinha, acrescenta, desmente, sussurra, humoriza,
aproximando-se de quem está lendo: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“Enquanto
vivo, Francisco não soube.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">(Depois
de morto, também não.)” p. 51<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“No
escuro e sem conhecimento e sem ferramentas e sem diploma técnico de elevador
(existe diploma de técnico de elevador?)...” p. 109<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“Eulálio
fingiu (ou acreditou) que estava tudo bem por uma semana...” p. 119<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">O
principal cenário do romance é o Edifício Hotel Lucas, prédio decadente, de
passado glorioso, em cujo apartamento <i>Anja</i> será encontrada. A descrição
e ambientação de parte da história nesse lugar é feita com tamanha eficiência
que tem a força de fixar o edifício imageticamente quase que como um
personagem, silencioso, presente, crucial. Cenário de vida e de morte, nele <i>Anja</i>
não resistirá ao amor de proximidade, de envolvimento e esconderá um gato, o <i>Rinoceronte</i>.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Com uma
protagonista forte e inesquecível, <i>Nem sinal de asas</i> mostra, de forma
emocionante, a história de uma mulher cujo milagre foi viver até onde lhe foi
possível, presa nos traumas de infância, exercendo a coerência das suas
virtudes na convivência com seus defeitos, no recolhimento que respeitava suas
limitações. Mesmo não sendo evidente, é possível que houvesse uma insistência
de <i>Anja</i> pela vida, na medida em que, ao optar pelo suicídio lento – o
cigarro – ela ainda podia esperar (desejar) algo, nem que fosse a dor. Infelizmente,
a lição de <i>Dulce</i>, a de que tudo que amamos morre, se inseriu
tragicamente quando em nada mentiu. Tudo que amamos morre, não porque amamos,
mas porque tudo morre. Assim, o erro de <i>Dulce</i> não foi detectar o fato
real, mas interpretar nele o amor como causa. O que <i>Dulce</i> não considerou
é que o amor pode adiar a morte. <i>Anja</i> não queria morrer antes da mãe,
queria cuidar da mãe. <i>Anja</i> não queria morrer antes do seu gato <i>Rinoceronte</i>
porque o amava. <i>Anja</i> adiava a própria morte por amor. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">No
apartamento praticamente vazio, cujo corpo mumificado dava um ar tenebroso, os
mais atentos puderam ver que as plantas ainda estavam vivas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“<i>Anja
pensava que talvez Dulce se orgulhasse de seu corpo cada dia mais magro, as
pontas dos ossos querendo rasgar a pele pra respirar melhor. Anja era
enfermeira, mas sempre achou que os cabelos cancerosos só caíam por causa do
tratamento invasivo e violento, mas não. A cada banho ela entupia o ralo com os
crespos que a mãe odiava e custava a se abaixar pra recolhê-los, porque a
cabeça parecia muito mais pesada do que o corpo podia suportar. Uma cabeça
humana pesa aproximadamente seis quilos e traz trinta e dois dentes, mas a de Anja
devia estar pesando muito mais do que aquilo, ainda que trouxesse apenas vinte
e sete dentes brancos (amarelos) e cobertos por uma camada quase invisível de
saliva ressecada.<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">No dia
trinta e um de dezembro de dois mil e onze, sete meses e oito dias depois da
sua primeira consulta, Anja estava deitada no sofá, a febre aumentando e os
remédios ignorando que aquilo lhe doía muito, demais. Não estourou um champanhe
quando virou dois mil e doze, mas acendeu um cigarro</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">.”<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>(p. 162/163) <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Nem sinal
de asas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Marcela
Dantés<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Ed. Patuá<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">2020<o:p></o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-30609970334391223992021-09-13T04:51:00.002-07:002021-09-13T04:51:11.903-07:00Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos, de Leonardo Valente<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuCoB_R4Tv4uae9gZR2UvoyVo20hDVXOCydkWsV6oAfmxXxj1q_YgACp7jQQ_YXNPK9FbZVa6rMsT71lri1sW4rDaGp1hb9jWvMqfjdECaCjIM9MEQkHoc7J8UgHIPYnwC6XWDpzD6RRU/s1100/crio.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1100" data-original-width="733" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuCoB_R4Tv4uae9gZR2UvoyVo20hDVXOCydkWsV6oAfmxXxj1q_YgACp7jQQ_YXNPK9FbZVa6rMsT71lri1sW4rDaGp1hb9jWvMqfjdECaCjIM9MEQkHoc7J8UgHIPYnwC6XWDpzD6RRU/w266-h400/crio.png" width="266" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Livro
interessantíssimo, <i>Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos</i>,
d<i>e Leonardo Valente</i>, é um romance escrito em primeira pessoa, cuja
personagem “<i>D.</i>” nos leva ao seu mundo por meio de uma experimentação de
escrita. Já nas primeiras páginas <i>D.</i> nos alerta para o fato de que
possui a “<i>síndrome da imunodeficiência afetiva</i>”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">De <i>D</i>.
não sabemos se é homem, se é mulher, se é cis, trans, se é hétero ou
homossexual, não temos qualquer definição nesse sentido. Também não sabemos com
o que trabalha, ou seja, não é uma pessoa definida pelo que faz dentro da
cadeia produtiva. Sabemos que é uma pessoa, é o que importa, e essa é uma das
características mais marcantes nesse romance, dar-nos a perceber que as
situações vividas, as emoções narradas poderiam se passar com qualquer ser
humano, sem precisar que seja definido um grupo sexual, um gênero ou uma
profissão. E mais, como o texto nos convence, seja qual for a maior
identificação de gênero que façamos da personagem, o autor acaba por mostrar, de
modo eficiente, que a verossimilhança com relação a uma personagem não precisa
depender necessariamente de qualquer afiliação, característica ou orientação da
autoria. Nesse sentido, <i>Criogenia de D</i>. <i>ou manifesto pelos prazeres
perdidos</i> é também um livro que se destaca nos debates sobre lugar de fala e
criação. Ao jogar com os artigos e pronomes masculinos e femininos e com as
desinências de gênero variadas para uma mesma pessoa, sem que isso atrapalhe a
fluidez da narrativa, <i>Leonardo Valente</i> adiciona à história um jogo
delicioso para quem lê. A universalidade do que é humano se sobrepõe. “<i>perdão
pela indelicadeza de até o momento não me apresentar. sou D. creio tratar-se de
informação suficiente diante de tudo o que pretendo vomitar e que é
infinitamente mais importante que minha identificação social ou o que exerço no
trabalho</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">D.</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"> expõe seus
problemas quanto nos relacionamentos com seus ex-maridos, o marido atual e seu futuro
marido, assim como confessa a vigilância que exerce sobre eles nas redes
sociais, na demonstração consciente de apego ao passado e ansiedade pelo
futuro, entregando sua agonia por nunca estar no presente: “<i>atropelo a vida
com essas antecipações</i>”. Um detalhe curioso é que todos os seus maridos
possuem o mesmo nome, o que reforça a fixação da personagem por esse outro que
a ocupa. Nas crises dos relacionamentos, <i>D</i>. costuma deixar a eles a
responsabilidade pelo término, pelo fim das próprias histórias, revelando sua
covardia. No fundo, ela/ele está sempre buscando a mesma pessoa em várias, como
um narcisismo que busca a si mesmo; em outros momentos parece tratar-se de uma
fragmentação de personalidade. <i>D.</i> só ama o que perde, desdenha do que
tem, age como uma pessoa superficial, sendo alguém muito profundo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Para dar
conta de sua profundidade e da dificuldade que é viver e se relacionar, <i>D.</i>
escreve. É a escrita seu método de criogenia. <i>D.</i> escreve para congelar o
sofrimento, a ansiedade e o passado. Congelar para interromper a vida, mas um
dia, quem sabe, poder reavivá-la. Assim, toda criogenia é uma morte pela
metade, e é um exercício de esperança. Falando de si, a personagem de <i>Leonardo
Valente</i> também constrói um texto metalinguístico em que discute a própria
ficção. <i>D.</i> mistura suas confissões com o exercício de escrever, a ponto
de, depois de nos convencer de algo, simplesmente dizer na página seguinte: “<i>minto
tanto que às vezes não sei diferenciar a realidade do que inventei. sou um
mentiroso de coisas fúteis e de coisas relevantes</i>”, ou de nos confessar o
oposto do que há pouco nos dissera: “<i>suprimi aqui uma parte inteira que
tanto gostei – meia página – apenas por não acreditar que o que escrevi seja
realmente eu. falsificar-me é vício que quero substituir por outros, pelo menos
aqui</i>”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Quanto
aos prazeres perdidos, <i>D.</i> confessa, por exemplo, fantasias sexuais para,
em seguida, registrar a repressão, a vergonha e a culpa, dando satisfação à
sociedade, que denuncia como falsa. Tudo isso é feito de modo muito
bem-humorado – um humor cítrico – e utilizando a ambiguidade de cenas que podem
bem ser metáforas, como nas suas confissões culinárias em que a cozinha se dá
como lugar de falsificações. <i>D</i>. chega a nos dar uma receita de <i>penne
ao funghi</i> verdadeira que ele nunca experimentou, depois de nos informar
várias vezes de como já falsificou molhos utilizando creme de leite e sopinhas industrializadas.
Cama e mesa se estabelecem como lugar de prazer, onde pode estar a verdade, mas
também a mentira elaborada, verossímil. Comida e literatura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Página a
página, <i>Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos</i> surpreende
com um uso muito consciente do texto como ocupação gráfica na página.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O texto é escrito com minúsculas, na maior
parte do tempo, o que tem um uso justificado na narrativa. O capítulo todo escrito
em maiúsculas deixa claro a intenção de gritar, de ser agressivo. As páginas irregularmente
preenchidas, os espaços em branco, a mancha reduzida na página 82, por sinal
uma página de cor invertida, preta com letras brancas, tudo é intencional: “<i>esta,
por exemplo, sou eu do avesso</i>”. <i>D.</i><span style="mso-spacerun: yes;">
</span>tem ciência de que escreve e sabe que escrever é seu único espaço de
plenitude.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Com a leitora/o leitor nas
mãos, <i>D.</i> nos reafirma uma das lições da literatura, a de que não se deve
confiar em narradores: “<i>Não confiem em nada do que acabo de escrever</i>”, e
ainda completa, “<i>pois minha essência é fraudulenta</i>”. No entanto,
confiamos em <i>D</i>. até a última página.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“cozinhar
é o ato perfeito de transubstanciação, a ciência mais depurada em prol da vida.
já fiz muitos pratos elogiados para os amigos, mas hoje não mais. afastei-me
deles por causa de meus maridos. afastei-me deles por minha causa. converso com
esses não mais tão amigos de vez em quando, curtimos uma ou outra coisa nas
redes sociais, mas nunca mais comemos juntos. e se não comemos reunidos é
porque nossos laços não são mais os mesmos. o afeto vive ao redor das mesas,
tanto que é delas que queremos afastar rapidamente aqueles que não mais convêm
ou que decepcionaram. as mesas revelam mais intimidades do que as camas. um
estranho pode conhecer a textura dos lençóis e a densidade da mola de meu
colchão com apenas minutos de convivência, mas jamais sentará em minha mesa sem
antes tornar-se um alvo de meus afetos, um significante com vários significados
em meus relacionamentos, e isso leva tempo. na noite insone por causa daquele
conhecido que vi na TV, fiz macarrão após adormecer. fervi a água, escolhi um
espaguete bem fino e de massa italiana e o depositei delicadamente na panela. não
ponho um fio de azeite na água, como muitos vangloriam-se de fazer. azeite na
água é pós-verdade de quem acha que entende de cozinha. tenho muitas restrições
ao termo pós-verdade, mas considero a expressão perfeita para a necessidade do
uso do azeite para o bom cozimento do macarrão. acompanhei todo o processo sem
sair de perto da panela. senti por alguns minutos o vapor d’água chegar ao rosto,
até que soberanamente decidi estar pronto, pois sou a senhora do ponto da minha
massa.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">(excerto
da pág. 17/18)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres
perdidos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Leonardo
Valente<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Ed.
Mondrongo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">2021<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-764733083605028092021-09-13T04:43:00.003-07:002021-09-13T04:43:33.998-07:00O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5KfMv82oSqhPrzz_ZwvdMRTSYpPn4SLiGUdiA05H7oNI1T0OpnQJqS-_UKrEa-IHMysF1yAy_vPyzEcRxj0QBzjO-P7iwFEj5sRlBvT1mP2ydqzDkBheLfNu2s2TSG5WDMmGxgb06RIs/s499/on%25C3%25A7a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="499" data-original-width="334" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5KfMv82oSqhPrzz_ZwvdMRTSYpPn4SLiGUdiA05H7oNI1T0OpnQJqS-_UKrEa-IHMysF1yAy_vPyzEcRxj0QBzjO-P7iwFEj5sRlBvT1mP2ydqzDkBheLfNu2s2TSG5WDMmGxgb06RIs/w268-h400/on%25C3%25A7a.jpg" width="268" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Inteligente
e emocionante, “<i>O som do rugido da onça”</i>, romance de <i>Micheliny
Verunschk,</i> compõe (recompõe) uma história para <i>Iñe-e</i> e <i>Juri</i>,
duas crianças indígenas sequestradas/traficadas pelos cientistas <i>Spix</i> e <i>Martius</i>,
na missão científico-cultural realizada pelos naturalistas bávaros entre os
anos de 1818 e 1821. Em uma terrível viagem de navio, que lembra também o
horror dos tumbeiros, algumas crianças, entre elas a menina-onça do povo
Miranha e o menino-peixe do povo Juri, são levadas até Munique para estudos e
exibição na corte de <i>Maximilian Joseph I</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Logo no
início, duas coisas são percebidas: o terror da menina <i>Iñê-e</i>, presa em
um porão de navio com animais empalhados e sem ter com quem partilhar qualquer
palavra – mesmo as outras crianças são de comunidades diferentes e não falam a
mesma língua – e o uso da linguagem que a autora escolhe para poder devolver algo
da história das duas crianças. <i>Micheliny Verunschk </i>nos conduz pelo horror,
pela travessia infernal que contém angústia, precariedade, pavor e morte,
conseguindo que suportemos essa viagem porque acolhe na narrativa o mundo
mágico e lírico da integração à natureza, a poesia do mistério, do afeto, do
encantamento e dos encantados. É com essa linguagem prenhe de simbolismo e
imagens que, por exemplo, percebemos o estranhamento da menina <i>Iñe-e</i> ao
ver o mar pela primeira vez: “<i>Tanta água não, nunca haviam conhecido, um
espírito assustador em sua baba salgada, esturrando, mas onça é que não</i>”. É
por causa da exatidão dessa habilidade da linguagem – que concilia delicadeza e
contundência – que damos conta da fome, da pouca ração para os animais e
crianças que, morrendo uma a uma, mostram <i>Iñe-e</i> morrendo junto, de uma
outra forma, “<i>porque lhe faltava a palavra</i>”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">É da
falta da palavra que <i>O som do rugido da onça</i> vem falar. É sobre retirar
o som, a tradição, o idioma, representado na violência máxima do silenciamento
simbólico que é substituir, apagar o nome daquele que se coloniza. Mostrando a
violência simbólica acompanhada da violência física, o poder de vida e de morte
sobre o outro, a romancista não deixa escapar qualquer detalhe dessa opressão,
e lembra que os reis, mesmo decapitados, mantém seus nomes, mas ao menino <i>Juri,</i>
filho e sucessor natural do líder de sua tribo, o nome foi negado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">A negação
da linguagem vai direto no apagamento da identidade e na reafirmação das
relações de poder, mas a história negada de <i>Iñe-e</i> e <i>Juri</i> precisa
ser contada na língua possível. Assim, a narradora – e aqui escolhemos que ela
é <i>a</i> e não <i>o</i>, assim como os rios poderiam ser as rios, se a
história da nomeação das coisas fosse outra – não esconde seu conflito com a
própria linguagem que precisa emprestar: “<i>Empresta-se para Iñe-e essa voz e
essa língua, e mesmo essas letras, todas muito bem-arrumadas, dispostas umas
atrás das outras, como um colar de formigas pelo chão, porque agora esse é o
único meio disponível. O mais eficiente. E embora ela, essa língua, seja
áspera, perfurante, há alguma liberdade sobre como pode ser utilizada, porque
houve muito custo em apreendê-la.</i>” Ouvindo a sabedoria da floresta, a
autora nos conta que todos os seres têm palavras: “<i>Tem palavras que só as
onças usam e que não é dado a nenhum outro animal dizê-las. Do mesmo modo toda
a diversidade de reinos dos bichos e das plantas</i>.” Enquanto se acompanha a
trágica história do sequestro e da inadaptação das crianças a um mundo que as
violenta e para o qual elas não têm sequer aparelhamento imunológico, também se
reflete sobre a palavra e seus limites, em uma confissão que compreende tanto
boa vontade quanto um sentimento de impotência, pois a narração tentará preencher
as lacunas dando-nos, e dando àquelas crianças, palavras, mas será “<i>tudo
eivado de imperfeição</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Pode-se ler
“<i>O som do rugido da onça</i>” como um romance que conta histórias paralelas,
a história de Josefa, por exemplo, a estudante paraense radicada em São Paulo, em
fuga da própria identidade, indo encontrá-la no rosto de Iñe-e, dois séculos
depois, pois estamos na proximidade do dia 18 de março de 2018, dia do assassinato
de Marielle Franco. Mas essa é uma leitura possível se estivermos na percepção
do tempo linear, tempo da cultura judaico-cristã e não do tempo de inúmeras das
chamadas sociedades tradicionais, cuja constituição é circular. A forma que a autora
escolhe para narrar pode nos fazer perceber uma história única, em consonância
com o movimento de fluxo contínuo entre as personagens, em que a narração vai e
volta, dando a própria ideia da circularidade do tempo. No círculo qualquer
lugar pode ser o começo e o passado, o presente e o futuro estão juntos. Os
antepassados ensinam os viventes. Iñe-e também é Josefa. Tudo compondo uma
história só; o fato que não é curado tornando-se uma repetição. “<i>Uaara-Iñe-e
viu que sua vida e sua morte se davam por repetidas nas vidas e nas mortes de
outras crianças, como a Dona da Caça havia dito.</i>” <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Assim, não é estranho que do século XIX se
passe ao documentário sobre o cacique <i>Raoni</i> ou às manchetes de jornais
que registram diversos crimes contra os povos originários. É tema e forma, na
cosmogonia que abriga os bichos desde o princípio dos tempos, as causas e
efeitos, tudo interligado, sob os olhos da “<i>Onça Grande, Tipai uu</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O som do
rugido da onça</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"> mostra a desesperança de <i>Iñe-e</i> em voltar
para sua terra, para os seus familiares, sua mãe, sua avó, seu rio. Fosse
nomeada a doença naquela época, <i>Iñe-e</i> estaria tomada de depressão. Em
uma melancolia profunda, na sua desgraça (que os leitores são instados a saber que
é a desgraça de um país chamado Brasil e cuja história se funda nessa violência),
ela repensa a desgraça dos inimigos que na tribo também eram separados de seus
filhos, de seus pais, de sua gente e vendidos aos brancos. Na sua desgraça de
perder sua própria criança, a rainha <i>Karoline Friederike Wilhelmine von
Baden</i> repensa a desgraça das crianças indígenas sob sua custódia e sente culpa
na sua consciência acusatória. <i>Micheliny Verunschk</i> situa a rainha na sua
condição de mulher, fazendo com que esse seja também um tema que acompanha a
obra. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O som do
rugido da onça</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"> denuncia as forjas da história hegemônica, as
palavras que podem ser domadas muito facilmente com o objetivo de trair, de
falsificar uma biografia nobre, ocultando ou maquiando todos os atos vis. É
isso que faz <i>Martius </i>e é contra isso que, declaradamente, <i>Verunschk</i>
escreve. Se <i>Martius</i> se insere no seu próprio discurso e no discurso
histórico como o salvador daquelas crianças, o herói que as libertou de um
cativeiro, aquele que as tirou do breu da barbárie para a luz da civilização, a
autora o coloca no lugar que ele se esforça por esconder: o de um sequestrador
de crianças.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Talvez uma das mais duras
constatações desse romance embebido de poesia seja a de que com toda a reparação
do mundo algo jamais poderá ser devolvido. Ainda que <i>Spix </i>simbolize o
homem “menos pior”, aquele que não deseja o efeito da ação, o homem branco é um
devedor irremediável.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">A escritora
<i>Márcia Wayna Kambeba</i>, do povo Omágua/Kambeba, em seu <i>Saberes da
floresta</i>, fala da importância de se formar um lugar de escuta: “<i>É
preciso silenciar para ouvir as vozes da floresta ecoando em nossa alma,
tornando-nos sensíveis para entender cada movimento, cada cor e o canto dos
pássaros e animais. As vozes das florestas servem de alerta para evitar muitos
desastres, para educar, curar, orientar. É preciso estar com o coração e os
ouvidos atentos para acolher e entender</i>.” A escritora e pesquisadora <i>Julie
Dorrico</i>, descendente dos Macuxis, no prefácio que faz em <i>Saberes da
floresta</i>, defende que o povo branco é que deveria se instruir na educação
dos povos ameríndios. A pesquisadora <i>Maria Luísa Lucas</i>, no artigo <i>Os
Miranha e as fotografias de Albert Frisch</i>, faz a seguinte pergunta: “<i>Ao
conhecermos melhor os meandros das relações entre os povos originários e os
não-indígenas no passado, podemos mesmo nos perguntar: e se essa última e
distante fronteira puder ser não o fim, mas o começo do Brasil?</i>”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O som do
rugido da onça</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"> é um romance que nos faz pensar sobre esse lugar
de escuta, sobre essa educação que nos falta e sobre um futuro que, de forma
circular, fosse não o fim, mas, como na descoberta de Josefa, um começo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O som do
rugido da onça<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Micheliny
Verunshck<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Companhia
das Letras<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">2021<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-46926115554802383562021-07-28T10:20:00.006-07:002021-07-28T10:20:37.319-07:00Sacrifício e outros contos, de Francisco de Morais Mendes<p> </p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 18pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p></o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdD5ZpztT1YFRUqqHksWGwMLRRYCv-pMZyFSeCYeVCqwXUwvfCaG-27poZLR8QeTaBsCZOuX_-oj4GY7uWmR_XmleBRsi60b5tBVTT0xJcQ-KQOhFqPQ4GP4minGlCGMLCkd3AM4EFa9s/s473/3db9995e-7946-4579-b963-930854c861d1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="473" data-original-width="300" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdD5ZpztT1YFRUqqHksWGwMLRRYCv-pMZyFSeCYeVCqwXUwvfCaG-27poZLR8QeTaBsCZOuX_-oj4GY7uWmR_XmleBRsi60b5tBVTT0xJcQ-KQOhFqPQ4GP4minGlCGMLCkd3AM4EFa9s/w254-h400/3db9995e-7946-4579-b963-930854c861d1.jpg" width="254" /></a></div><br /><p></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Exímio
contista, <i>Francisco de Morais Mendes</i> nos traz sua mais nova coletânea, <i>Sacrifício
e outros contos</i>. O livro, disponível também em e-book, foi o vencedor do
prêmio Gato-Bravo, da editora portuguesa de mesmo nome e em breve será lançado
no Brasil pela editora Jaguatirica. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">No seu <i>Decálogo
do perfeito contista</i>, <i>Horácio Quiroga</i> aconselha: “<i>Toma teus
personagens pela mão e leva-os firmemente até o fim, sem ver nada além do
caminho que traçastes para eles. Não te distraias vendo o que a eles não
importa ver</i>.” Nos livros de <i>Francisco de Morais Mendes</i>, desde <i>Escreva,
querida</i> (1996), a regra de ouro de <i>Quiroga</i> é também a sua; nos
contos de <i>Francisco de Morais Mendes</i> as aparas são cuidadosamente
retiradas e os personagens tão concentrados em suas próprias histórias, que nos
concentramos com eles. Não há desvios e tudo tem importância dentro da narrativa.
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">No conto <i>Sacrifício</i>,
que dá nome ao livro, uma situação absolutamente absurda – achar dinheiro nas
ruas a vida toda – ganha verossimilhança na habilidade do autor. A leitura nos
encaminha para a empatia com o protagonista, Marcial. A surrealidade da
história nos comove porque Marcial tem sua humanidade tocada pelo destino, do
qual não consegue fugir. Será crime achar objetos perdidos e não devolver? A
quem acha tanto e não devolve só resta a lavagem de dinheiro? <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A metáfora para o trabalho cria a equivalência
de rebaixar-se, fazer sacrifício, aproximando-o da raiz da palavra “Tripalium”,
tortura. Em <i>Sacrifício</i>, uma situação que causaria inveja a qualquer um
na vida real, ao contrário, faz com que nós a rejeitemos; não queremos a
solidão e o vazio de Marcial, recusamos a sua boa sorte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Em <i>Jogo
de cartas</i>, um mistério. Um homem poderoso contrata um poeta para escrever
cartas para sua esposa. Disso resulta um crime passional; porém à leitora/ao
leitor resta o encargo de suspeitar sobre quem foi que matou e quem foi que
morreu. Um jornalista precisa contar a verdade, mas sabe que tudo pode ser
comprado, inclusive a imprensa. Em <i>Quinta feira, 17, por volta das 18 horas,
com chuva</i>, a leitura nos faz pensar que estamos em um lugar, mas termina,
surpreendentemente, nos situando em outro. <i>Francisco de Morais Mendes</i>
nos coloca na espacialidade – tantas vezes não desejada – que pode ser vencida
pela fuga da imaginação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">No conto <i>A
duração</i>, um rapaz que se encantava com o herbário do avô acaba se tornando
também um botânico. Nesse caminho, o passado faz conservar a ilusão (talvez
realidade) de que tenha feito parte da música de Kantor, um grande compositor. Porém,
o próprio compositor desaparece quando ninguém mais escuta suas composições. O
protagonista liga a existência à memória; fora da memória, a finitude atravessa
tudo. É preciso que um artista reabilite o outro, tempos depois de seu
desaparecimento. Em <i>Gravitação</i>, o personagem está tão imobilizado quanto
nós que o acompanhamos. A tensão é contínua e a confusão mental compõe a
sensação da leitura. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O narrador não sabe
o que se passa consigo. A situação final traz o humor trágico das ocasiões
inusitadas e a complexidade que envolve os coadjuvantes. Em <i>O ato de ler</i>,
uma atriz está diante de uma grande plateia, simplesmente lendo, no gozo de ler.
O conto é uma grande homenagem às leitoras e aos leitores, mostrando o ato de
ler elevado a cena admirável, teatral, momento de fruição absoluta; um ato tão “comum"
– e íntimo – que pode se transformar em algo extraordinário, espetacular.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Teca</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> traz um
ritmo quase melancólico. O homem solitário encontra uma jovem na fila do cinema
e ela insiste em levá-lo ao seu quarto, para que a veja vestida de coelhinha. Sem
forma de manter contato que não seja o acaso, o protagonista vivencia a
precariedade do relacionamento. Não há nem avanço na relação e nem desapego
sobre ela. No conto <i>Autópsia</i>, <i>Francisco de Morais Mendes</i> disseca
um grupo literário que discute sobre autoficção, crítica literária, enquanto
faz piadas entre os seus, de preferência utilizando como alvo aquele ou aquela
que estiver ausente. Ressentimentos, traições, “alfinetadas” e conluios que
podem terminar em “dentes a menos”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Na
finalização do livro há vários contos curtos sob o título <i>Sugestões para
começo, meio e fim</i>, numerados sem sequenciamento crescente, que falam de temas
variados. Inteligentes, por vezes bem-humorados, críticos e emocionantes – como,
por exemplo, o dos tantos cachorros que já morreram na literatura ou o do
restaurador de livros chamado Louzada que “<i>Costuma dizer que os livros
querem voltar a ser árvores. Por isso, as páginas ressecam e ficam quebradiças,
como se tornassem à madeira que um dia foram</i>”. Em muitos momentos, <i>Sacrifício
e outros contos</i> é uma homenagem aos livros, ao ato de ler e às bibliotecas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">“<i>16<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">É
incrível a quantidade de cachorros que morrem nos textos literários. A
literatura é um cemitério de cachorros. São muitas as histórias em que alguém
leva um cachorro para morrer longe de casa. E, por mais que esse alguém pense
ter enganado a todos, resta sempre um menino de olhos vermelhos no portão,
porque sabe que o cachorro não voltará mais</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Sacrifício<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Francisco
de Morais Mendes<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Contos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Ed. Gato
Bravo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">2019<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-28821092009603529792021-07-28T10:15:00.005-07:002021-07-28T10:15:56.417-07:00O Ausente, de Edimilson de Almeida Pereira<p> </p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9nQ4QNWMs4rP5iUNFGoGTI8zgX2xUI6pv4V8cy9u4kXVzXpZkgN3RHZk-Rd5LZ9VLZtAvh7G9ROsXz7xlIHM2AdqgUwogANvkUMKLvI9EPLFxc4LqDVOpk2IFIlomAxFDSbZnWQ2VHVA/s499/414F7JxGsML._SX359_BO1%252C204%252C203%252C200_.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="499" data-original-width="361" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9nQ4QNWMs4rP5iUNFGoGTI8zgX2xUI6pv4V8cy9u4kXVzXpZkgN3RHZk-Rd5LZ9VLZtAvh7G9ROsXz7xlIHM2AdqgUwogANvkUMKLvI9EPLFxc4LqDVOpk2IFIlomAxFDSbZnWQ2VHVA/w290-h400/414F7JxGsML._SX359_BO1%252C204%252C203%252C200_.jpg" width="290" /></a></div><br /><p></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O
Ausente</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">, romance que integra a trilogia <i>Náusea</i>, de <i>Edimilson
de Almeida Pereira</i>, conta a história de Inocêncio, um homem que vive no
meio rural e se torna o rezador e o curandeiro de sua comunidade por
predestinação. Durante os partos, raramente acontece de o bebê nascer envolto
pelo saco amniótico e, em alguns lugares diversos do mapa, desde épocas remotas,
o fato é compreendido como um sinal de proteção especial, resultando em um
símbolo de sorte ou da marca inescapável de curar. Inocêncio é um empelicado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em
Ausente, no curto espaço de tempo entre o final da noite e a madrugada,
Inocêncio reflete sobre sua vida e sobre uma decisão radical que deve ou não
tomar. Entre o destino e as possibilidades que não viveu, entre a obediência e
a desobediência, situa-se o seu mal-estar. Na cama, ao lado de Inocêncio, está
sua companheira Djanira, a professora, aquela que lhe alargou o mundo e lhe
mostrou que nem tudo precisa ser como é. Durante a leitura do romance,
acompanhamos a insônia incômoda de Inocêncio, que não dorme porque está prestes
a escolher. E escolher é também recusar. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">É
interessante notar que o personagem muda de nome durante o romance. Inocêncio é
Inoc e é Esse de Agora – o nome muda porque o ser muda no tempo, seja porque
lhe nomearam, seja porque ele mesmo se renomeia. Os nomes do benzedor revelam a
transitoriedade de si e um sentido de metamorfose que perpassa toda a sua
reflexão: a do devir. Inocêncio dorme um para acordar outro. No seu mundo
marcado pela permanência, Esse de Agora talvez decida retirar-se da sua herança
e se refazer, pois descobre, ao visitar o moribundo e transgressor Zé Vítor, que
é possível transgredir e refazer a própria identidade, fora dos maniqueísmos. Inocêncio
rompeu um pacto e a escuridão da noite se traduz na agonia de uma velhice que
questiona sobre agir por conta própria, sobre fundar na ação uma declaração de liberdade,
mesmo quando pareça tarde demais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Narrado
em primeira pessoa, ainda que em temporalidade condensada, o que Inocêncio
mostra é um tempo largo, profundo, que visita mistérios e arquétipos, um ritmo
que só é possível naqueles que se dão a observar a si mesmos e ao seu entorno.
Esse efeito é conseguido por meio da linguagem que o autor utiliza. <i>Edimilson
de Almeida Pereira</i> constrói narradores (Djanira também narra em determinado
momento) que não nos enganam. Estão mesmo onde dizem estar e passam pela
situação que descrevem. A língua que falam chega até nós porque há um exercício
muito atento de escuta. É o homem e a mulher do campo, cuja sintaxe se aproxima
da poesia. Assim, o autor conta para que o personagem possa contar:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“<i>Nós,
pessoas em carne, osso e alumbramento, vivemos daquilo que nos contam e que nos
arvoramos a recontar. Por isso, esses, aí chegando – um pai, a mãe e o seu filho
deles – em muita carência, mas ajustados no seu transporte, merecem que os
escutemos</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Ausente
é um lugar, é o nome da comunidade, mas pode também ser uma pessoa que se
ausenta da própria vida. Pela linguagem, Inocêncio faz a sua revolução noturna:
rememorar e contar seu auge e ruína, apresentar o antigo e o novo, desestruturar-se
e mostrar seu mundo desestruturado, mas em busca de outra inteireza. Seu
exercício noturno de reflexão aproxima os dois ofícios, o de curador e de
contador de histórias, pois na cura a palavra tem espaço primordial. O ausente Esse
de Agora é presente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">A
fala de Djanira (a Deja, semeadora de livros, filha de um semeador de árvores)
é feita de amor, crítica social, lucidez e resistência. Para ela, estudo é remédio.
Djanira mostra a opressão socioeconômica que se abate sobre os mais vulneráveis,
sem precisar localizá-la em uma cronologia exata, pois injustiça e violência
existem desde que o mundo é mundo; tanto que podemos reconhecê-las
imediatamente, nos dias de hoje, seja no medo das comunidades que vivem
próximas às barragens construídas pela mineração – e que a qualquer momento
podem destruir populações inteiras como se nem crime fosse – seja na ameaça
perene de perder suas terras para fazendeiros que contratam milícias para
abater os legítimos donos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“<i>Aqui
o ar é longo, as plantas crescem com argumentos. Crescem por gentileza, às
vezes penso que deveria ser por ódio contra os senhores abancados em mesas na
cidade, que atiçam o fogo contra nós – rios e matas e cavernas. Mas o Ausente é
uma sorte, ermo apartado fora do mapa</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Inocêncio,
um homem que faz o balanço da sua experiência, busca um novo encaixe para
aquilo que, sozinho, já não faz mais sentido. Sim, ele, um homem religioso, um
homem feito para ser santo, desconfia dos homens santos e dos discursos
religiosos, duvida do deus que lhe contaram e duvida até mesmo da simbologia de
sua marca de empelicado. Se a tradição lhe dita uma essência, a liberdade a
nega e prega uma existência. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Edimilson
de Almeida Pereira</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">, que também é pesquisador de culturas e
religiosidades afro-brasileiras, traz para a narração de <i>O Ausente</i>,
muito da escuta alcançada e registrada no seu livro de estudos antropológicos, <i>Mundo
encaixado</i>, escrito com <i>Núbia Pereira de Magalhães Gomes</i>. A
religiosidade tem papel central nessas comunidades e se entrelaça com todos os
outros temas: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“<i>A
vontade divina consiste numa determinação que delineia o desempenho humano,
evidenciando-lhe a precariedade. A religiosidade popular tem na resignação uma
resposta a essa determinação, mas trata-se de uma resignação que encontra no
sagrado sua justificativa. A força divina, capaz de gerar o universo, dispõe de
sabedoria para também gerenciar aquilo que criou. Desse modo, resignação e fé
se completam, uma vez que à aceitação segue-se a possibilidade da recompensa</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">A
insônia de Inocêncio vem questionar o primeiro e mais crônico aprendizado, até
que contraposto a outros encontros – os da ciência (Djanira), os de uma
filosofia rebelde (Anastácio – um teólogo sem religião), os do exemplo
divergente (Zé Vítor). Corajoso, ele enfrenta as questões da identidade e se coloca
o problema universal respondido de modo muito insatisfatório pelas religiões: o
do livre-arbítrio. <i>O Ausente</i> é um livro bonito, poético e profundo sobre
um auto resgate. E quando se conta uma história, sempre se pode também resgatar
um outro. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">“<i>EcceHomo
fala quando não deveria, penso. Mas dispenso logo essa ideia. Eu mesmo não vim
para tirar algo dele. Vim porque a ferida era minha. Não preciso de Deus, nem
do seo-sem-nome. Careço de um emplastro de alma. Se eu não me quisesse iludir,
iria eu mesmo buscar o assa-peixe. Punha no pilão e macerava com sal e gordura,
para dar liga. Enfiava depois, por minha conta e risco, num saco de pano virgem
e tatuava sobre a minha dor. Enquanto isso, liberava deus para ir no açude,
escolher um caniço e soprar sua música.</i>” (p. 83) <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">O Ausente<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Edimilson de Almeida
Pereira<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Romance<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Editora Relicário <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">2020<span style="mso-spacerun: yes;">
</span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-13036922383368720272021-07-06T13:20:00.006-07:002021-07-06T13:20:40.844-07:00Como usar um pesadelo, de Bruno Ribeiro<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8G9KGlHMpu7vFuEb1QnSbJW4qOOWX0CFg8vnTvuMB7dQ5lTMDQ7SB4SBlPqGOazLk7mFxDFuFMnZl8bZIaacpVdpvzupExfxajw6i1tD1ScsLWZ7JkEKUl8OuHu6Y0NiMElk16CUezPI/s500/51cdTdFI%252BgL.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="500" data-original-width="327" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8G9KGlHMpu7vFuEb1QnSbJW4qOOWX0CFg8vnTvuMB7dQ5lTMDQ7SB4SBlPqGOazLk7mFxDFuFMnZl8bZIaacpVdpvzupExfxajw6i1tD1ScsLWZ7JkEKUl8OuHu6Y0NiMElk16CUezPI/w418-h640/51cdTdFI%252BgL.jpg" width="418" /></a></div><br /><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><br /></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Em seu
precursor <i>A interpretação dos sonhos</i> (1900), <i>Freud</i> nos informa
que o sonho é a realização disfarçada de desejos. Durante o sono, o que fazemos
é desligar nossos sensores (e censores) para os estímulos externos; assim,
afastados do mundo, nossa censura enfraquece. Isso permite que o conteúdo
inconsciente, reprimido, secreto, ultrapasse a barreira e se manifeste. Porém,
alguma censura do consciente ainda age e o conteúdo não permitido se dissimula,
se distorce, se condensa, se figura e se realiza em forma de sonho. O material
dos sonhos é a memória de restos diurnos, da vida na vigília desde a infância.
Como em um caleidoscópio, mas não ao acaso, o sonho é uma narrativa de
combinações as mais variadas, cujo autor é o inconsciente e pode ser articulado
a ponto de ter vários sentidos na interpretação do sonhador. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Para dar
atenção aos sonhos, esse maravilhoso e rico repertório de autoconhecimento, é
preciso dar-se o tempo de dormir, sonhar, lembrar, até mesmo narrar ou escrever
a experiência onírica. Em um mundo apressado, no qual somos parte de uma
engrenagem produtiva que jamais pode parar de trabalhar e, na melhor das
hipóteses, consumir, o sonho passa despercebido. O pesadelo – com todas as
emoções e medos que evoca – acontece sem que se reflita sobre ele. Deixamos de
contar nossos segredos a nós mesmos, de sermos surpreendidos sobre forças que
se ocultam no nosso interior. Em um sistema que promove tudo o que é
superficial, o aprofundar-se em si é algo a ser evitado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">A
coletânea de treze contos de <i>Bruno Ribeiro</i>, intitulada <i>Como usar um
pesadelo</i> coloca o sonho de terror no centro de todas as histórias. Se o
sonho diz do próprio sonhador e não de outra pessoa, ao trazer esses elementos
oníricos para a literatura, <i>Bruno Ribeiro</i> entrega-nos outros sonhos que
não mais os seus, pois agora passam a ser nossos, sendo que cada símbolo ali
tocará de maneira pessoal o leitor. Há também os sinais típicos, simbologias
universais. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Reconhecemos os pesadelos
narrados por <i>Bruno Ribeiro</i> porque seus elementos também nos são comuns,
ainda que cada um os leia à sua maneira, pois o exercício de ler é o exercício
de uma coautoria. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><br /></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Nem
sempre os pesadelos são lembrados na íntegra. O mais comum é que preenchamos as
lacunas ao narrar o sonho, no momento em que nossas censuras conscientes já
estão bem acordadas e que a linguagem de vigília elabora o conteúdo manifesto,
podendo até chegar, em análise, aos conteúdos latentes. Nos contos de <i>Como
usar um pesadelo</i>, a intrusão dos componentes ilógicos, as associações
imprevistas, fragmentadas e compostas de imagens, já estão organizadas em
narrativas que os leitores são capazes de compreender. Não se trata de
literatura surrealista, no sentido formal, com discurso e associação livres.
Trata-se do uso do <i>nonsense</i> típico dos sonhos, onde o caos não se dá na
linguagem, mas no mundo que é observado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">O repertório
onírico de <i>Como usar um pesadelo</i> apresenta-nos personagens e situações inusitados:
um homem que observa uma mosca agonizante próxima ao seu prato com bife e
batata frita. O bicho agoniza e o homem come. Todo o cenário é de brutalidade e
terror. Até mesmo a garçonete tem algo de mosca. Uma caixa misteriosa com algo
que deve ser consumido em quinze dias e que ninguém sabe o que há dentro. Uma
narradora sexualmente atraída pelo dono da caixa tentando que ele ouça seu
pensamento “<i>vem me ver</i>”. Uma tentativa de assassinato que se repete
todas as noites, mas o alvo nunca dobra a esquina, nunca morre, pois jamais
encontra a sonhadora e, assim, ela preserva o desejo intacto. Um pai olha o
filho com espanto, achando-o feio, monstruoso; ao mesmo tempo, aparece um
monstro na cidade, suscitando teorias. O monstro seria humano, restos de
experiência científica? Medo, desconfiança, piedade, ataque; e o perigo de nos
tornarmos aquilo que combatemos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Em alguns
dos contos, os pesadelos se aproximam muito da forma realista dos períodos de vigília
e refletem a solidão, a falta de sentido e a medicalização da vida. Em <i>Três dias
sem as meninas</i> não se pode afirmar que a personagem esteja em um pesadelo ou
em surto psicótico: “<i>Vou sentindo minha cabeça tombar pro lado, a varanda do
nosso apê vai dobrando, inclinando, um furor toma conta dos meus olhos que se
tornam estrábicos. A paisagem cinza da cidade fica horizontal e uma cólera de
dor invade meu pescoço, minha mão treme, tudo fica dobrado, torto, inclinado, até
que o mundo fica escuro e a paisagem de outrora desaparece.</i>” Ao mesmo
tempo, a literatura se beneficia da ambiguidade de tudo que pode funcionar como
metáfora. Em outros contos, o cenário onírico se faz de pura fantasia,
apresentando-nos uma festa em que corpos flutuam no céu amarrados por uma corda,
feito balões, o efeito lembrando muito as pinturas surrealistas de <i>René
Magritte</i>. Um outro momento, tomado de fantasia, é o conto “<i>Passarinho
preto</i>”, no qual um homem possui um ninho no lugar da cabeça, com um
passarinho dentro – um pássaro morto que canta. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Aqui, elementos típicos dos sonhos, como inversão
e transmutação da representação mental acontecem. Chama a atenção a linguagem
utilizada, especialmente poética, lembrando-nos que sonhador e poeta muitas
vezes são sinônimos populares para descrever a mesma pessoa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Como usar
um pesadelo</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> traz críticas sociais, políticas e existenciais implícitas.
Os pesadelos selecionados mostram um mundo assolado pelo desequilíbrio, pelos
transtornos mentais, pelo mau caratismo, pela busca do sucesso propagandeada
pelos coachs, pela terra arrasada em que as ervas-daninhas da autoajuda, essa
nova roupagem do charlatanismo, encontra para se alastrar; o sadomasoquismo das
relações, a violência e a tortura como soluções políticas, findando assim toda
a política. No pesadelo coletivo, não há espaço para a democracia. Em “<i>A voz
do povo</i>” o ex-presidente é preso e a população decidirá sobre sua morte. A
teatralização do inimigo para torná-lo maior e mais abjeto até destruí-lo
mostram os caminhos da violência dos estados de exceção. A estética é a mesma
que a dos pesadelos, a estética do horror, por isso <i>Bruno Ribeiro</i> nos dá
a tortura em detalhes. Não há mais espaço para a subjetividade e por isso não
há que se interpretar os sonhos. O homem e a mulher do horror são aqueles que trabalham,
consomem, obedecem, frequentam igrejas, defendem a família, a pátria, a tortura
contra seus inimigos; odeiam os mais fragilizados e qualquer revolucionário e
não conseguem perceber o próprio pesadelo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Outras
vezes, o sonho revela a angústia de ver um filho afogado ou de perceber, como
se fosse uma peça de dramaturgia encenada, sua família disfuncional e infeliz
em detalhes, marcada pelo poder do patriarcado, que oprime mulheres e crianças,
gerando conflitos de casamento, paternidade mal vivida, sexualidade mal
resolvida, violência doméstica, sonhos e expectativas desfeitos. A recorrência
dos espaços pintados de branco, leva-nos sugestivamente aos lugares em que
estamos à mercê completa dos outros, hospitais, manicômios e prisões. E como
não poderia faltar, <i>Como usar um pesadelo </i>mostra um encontro com o diabo
e o recurso onírico da repetição, do espelhamento e do beco sem saída. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">O
sonhador de <i>Como usar um pesadelo</i> é perdido, sem entendimento,
fragmentado. A palavra que o assombra é “<i>fim</i>”. Se a recorrência de
pesadelos pode gerar medo de dormir, o pesadelo na vigília gera medo de viver. No
fundo, os contos de <i>Bruno Ribeiro</i> não estão falando dos pesadelos que
temos dormindo, mas daqueles que vivemos acordados. É preciso enfrentar a
noite. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Como usar um pesadelo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Bruno Ribeiro<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Contos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Ed. Caos & Letras<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">2020<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-84349933934018155042021-05-26T07:14:00.005-07:002021-05-26T07:22:50.402-07:00Quênia, de Michaela V. Schmaedel<p> </p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 18pt;"> </span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 18pt;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCavkkAcVbCiwjZ_nAEuri5qx05r6m7J2X21qRgDTS5VOgr3hRljAPZYUChg2jrF3jAuJq2QZsRN2uxh8gLkhYYJhl9X1f-tSv5hboB7EHs5maOjQ4z0oGBY-yy7x7oHgRk_EAN6mGjpU/s2048/185327312_10223256627636661_1547483811804850572_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2048" data-original-width="1585" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCavkkAcVbCiwjZ_nAEuri5qx05r6m7J2X21qRgDTS5VOgr3hRljAPZYUChg2jrF3jAuJq2QZsRN2uxh8gLkhYYJhl9X1f-tSv5hboB7EHs5maOjQ4z0oGBY-yy7x7oHgRk_EAN6mGjpU/w496-h640/185327312_10223256627636661_1547483811804850572_n.jpg" width="496" /></a></span></div><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 18pt;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p><br /></o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia <o:p></o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Entre a
dimensão filosófica e a fabulação, a poeta <i>Michaela V. Schmaedel</i> nos
entrega um livro de aprofundamento temático e apuro da linguagem. Se em seu
primeiro livro, <i>Coração cansado</i>, a temática próxima dos processos de
luto privilegiam uma subjetividade mais solitária, neste <i>Quênia – poemas de
viagens</i>, a subjetividade é mais solidária. A poeta sai de si tocada pelo
mundo exterior e entra em si a partir deste mundo para comungar com ele. É a
comunhão com a natureza na sua rusticidade e pureza, sentida como uma epifania,
que ela nos comunica em poemas certeiros, econômicos, que contam com sugestões
e silêncios. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">A viagem
de <i>Michaela V. Schmaedel</i> ao <i>Quênia</i> leva a uma busca das origens.
É do ponto mais alto da África que o eu-lírico declara sentir a queda da
humanidade: “<i>feito pedra/ espreita o mundo// feito homem/sente a queda</i>”.
O eu-lírico caminha para a reflexão sobre a espécie humana desde o seu
continente ancestral, colocando-se não só no lugar do humano, mas
emprestando-se, como nas fábulas, ao bicho, às pedras, aos rios, à vegetação
para ver a si. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">O efeito
da reflexão filosófica (uma ontologia) e a força dos elementos arcaicos das
fábulas potencializam a leitura, tocam em arquétipos, questões existenciais
antigas cuja premência se situa no presente. É de se notar que o livro evoca
nossa natureza comungada com os outros seres quando essa comunhão se mostra
esquecida e o homem não é capaz de ler o bioma em que vive ou acolher vias
sustentáveis para conviver no planeta. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“<i>A
terra escreve<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">a árvore
escreve<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">a
montanha escreve<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">o rio
escreve.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Nós é que
somos<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">limitados
na leitura</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">A poesia se
beneficia da metáfora e a ela nenhum estranhamento causa a fábula; desde os
tempos imemoriais possuímos modelos de histórias em que falamos por meio dos
outros seres. Em nossa memória ancestral sabemos de elefantes, hienas,
montanhas, girafas que nos contam histórias ou que delas fazem parte para nos
simbolizar algo. Em <i>Quênia</i>, esses elementos vêm articular os tempos,
questionar e atualizar o homem e o animal que a memória coletiva deve
preservar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“<i>Há
muitas <o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">linhas do
Equador <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">a dividir
os trópicos. <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Há muitos
<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">modos de
olhar <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">o mesmo
animal</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Ao olhar
a paisagem e os seres que a habitam, o ser humano penetra na sua própria noite,
que é abismo, dor e morte. A condição humana da qual não se pode fugir (mas
tenta-se todo o tempo) alcança a consciência nessa simbiose e isso talvez fosse
benéfico para que o homem desenvolvesse outras relações que não as do predador
no topo da cadeia alimentar:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“<i>À
NOITE<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Procuro <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">ossos <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">carcaças <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">pego <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">eu mesma <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">o que <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">consigo.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Carrego <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">eu mesma <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">a morte.”</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Em <i>Quênia</i>,
a espacialidade, a distância tomada pelo eu-lírico, resultam numa prospecção.
Vê-se de longe e de perto, para frente e para trás, coletivamente e
individualmente. O eu-lírico também fala de suas dores pessoais: “<i>No lugar
da caça/ do bicho quase não vivo/ na savana das presas/ me encontro</i>.” É
neste lugar da perda que ele se identifica. O ser humano olha para si, olha
para os outros seres e se dá conta do que lhe falta, seja o capim mais verde, a
pessoa amada na penumbra ou mesmo um sentimento que o una aos outros. Sua
constante é a luta e a persistente ilusão de que está separado do mundo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“<i>HIENA<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Sorrateira
<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">no passo <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">a passo <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">da caça <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">atrás do <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">coração <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">que lhe
falta</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Michaela
V. Schmaedel</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"> retrata-nos um mundo dessacralizado mostrando-nos
um outro onde ainda era possível um sentido religioso de “<i>relegere</i>”
(reler) ou o “<i>religare</i>” (religar). Para isso nada melhor do que figuras
que nos aproximem dos “<i>mythos</i>” (fábulas). Procura-se Deus, mas nada
indica que possa ser encontrado, exceto na beleza: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“<i>FLAMINGOS<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Procuram<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Deus no<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">silêncio<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">das águas”</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">Diante da
paisagem do Quênia, a poeta está tomada de beleza. Havendo uma moral da
história, elemento fabuloso, podemos dizer que ela consta no primeiro poema do
livro, aviso oracular do qual deveríamos ler todas as linhas e entrelinhas: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">“<i>Ainda
somos o homem<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">ancestral
agachado<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">na savana
do Quênia</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;">.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt;">***<o:p></o:p></span></p>
<span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;"><br clear="all" style="break-before: page; mso-special-character: line-break; page-break-before: always;" />
</span>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt;"><br />
Quênia – poemas de viagens<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt;">Michaela V. Schmaedel<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt;">Editora cas’a<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18pt;">2021<o:p></o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-74075310357204255692021-05-26T07:02:00.006-07:002021-05-26T07:02:33.942-07:00A mulher submersa, de Mar Becker<p> </p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p></o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkdGUqZmUQjkA7jFIP5gUCjeyQ25ssJ3173RhsGXLCqQYBuK1prk0x6gKc2QMlJ4TuoLaBDELnIxmgGLVvjc0sKrwZfqct9r5QoTMi-Cia3q8I1OmPZlG7PR2N90ps6Z5DU-stCXyri9Q/s432/31mp5z3biHL.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="432" data-original-width="296" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkdGUqZmUQjkA7jFIP5gUCjeyQ25ssJ3173RhsGXLCqQYBuK1prk0x6gKc2QMlJ4TuoLaBDELnIxmgGLVvjc0sKrwZfqct9r5QoTMi-Cia3q8I1OmPZlG7PR2N90ps6Z5DU-stCXyri9Q/w438-h640/31mp5z3biHL.jpg" width="438" /></a></div><br /><p></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Uma
poesia atravessada pela fantasia e trazendo tanto da realidade da condição
feminina. É interessante pensar nessas características de <i>A mulher submersa</i>,
de <i>Mar Becker</i>, enquanto lemos suas páginas em linguagem fluida e
deslizante de versos longos, como uma mulher que mergulha em grandes
profundezas. Mas no mergulho, deslizar é um dos aspectos da ação de submergir,
os outros são tensão, pressão, perícia, cuidado. A poeta mantém o tensionamento
e sustém a beleza, utilizando a observação do cotidiano das mulheres, a atenção
detalhada da subjetividade feminina do eu-lírico, transformadas em ricas
figuras de linguagem como metáforas, analogias, comparações, sinestesias, hipérboles
e antonomásias. A paisagem, o clima, os utensílios: fora é dentro e tudo se
confunde e se imiscui na mulher. Se lemos <i>A mulher submersa</i> com o centro
temático nas relações mulher/mulher, homem/mulher, estes quatro versos se
tornam conclusivos: “<i>tu dizes que me amas, eu digo que te amo mais//eu te
amo mais, meu amor// porque tu me amas com amor apenas/mas eu tive que aprender
a te amar com ódio</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">A mulher
submersa</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> pode também ser entendida como uma alegoria, pois não se
trata de uma mulher específica, mas de todas as mulheres, do passado, presente
e futuro: “<i>somos loucas, o meu amor me diz// somos, respondo. loucas daquela
loucura iluminada que sobe por/um corpo quando nele se levanta uma legião</i>”.
Há no livro um grande sentido de irmandade, a mulher submersa é uma comunidade
inteira. A imagem que o título do livro evoca permite levar a muitas
associações e a leitora/o leitor pode até mesmo pensar na Atlântida, a sede da
antiga civilização que supostamente existiu no oceano Atlântico e que há milhares
de anos teria sucumbido a um cataclismo geológico ou à degeneração de seus
costumes, o que teria levado os atlantes à ruína, provocando a ira dos deuses.
Na Idade Média o mito de Atlântida encontrou muitas versões, no Renascimento
foi retratada como a cidade ideal dos sábios. Na era das invasões, conhecidas
como descobrimentos, surgiram teorias que viam os indígenas como descendentes
dos atlantes, ligando assim as Américas ao continente submerso. Podemos nos
lembrar da Atlântida lendo <i>A mulher submersa </i>porque suas páginas evocam
tragédia, naufrágio e uma sobrevivência mágica: “<i>Porque é assim que amo,
lendária e triste</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Mar
Becker</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> trabalha com uma simbologia poderosa ao falar do feminino.
Sua escolha pela água, o elemento primordial, símbolo da emoção, encaixa-se
perfeitamente em um eu-lírico que sugere um recuo para o útero, a fim de voltar
a um tempo sem fardos; não à toa, a morte também é presença constante nessa
poesia. Repleta de ambiguidades, a voz lírica assume as acusações imputadas às
mulheres e se declara bruxa e ser coletivo. A mulher é temível para o homem e
para Deus. Longe de negar, o eu-lírico reforça a bruxaria como poder, o poder
de conhecer as forças telúricas, conhecimento herdado no tempo e repassado
coletivamente, do uso do sobrenatural (aquilo que ainda não entendemos) e da aproximação
com o mundo onírico: “<i>havia noites que eu e minha irmã dormíamos com
nossas/bonecas//antes de apagar a luz, dizíamos seus nomes, abraçando-as/depois
tomávamos alguma distância, para olhá-las//para chamá-las pelo nome e imantar
seus corpinhos de pano/com relâmpagos</i>”. Assim é inserida a menstruação,
fenômeno associado com a paga de sacrifício pelos mortos, para vingá-los. Nesta
simbologia, a liberdade (<i>pássaro</i>) vem à custa de dor “<i>arrancar a
bicadas meus pelos pubianos</i>” para construir um ninho, ou seja, para
construir algo (<i>um lar do lado de fora</i>) a partir do feminino.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Sobre a
fantasia, <i>Carl Gustav Jung</i> afirmou que “<i>Pelo pensamento fantasia se
faz a ligação do pensamento dirigido com as camadas mais antigas do espírito
humano, que há muito se encontram abaixo do limiar do consciente</i>”. É essa a
impressão que temos ao ler <i>A mulher submersa</i>, a de que <i>Mar Becker</i>
está habilmente trabalhando esses conteúdos antigos, arquetípicos, que seus
versos habitados pela contundência do real e pela força da imaginação despertam
velhas imagens, velhas ambiguidades que, em particular, vão dizer de uma
história secreta das mulheres. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Na
história secreta das mulheres que a poeta canta, a mulher pode criar para além
da maternidade. Já nos primeiros versos nos é colocada a infertilidade e a
fertilidade de uma mulher estéril: “<i>eu então sou uma mulher estéril repleta
de estrelas/de constelações</i>”. O fim da linhagem não assusta a mulher
infértil, pois ela não tem mais um compromisso com a geração de homens, mas com
o fio invisível que une todas as mulheres do mundo, de todas as épocas,
conhecedoras de um cativeiro comum. O canto que <i>Mar Becker</i> estabelece
olha o comezinho da vida, por exemplo, calcinhas no varal, para tecer as
reflexões que alcançarão cada mulher em sua casa e em sua intimidade. O
eu-lírico, apesar de declarar seu amor em relações heterossexuais, todo o tempo
olha para o corpo das mulheres, em um exercício que se assemelha ao voyeurismo.
É um jogo de espelhos em que a mulher está enamorada de si mesma. Admite que a
relação com a mãe foi de proteção, medo e desejo, identifica-se com esse amor. Nos
momentos em que a mulher submersa está na companhia de um homem, é a si que ela
descreve em detalhes, não ele; é o corpo da mulher que lhe interessa, quando lhe
escapa uma vontade: “<i>imitando uma moeda em estilo antigo//poderia arrancá-lo
do cordão e depositá-lo como um óbolo na/tua boca entreaberta. é o que os
gregos faziam com seus mortos/ na certeza de que o barqueiro seria pago</i>”. Não
sendo possível matar ou morrer, a mulher submersa se contenta com a pequena
morte do gozo e o cheiro do próprio sexo: “<i>algo do cheiro das minhas
coxas/do meu sexo, de quando estava gozando em tua boca</i>”. Eros e Tanatos se
apresentam muitas vezes na sua oposição /completude: “<i>algo como um sonho que
homens sonham, entre o espelho/e o lodo</i>”, imagem adorada de si e um terreno
pantanoso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">É fácil aceitar
uma mulher por uma ordem social, uma mulher fabricada socialmente, feita para
obedecer, apanhar e calar; porém, que amor resiste à sombra, ao que é
imperfeito, sujo? É imperfeito, sujo, aquilo que rompeu a sua ordem social e
deseja. A mulher submersa é sexualizada e não é mãe. É uma mulher que já perdeu
demais e está em franca disposição: “<i>falta-me em mãos algo de desolador</i>”.
Na fantasia, a mulher submersa se vê animal mitológico, antropomórfico, capaz
de habitar as águas abissais como o fizeram outras escritoras, mulheres tão
submersas quanto o eu-lírico do livro, evocadas por similaridade: <i>Safo,
Virgínia Woolf, Sylvia Plath, Ana Cristina César</i>. Mulheres que visitaram as
profundidades com perigosa regularidade e que exigiram o recolhimento para
poderem ser, poderem sentir a mínima partícula que comunga no mundo “uno”: “<i>a
partícula de sal retida à ponta de um cílio/fazer disso uma cosmogonia</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">A mulher
submersa fala de uma mulher escondida que pode vir à tona a qualquer momento,
uma mulher prestes a se mostrar inteira. Uma Atlântida procurando, ela mesma, a
sua localização concreta. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">por
ficarem muito tempo expostas ao ambiente do lar, as donas/ de casa acabam sendo
tomadas pelo lar. é como numa doença// as cenas domésticas avançam no seu sono
do mesmo modo/ que a febre avança no sangue/ assim as donas de casa preveem o
futuro. dizem que em breve/ a rebelião virá<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">começará
na cozinha/ os talheres permanecerão na gaveta, mas à noite/ a certa hora do
sono teremos pesadelos envolvendo rostos/ deformados// tal como quando os vemos
refletidos/ no aço da colher// bocas tortas; narizes enormes, côncavos,
convexos// o uivo de uma cadela de rua entrará pela fresta da porta/ à soleira/
e até a faca que deixamos na mesa/ qualquer prateamento esquecido assim/ qualquer
lâmina disposta no escuro/ poderá acender-se, renovando em nossas mãos/ toda
uma disposição arcaica para matar<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">(excerto
do poema <i>breve ontologia doméstica</i>, pag. 89/90)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">A mulher submersa<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Mar Becker<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Poesia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Editora Urutau<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">2020<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-11580062773820738512021-05-26T06:57:00.000-07:002021-05-26T06:57:15.264-07:00Mapas para desaparecer, de Nara Vidal <p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjT3D1oGRrrAg2vqiRI3ZAvzSZnwe3aAVTSA54fKmXPZseq69V58kAyC1OtD7WvzxK0MIa4Y_q6Wjr6Gor1lWmC7rxpCW4PxLeWFls4b9Q8abhjbWTOOUaYu32aCKl8bXLmC431DaohGtM/s1127/71kXcSFMjHL.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1127" data-original-width="831" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjT3D1oGRrrAg2vqiRI3ZAvzSZnwe3aAVTSA54fKmXPZseq69V58kAyC1OtD7WvzxK0MIa4Y_q6Wjr6Gor1lWmC7rxpCW4PxLeWFls4b9Q8abhjbWTOOUaYu32aCKl8bXLmC431DaohGtM/w472-h640/71kXcSFMjHL.jpg" width="472" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Nos doze
contos do livro <i>Mapas para desaparecer</i>, todos associados, nos títulos,
com substantivos abstratos que denotam falta, negatividade ou encerramento, <i>Nara
Vidal</i> nos traz uma coletânea primorosa regida pela temática do desejo de desaparecimento,
da evasão ou do escapismo e pelo desaparecimento real das pessoas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em sua
maioria, os contos trazem vozes de mulheres como narradoras, mas há também
vozes masculinas protagonistas nos contos finais. O universo dos
relacionamentos é explorado em diversas situações conflitantes e, muitas vezes,
violentas. A condição da mulher – uma preocupação central nos livros da autora
– aqui também se apresenta realçada. Se o mapa para desaparecer é inscrito
sobretudo no corpo, como fica claro no conto homônimo ao livro, o corpo da
mulher é um lugar privilegiado para demonstrar esse desejo e a sua realização.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O
desparecimento se apresenta de várias maneiras; em <i>Castanheira</i>, a mãe
quer desaparecer porque a filha desapareceu. Aqui, a leitura leva à dor de
todas as mães que perderam seus filhos e nunca mais se libertaram do adeus que
não se concretiza, mas que também não se encerra. A mãe que perde um filho por
desaparecimento não cessa de esperar, a espera é crônica e absoluta. A vida
pausa na espera e é espera até o fim. “<i>Fico aqui até ela voltar ou até eu
morrer</i>.” <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É notável a habilidade de <i>Nara
Vidal</i> em instalar nas narrativas simbolismos de forma muito natural: “<i>Os
peitos amolecidos, flácidos, vazios de vida se esparramam cada um para um lado
do meu torso</i>”. O estado em que se apresentam os seios denotam o
esvaziamento da função maternal, o abandono do corpo, de qualquer vaidade. O
desaparecimento congela a mãe e faz perder a mulher. O remorso por não ter
estado com a filha a ponto de protegê-la do desaparecimento leva ao descuido de
si como uma forma de punição – e expiação – diante da culpa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">No conto <i>A
morte do caixeiro viajante</i>, uma mulher sai do teatro, tendo assistido à
peça de <i>Arthur Miller</i> e se desencaminha do seu trajeto que seria para a
casa, na noite de folga em que seu marido ficou com as crianças. Dali em
diante, sabemos que ela está “<i>à espera de um trem que me leve de volta para
o casulo da decência que é ser mãe, esposa, uma pessoa normal</i>”. Porém,
assim como o personagem <i>Willy</i> da peça de <i>Miller</i>, a mulher vê sua
vida em franca decadência, sua existência familiar moralmente correta,
aplacadora dos desejos é uma grande mentira. Na madrugada em que a maior parte
do conto se passa, a protagonista dá azo ao desejo, mas o encontro com a
realização deste anseio é precário, é fonte de desprazer e acelera a sua queda
vertiginosa, tendo no furo da meia calça a metáfora para a ferida que se abre:
“<i>o declínio do caixeiro viajante</i>”. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O desaparecimento da mulher “normal” que por
instantes levou à consumação de uma liberdade sexual encontrou a violência. O desejo
maculou-se de arrependimento. A personagem queria fugir mas queria ficar,
mostrando a hesitação dos sem-lugar, pois nenhum lugar se afigurou como uma
solução. A ambiguidade é interessantíssima não só por enriquecer a personagem,
mas também por confirmar a analogia que faz de si mesma com o caixeiro viajante.
Não há saída a não ser continuar fingindo que o casamento é ótimo, que os
filhos são tudo o que importa, que a vida está maravilhosa, mesmo quando tudo
rui e a verdade se aproxima. “<i>Pensar no futuro. De hoje em diante, só pensar
no futuro. Fazer almoços e sobremesas, escolher filmes, ir nadar com as
crianças. A vida é isso.</i>” A fala da personagem solitária, que não tem com
quem conversar e tenta elaborar os acontecimentos de sua vida por meio de obras
artísticas vai direto na fala do caixeiro <i>Willy</i> da peça a que se refere:
“<i>Pois é. A gente trabalha a vida inteira para comprar uma casa e, quando a
casa é da gente, não há ninguém para morar nela</i>”, ou ainda, a fala de <i>Linda</i>,
esposa do caixeiro: “<i>Mas meu amor, a vida é assim mesmo. Sempre foi assim. A
vida é uma derrota”’</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em <i>Cipó
mil-homens</i>, cujo substantivo abstrato de ligação ao título é <i>indigência</i>,
um retrato crudelíssimo dos socialmente marginalizados. Nesse conto não só a
continuidade da miséria por gerações, como a continuidade do abuso sexual dos
adultos contra as crianças mostram-se em uma história emocionante e contundente
sobre de que modo a opressão pode se naturalizar e se repetir. A planta
conhecida como cipó mil-homens, cuja flor está ilustrada na capa do livro, aparece
estrategicamente como simbologia, metáfora (espécie de trepadeira, suas flores
são de uma beleza exótica assemelhada a uma vagina, sua ramagem é forte e
inquebrantável, suas folhas são abortivas e antiofídicas) e como solução na
estratégia de sobrevivência das personagens, a mulher e seu filho, acossados
pelo mundo fálico com sua cultura de estupro, filicídio e pedofilia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A personagem <i>Rose</i>, do conto de mesmo
nome, apresenta-se estranhamente livre (pode-se ler também feliz) após a morte
do marido. Dá-se uma nova identidade: <i>Rose</i>. E não se sabe como se
nominava antes, pois a história é narrada por sua vizinha que, de <i>Rose</i>,
só sabe que foi taciturna. A história mostra uma mulher cujo casamento e
maternidade funcionaram como uma espécie de prisão em si e que, após a
independência do filho e, finalmente, a morte do marido, recupera prazeres
simples como andar de bicicleta: “<i>Sem Alfredo, a Rose agora ficou assim,
insensata, descontrolada, ri de gargalhar, perdeu os modos, começou a tocar
piano, coisa que ninguém da rua tinha ouvido antes</i>”. Uma história
emocionante sobre fuga e recuperação (reinvenção) da identidade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em, <i>Luciana
Espírito Santo</i>, lemos a história de uma pobre escritora massacrada pelas
redes sociais. É interessante que o substantivo abstrato ligado a esse conto
seja <i>cancelamento</i>. Em uma narrativa que usa de muito humor, <i>Nara
Vidal</i> retrata o sofrimento daquelas e daqueles que vivem em função do
“comportamento ideal” nas redes para obter sucesso literário. Uma luta
inglória, por vezes insana. <i>Luciana Espírito Santo</i> quer a atenção dos
que não a consideram (editores, escritores badalados, críticos influentes) e dispensa
a atenção de parentes e amigos de sua cidade: “<i>O maior problema dela é a
falta de credibilidade. Ela se sente ignorada exatamente pelas pessoas que mais
respeita. Outro dia, ela postou que operou. Uma apendicite dos diabos. Postou
até uma foto deitada na cama do hospital. As únicas pessoas que comentaram
foram as tias, os parentes do interior. Vários postaram a frase “Maria passa na
frente.” “Deus no comando”</i>. No mercado das curtidas de Facebook ou
Instagram, <i>Luciana</i> definitivamente não sabe se comportar: “<i>No fundo,
o que Luciana realmente queria saber era se as pessoas gostavam do que ela
escrevia, mas isso era um mistério</i>”. A escritora seguirá o caminho de levar
seus anseios por ser famosa às últimas consequências, mostrando que a busca do
amor (a admiração dos outros) pode encontrar um terreno pedregoso e perigoso
nas redes sociais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">No conto <i>O
casamento de Daniel</i>, <i>Nara Vidal</i> mostra personagens envolvidas em um
padrão de agressividade sexual muito difundido pela pornografia. Reinam a
incomunicabilidade e o silêncio como saída para evitar discussões. O casal não
combina no humor; a narradora constata que acha que ela e <i>Daniel</i> não
combinam em nada. A forma com que a autora escreveu esse conto é notável,
funcionando em várias temporalidades: o tempo em que a personagem está na relação
sexual e o tempo em que ela não se lembra exatamente do que aconteceu nessa
transa (da qual o leitor acabou de obter detalhes); depois o salto de mais uma
década e outra. A deterioração do relacionamento é uma sequência nos anos que
se seguem. A dependência financeira dela, a ambiguidade do sentimento amor-ódio,
o sexo como obrigação revelam não pontos de dissolução do casamento (cujo
título revela que é só de um, o casamento é só de <i>Daniel</i>), mas de
castigos mútuos derivados do fracasso de fugir, da troca da tomada de atitude de
se separar pela omissão contida no silenciamento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em <i>Carmem</i>,
<i>Nara Vidal</i> trabalha com o <i>extravio</i>. A vida extraviada dos menos
favorecidos, dos excluídos, daqueles que na ancestralidade já sofreram o
prejuízo de uma história de usurpação para todo o futuro. <i>Carmen</i> vem de
uma família de empregadas domésticas e considera que já melhorou de vida com
relação às suas ancestrais, pois mora a dois quarteirões da casa dos patrões.
Temos então um bairro em que, frente a frente, existem os prédios da classe
média e a favela. Sem saída, pessoas como <i>Carmen</i> não podem nem pegar um
ônibus e voltar ao interior onde se têm parentes, tampouco poder cuidar dos
próprios filhos quando se fica o dia todo à disposição dos filhos dos outros. A
história começa no horário de término do trabalho da empregada doméstica na
casa dos <i>Ortega</i>, quando resolvem lhe fazer uma surpresa, um bolo de
aniversário sabor limão (que ela detesta). <i>Nara Vidal</i> nos mostra o
descaso travestido de consideração, fato tão conhecido da sociedade brasileira,
marcada completamente pelo escravismo, em que a frase “<i>ela é como se fosse
da família</i>” tenta ocultar todo tipo de violência. O conto nos desfia não só
o extravio social, mas o extravio sexual, o desejo voltado contra si, o estupro.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">No conto <i>Não
ficção</i> (engano), quem sai enganado é o próprio leitor – talvez também a
personagem – uma esposa de diplomata que não pode fincar raízes em lugar algum,
tendo morado em Moscou, Lima, Washington, Praga, Angola. De amiga em amiga
(todas provisórias) ela vai contando seus segredos ao mesmo tempo que essa
amizade também passa a sufocá-la. A personagem vai criando identidades, talvez
uma forma de se esquivar da sua própria, aquela que o leitor também não poderá
ter certeza de qual seja; afinal, quem quer desaparecer deseja se esquecer de
quem é.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em <i>Lucien
Roland</i>, <i>Nara Vidal</i> volta ao cenário desenvolvido em <i>Luciana
Espírito Santo</i>, o meio literário e suas agruras, principalmente para a
mulher já que, sendo um meio contido na estrutura maior, não poderia deixar de
trazer os defeitos e características da sociedade como um todo: machista,
patriarcal, abusivo, sexista, racista, elitista. Aqui, a personagem <i>Ana
Cristina</i> tentará alçar seu voo na fama escrevendo a biografia (falsamente
não autorizada) de um escritor famoso, <i>Lucien Roland</i>, autor premiado, professor
em concorridas oficinas criativas e acostumado a seduzir suas alunas em troca de
facilitação de publicações e trânsito literário. Com um humor agudo, traduzido
em ironia, <i>Nara Vidal</i> mostra a falta de profissionalismo do meio
literário e editorial e a falta de preparo intelectual travestida de erudição: “<i>Ainda
assim, quando participava das festas literárias, das entrevistas, dos podcasts,
Lucien sempre surpreendia e na sua erudição espetacular, citava nomes que
pouquíssimas pessoas conheciam. Às vezes, só o entrevistador tinha ouvido
falar, mas não tinha lido</i>”. Assim, como em <i>Luciana Espírito Santo</i> há
um modo de se comportar no meio literário, há regras a cumprir, há deveres a
fazer com relação aos relacionamentos (a escrita de qualidade é importante, mas
pode não ser suficiente). Aqueles que não jogam o jogo podem desaparecer e os
que mandam no tabuleiro trocam apenas de nome, mas não desaparecem nunca.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Associando
a palavra <i>disfarce</i>, no conto <i>O casamento de Letícia</i> (mais uma vez
o casamento é só de um), <i>Nara Vidal</i> nos trará um narrador cuja esposa
veio como salvação, fuga de um grande desejo. A esposa abandonou a carreira de
advogada para se tornar esposa e mãe. O casal tem dois filhos com ideias
políticas muito divergentes e o filho <i>Gustavo</i>, com ideias e comportamento
progressista, é visto como a ovelha negra da família. <i>Lucas</i>, o outro
filho, acompanha o casal, ditas pessoas de bem, nos seus valores excludentes. As
diferenças de <i>Gustavo</i> acentuarão a presença dos fantasmas que frequentam
os segredos do pai.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Em <i>Seguro
de vida</i>, relacionado à palavra <i>morte</i>, mais um casal que posa como família
funcional, escondendo seus sentimentos. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A
mulher, não se sabe se sofre de uma doença física grave ou de transtornos que
levam à hipocondria; o marido, narrador, contrasta seus atos de servir à mulher
com simpatia e odiá-la em pensamento, desejando que esteja mesmo doente e que
morra logo: “<i>A cabeça da Marina estourando era uma pintura. Miolos partidos
e espalhados na mais profunda cor vermelha pelo travesseiro. Mas ela ainda tem
energia para me gritar lá de cima.</i>” Como em todo o livro <i>Mapas para
desaparecer</i>, há uma maestria em contar. Aqui, <i>Nara Vidal</i> nos leva
estrategicamente a pensar em duas soluções possíveis para o fim, conduzindo-nos
a um desfecho surpreendente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O conto <i>Mapas para desaparecer</i> fecha a
coletânea de forma belíssima, usando recursos de prosa poética e fazendo uma
reflexão que poderia ter sido a de todos os personagens dos contos anteriores
sobre o sentido da vida e a inevitabilidade do desaparecimento; sobre o corpo e
o tempo; ou melhor, sobre o corpo como única eternidade possível: “<i>Você
evapora e isso coincide com o seu esquecimento. As pessoas que habitaram seus
mapas já não se lembram das suas feições, do seu cheiro</i>”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Paradoxalmente,
já que um mapa é um objeto cuja função é ajudar a encontrar, <i>Nara Vidal</i>
nos revela sua função de ajudar a perder. Viver não deixará uma história cravada
no tempo, tudo caminha para o desaparecimento. Esse mapa é marcado pelo lugar
derradeiro e não nos deixa outra saída a não ser optarmos por nós mesmos, sem
esconderijos, enquanto fazemos o trajeto que não sabemos até que ponto podemos
mapear, pois nossas linhas dependem também das linhas dos outros, nossa
geografia é atropelada por outros acidentes geográficos que nos avizinham. Nos
contos de <i>Mapas para desaparecer</i> o que está posto é a ruína da entrega à
desistência de si. São poucos os personagens, como <i>Gustavo</i>, por exemplo,
ou <i>Rose</i>, que terão coragem de <i>ser</i> em algum momento, de existir aparecendo,
assumindo-se. No geral, a vida será assolada pela morte, ainda que travestida
por nomes como <i>disfarce, engano, ausência, cancelamento, apagamento,
extravio, anulação, indigência, final, fuga</i>. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">É ainda
de se notar que <i>Nara Vidal</i> escreveu um livro que fala do desaparecimento
em plena época de excesso de aparição. Uma época em que a esperança foi tocada
de forma vertiginosa e encontra-se ferida, pois hoje não é somente um novo modo
de vida, de sistema econômico, de sentido existencial que buscamos, mas novas
formas urgentes de nos relacionarmos com um planeta estafado da raça humana. Se
o que há de mais certo é o nosso desaparecimento – metafórico e real – <i>Nara
Vidal</i>, ao escrever sobre ele, de certa forma, está falando também do
desaparecimento de si e da sua obra. <i>Enrique Vila-Matas</i>, outro autor que
trabalha a temática do desaparecimento, sabe também sobre esse mapa quando nos
diz: “<i>Mas, se é certo que a obra e o escritor, como você disse, tendem a se
perpetuar, também é certo que no fim, através do tempo, a obra viajará
irremediavelmente sozinha na imensidão. E um dia a obra morre, como morrem
todas as coisas, como se extinguirão o Sol e a Terra, o sistema solar e a
galáxia, e a mais recôndita memória dos homens</i>”. Escrever é lutar contra o
desaparecimento. Não para vencê-lo, pois é impossível, mas para adiá-lo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Mapas para desaparecer<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Nara Vidal<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Contos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">Ed. Faria e Silva<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; tab-stops: 70.5pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt;">2020<o:p></o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-31514039567303951952021-04-28T07:08:00.002-07:002021-04-28T07:08:39.177-07:00Invisíveis cotidianos, de Carlos Orfeu<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjENaYZWryTRovldU0TMujHfhVBs2c_l7OrTuJ0JretKJJ0Ity3yPPCsAcaADKn8OmtI2uqG0z0aFlSFmpBhUE-PrH3U2Lcd30JqfpGOMTKnu1p0XWbaI148QGt-x3bFmB-bkmWAuHn0i4/s1317/invisiveis.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1317" data-original-width="1000" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjENaYZWryTRovldU0TMujHfhVBs2c_l7OrTuJ0JretKJJ0Ity3yPPCsAcaADKn8OmtI2uqG0z0aFlSFmpBhUE-PrH3U2Lcd30JqfpGOMTKnu1p0XWbaI148QGt-x3bFmB-bkmWAuHn0i4/w486-h640/invisiveis.jpg" width="486" /></a></div><br /><p></p><p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Já nas
duas epígrafes escolhidas, uma de <i>Josoaldo Lima Rêgo</i> e outra de <i>Gaston
Bachelard</i>, o poeta <i>Carlos Orfeu</i> nos avisa que em seu <i>Invisíveis cotidianos</i>
estaremos diante do avesso das coisas. Nesse livro, os poemas centram-se
preferencialmente nas imagens de objetos, pequenos seres, jogando luz (por
sinal, a luz é uma das coisas muito observadas) sobre aquilo que nos passa
despercebido, entre normal e banal. É a partir de duas figuras de linguagem em
especial, amplamente usadas na construção dos seus poemas, as analogias e as metáforas,
que o poeta ilumina o que há do outro lado, como quem nos auxilia a entrar na
realidade paralela das existências do aparentemente inanimado ou insignificante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Se a
poesia é o uso da linguagem que retira do banal a própria linguagem, tanto no
que ela tem de forma quanto no tratamento dos temas, <i>Carlos Orfeu</i>
consegue realizar a poesia nos dois eixos, dando-nos poemas cujos versos
filtram a exatidão possível das palavras, compondo verdadeiras cenas e trazendo
para a leitura o estranhamento e a desestabilização, diria mais, a
desnaturalização do olhar. O poeta nos lembra de que tanto as palavras quanto
os objetos estão constantemente à nossa volta, sem que lhes prestemos atenção,
afinal, sem um olhar ou uma escuta desautomatizados, não há nada nelas (nas
palavras) ou neles (nos objetos) se não as suas funções costumeiras, suas
utilidades. É a poesia que abre, de repente, um campo mágico, “<i>o olho cata
do chão/o alfabeto</i>”: o objeto fala, a luz é um animal, o inseto é o nosso
eu-mítico, o mar “<i>sofre o abuso das gaivotas/bicando seu dorso selvagem</i>”
e é a palavra que se empresta às coisas para nos ensinar sobre nós.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">O filósofo
<i>Roger-Pol Droit</i>, em seu livro “<i>Últimas novidades das coisas</i>”,
esforçou-se por ouvir os objetos, a fim de responder a uma pergunta cotidiana
para a qual, um dia, simplesmente não teve resposta: “<i>Como vão as coisas?</i>”
Ele não sabia. Desconcertado pela pergunta, partiu para pensar sobre os objetos
e sua invisibilidade adquirida por um olhar automatizado. Algumas pessoas –
mais notadamente entre filósofos e poetas – estranham os objetos. Na
dramaturgia, os objetos em cena podem adquirir muitos significados, como registrou-se
no teatro de <i>Tadeusz Kantor</i>, que os retirou de um papel secundário para o
primeiro plano das cenas, fazendo deles personagens; nas artes plásticas, o
objeto anônimo, como em <i>Duchamp</i>, escolhido pelo artista adquire outro
status. O deslocamento do objeto da sua invisibilidade de coisa útil para o
lugar de coisa sensível é o que vem compor <i>Invisíveis cotidianos</i>, cujo
título em si encaminha o olhar para um desvendamento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">No poema <i>Sépia</i>,
a coisa não é só a moldura do retrato, mas sua cor. Na imobilidade dos rostos,
no “<i>inapreensível grito/das coisas insubstituíveis</i>” o poema fala da impossibilidade
de comunicação. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>As coisas são
substituíveis, mas não aquilo que evocam, denunciando que o que é fundante no
sujeito é a falta. O rosto apodrece tanto na fotografia quanto na vida –
transitoriedade, efemeridade, deterioração da carne. A sépia se transfere da
fotografia para o olhar o mundo, o ao redor. Os lábios que “<i>sussurram as
cinzas/no inverno das perdas</i>” é o da pessoa-poética. Em <i>Formiga morta</i>,
a observação se dá minuciosamente, uma característica que aparece em quase
todos os poemas. A faca está descansando, o pão dormindo, o sono é de pedra, a xícara
solitária, o lábio toca o objeto e o objeto guarda a lembrança, o silêncio é o
que guarda a formiga morta. É interessante como o único elemento perturbador do
poema parece ser não a formiga morta, que está no mesmo estágio pacífico que o
dos objetos inanimados, mas a lembrança de restos de lábios açucarados pelo sol
(elemento de vida, de euforia, de memória) que toca a xícara. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Os
insetos, esses pequenos seres, chamam a atenção do poeta, estão no mesmo mundo
das coisas, compondo fábulas no exercício de transferência da condição humana
para o não-humano. Assim, em <i>Besouro</i>, a observação do inseto o aproxima
do mito de Sísifo e o homem se vê na mesma condição do inseto. A vida é luta na
menor ou maior criatura. A pedra (de Sísifo) é levar-se a si mesmo. O que muda
é apenas o tamanho, se somos pequenos ou grandes carregadores, não havendo
dúvidas sobre o cansaço da repetição a que nos obriga o exercício de viver.
Subir em direção ao declínio – eis a oposição que a poesia como linguagem é
capaz de revelar. Para o Sísifo homem, é preciso mais que a repetição, é
preciso encantamento, é preciso que algo do dia se apresente novo. Se ainda
houver encantamento, poderá haver vontade de viver. O besouro, se traz o
crepúsculo no dorso-espelho (morte), traz também o encantamento no seu “<i>reflexo/verde-musgo</i>”
(vida) de forma também especular, e Narciso bem pode gostar desse espelho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Carlos
Orfeu</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"> continuará a nos encantar com, por exemplo, <i>Salamandra</i>,
poema deliciosamente imagético e bem executado; não uma fotografia, mas um pequeno
filme/poema, feito de três estrofes que se movem como/com a luz, fazendo do sol
a salamandra que também é faca cortante. O encantamento seguirá nos outros
poemas, no gesto de cortar cebolas, na comparação que inclui aquele que as
corta e com o que é cortado, outros versos dirão não apenas dos objetos/seres
encontrados na casa, no quintal, como também da própria casa, quase sempre análoga
a uma mulher, um útero, um ventre, uma vulva; a mãe, um lugar feminino de
origem, em que o morador pode ser – dentro – filho e/ou amante: “<i>somos no
íntimo/materno da casa</i>”. A casa é também imagem ambígua, violenta, “<i>a
casa é uma rosa de carne/desabrocha na extensão do sangue</i>”. O morador é
filho gerado e gerando-se e a relação com a casa também se sugere na fantasia incestuosa
da infância: “<i>entrar na casa como um corpo/estranho entra em outro nome</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Mesas,
cadeiras, livro, oxidação, frutos, bichos insignificantes, carrinho de mão,
guarda-chuva, objetos aleatórios que habitam conosco, uma coisa pode evocar
outra em um rico fio de imaginação: “<i>revoltam-se os objetos/ contra a
insânia do homem/ copo/ prato/ talheres/ vassoura/ máquina de lavar/ espelho</i>”.
Estar em contato verdadeiro e não distraído com as coisas é alargar os
sentidos. As coisas são conhecidas pelo tato, pela visão, olfato, paladar e
audição. Há ainda um sexto sentido, talvez aquele do qual melhor se aproveita a
poesia, a ponto de se desconfiar que existem mais coisas entre o céu e a terra
do que nos informam as aparências, a ponto de ouvir a respiração de uma casa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Octavio
Paz</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">,
em <i>Os filhos do barro</i>, com sua crença grandiosa na poesia, ensinou que “<i>o
poema não é apenas uma realidade verbal: é também um ato. O poeta diz e, ao
dizer, faz. Esse fazer é sobretudo um fazer-se a si mesmo: a poesia não é só
autoconhecimento, mas também autocriação. O leitor, por sua vez, repete a
experiência da autocriação do poeta e assim a poesia encarna-se na história. No
fundo desta ideia vive ainda a antiga crença no poder das palavras: a poesia
pensada e vivida como uma operação mágica, destinada a transmutar a realidade</i>”.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Há tanto a
se aprender pela poesia, esse gênero capaz de desfazer o imediatismo do nosso
modo de ver, o superficialismo do senso comum que só se presta à repetição, o
costume acrítico de olhar e não ver. Talvez, como aprovaria <i>Tadeusz Kantor </i>no
seu teatro feito de desconstrução das coisas, pudesse mesmo existir uma
educação pelo objeto que, no ápice, seria uma educação pela poesia, e isso é
uma das coisas que podemos pensar ao terminar a leitura de <i>Invisíveis cotidianos</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">besouro<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">o besouro
pequeno<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">sísifo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">leva a si
mesmo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">ao cume<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">o
declínio encarnado<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">em seu
ciclo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">crepúsculo
no escudo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">de seu
dorso – espelho<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">reflexo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">verde-musgo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">salamandra<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">o sol<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">salamandra<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">selvagem<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">fareja o
pão<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">gênese de
gestos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">cortejo
de luz<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">veloz
manhã<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">faca
partindo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">sombras<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">óxido<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">oxidada
água<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">ser-<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">penteia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">pelo
diafragma<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">dos canos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">viagem
labiríntica<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">calcária<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">voz da
caixa<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">d’água<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">viagem
pela res-<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">piração
da casa<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">até
deitar-se<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">em outra
língua<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">dente:
sabor cloro<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">barro
abrindo-se<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">na
insônia da garganta<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><b><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">olho<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">o olho
cata do chão<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">o
alfabeto<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">arqueologia
de ver<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">e escutar<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">o
silêncio das coisas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">inaugura<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">outro
universo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">e morada<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">significância<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">rútila<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">na língua<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">cada
coisa renomeada<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">respira
no poema<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">com patas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">salta na
fala<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Invisíveis
cotidianos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Carlos
Orfeu<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Poesia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">Ed. Patuá<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 16.0pt; line-height: 200%;">2020<o:p></o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4073944942928016668.post-67509958975620087232021-03-17T05:20:00.000-07:002021-03-17T05:20:04.531-07:00O sentido e o fim, de Mike Sullivan<p> </p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p></o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjf0_dNggwvuah6oNXkyVZDTjffd60klyWxp7iIcktwHA8Tfyg1vjwXN0zzneoTI2Xo2re4w1PXETPQ8YvU-sYo6DUC8YoqNw7iGSGyi6QBZQlb3NQ8jo1TdUDGSWGCBU15YGgr5rbJnYE/s1541/o+sentido+e+o+fim.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1541" data-original-width="1000" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjf0_dNggwvuah6oNXkyVZDTjffd60klyWxp7iIcktwHA8Tfyg1vjwXN0zzneoTI2Xo2re4w1PXETPQ8YvU-sYo6DUC8YoqNw7iGSGyi6QBZQlb3NQ8jo1TdUDGSWGCBU15YGgr5rbJnYE/w260-h400/o+sentido+e+o+fim.jpg" width="260" /></a></div><br /><p></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: right;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Por
Adriane Garcia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Diz <i>Montaigne</i>
que “<i>a meta de nossa existência é a morte; é este o nosso objetivo fatal. Se
nos apavora, como poderemos dar um passo à frente sem tremer? O remédio do
homem vulgar consiste em não pensar na morte. Mas quanta estupidez será precisa
para uma tal cegueira?</i>” Cegueira que parece querer ser evitada, no livro <i>O
sentido e o fim</i>, de <i>Mike Sullivan</i>, que escreve onze contos, todos
eles com histórias que são atravessadas diretamente pela morte ou por sua
iminência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">A morte coloca
o ser humano diante do questionamento sobre o sentido da vida. Na abertura do
livro, é ela mesma quem fala, é sua voz soberana que se apresenta: “<i>Não me
encontrarás em cemitérios. Para que me servirá um cadáver? Habito quartos e
corredores superlotados dos hospitais, salas de quimioterapia, campos de
guerra, conflitos civis, ambulâncias, acidentes em rodovias, atentados
terroristas, armas nucleares, tempestades, terremotos, hemorragia, quedas,
incêndios, afogamentos, desequilíbrio, surtos psicóticos. Passeio ao lado da
fome, nos quatro cantos do planeta. Sou também a salvação dos que têm dores e
pressa por alívio imediato.</i>”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Se
seguimos por <i>Montaigne</i>, que ao citar <i>Cícero</i> nos ensina que “<i>filosofar
não é outra coisa senão preparar-se para a morte</i>”, percebemos que já no primeiro
conto de <i>O sentido e o fim</i>, intitulado <i>Dentro de mim há um tempo se
esgotando</i>, não há qualquer garantia a respeito. O protagonista é um
especialista em pacientes terminais, considerado o maior estudioso de
Tanatologia do país, uma vida inteira dedicada a compreender a morte – dos
outros – e que agora se vê, ele mesmo, diante do que não compreende: “<i>Pensar
em minha própria morte é absurdo demais</i>”. <i>Mike Sullivan</i> trabalha com
o paradoxo: escreve sobre a morte, no exercício de pensar sobre ela e, ao mesmo
tempo, seu próprio personagem mostra o quanto isso pode ser inútil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Em alguns
dos contos é a situação limite da morte que se apresenta, noutros é a sua proximidade
ou mesmo aquela morte em vida que acomete tantos. Em <i>Eu não sou louca</i> a
mãe acumuladora, provavelmente tomada em algum momento pela <i>síndrome de
Diógenes,</i> relata uma visita do filho e a impossibilidade do encontro, nas
diferenças de mundo entre eles. Estamos no terceiro conto e, até aqui, o livro
nos fala de um filho abusado sexualmente pelo pai, um filho que quer conduzir a
mãe a uma clínica de tratamento e um filho abandonado; um bebê entregue a uma
instituição, criado em um convento e que, misteriosamente não envelhece, o que
desperta o interesse da ciência, ciosa por entender os caminhos de uma
delirante imortalidade. “<i>Todos os dias, Tereza desejava a morte do filho.
Mas, por amor ou meramente por vingança, ele não morria nunca. Parecia eterno.”
</i>Esse é o conto<i> A um passo da imortalidade</i>, em que os ditames sociais
colaboram para o abandono infantil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Em <i>O
fogo da salvação</i>, a morte era encaminhada para chegar como vingança contra <i>Iolanda</i>,
porém o conto deixa claro que ninguém conduz a morte, ela é quem conduz a si
mesma. E aqui, novamente é a figura do filho que se mostra. Um filho adotivo,
utilizado pela figura materna para exploração sexual. Em <i>Justiça</i>, o
filho não existe, foi abortado. A mãe, profissional que vai assumir uma
Comissão de Direitos Humanos, questiona-se com relação ao aborto a que se
submeteu e à sua participação na punição dos homens que a estupraram. Já em <i>Seus
olhos de azeviche</i>, o filho relata sua experiência de alívio com a morte do
pai, a dificuldade de passar tanto tempo com um doente terminal: “<i>Mas
ninguém é capaz de suportar por tanto tempo a áurea de decadência imposta pela
aparente presença da morte. Amigos e familiares acabam se afastando,
perdendo-se em promessas vãs de “pode contar comigo</i>”. Ao mesmo tempo, esse filho
agora luta pela adoção de uma filha e não guarda mais o grande segredo que
escondeu do pai ao escolher um carrinho quando seu desejo era a lousa mágica rosa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">No conto <i>Distantes</i>,
um conto curto preenchido por longo silêncio que diz de uma vida inteira, o
filho, que amava a princesa <i>Diana</i>, sofre com sua morte e busca
materializar a distância que sempre existiu entre ele e sua família: “<i>Meu
irmão idolatrava Romário e Bebeto. Falava abertamente sobre futebol no jantar.
Eu, calado, sentado à mesa, engolia a comida junto com meus segredos</i>”. Em
seguida, em <i>Vivo ou morto</i> um paciente com paralisia corporal e
respiratória só vive por meio de aparelhos. A hipótese levantada pelo médico é
a de <i>Síndrome do Encarceramento</i> ou <i>Esclerose Lateral Amiotrófica </i>e
a discussão ética é pelo desligamento ou não dos recursos artificiais, se o
paciente está vivo ou morto, mas o apego do médico se deve a questões muito
mais pessoais e profundas do que profissionais. No conto <i>O enterro dos ossos</i>,
um senhor muito idoso, que vive em um asilo, cuja família e amigos já morreram
todos, vê-se inusitadamente solicitado a comparecer ao cemitério que será
destruído a fim de transferir os ossos de seus familiares para outro lugar. Em <i>Garotos
I</i>, a partir do anúncio de que o hamster de <i>Diogo</i> morreu, coloca-se o
desejo do narrador em consolar o amor longínquo, amor que sempre se encontra
impossibilitado e substituído por outro tão impossível quanto: “<i>Um amor
impossível que me salva de outro amor impossível</i>” e em <i>Garotos II</i>, a
visita do narrador à casa do pai do amigo/amor morto compõe o retrato da incompreensão
e do preconceito separando duas pessoas por suas diferenças de orientação
sexual. Na atmosfera desse conto, a pequena trégua da morte, os personagens
estão momentaneamente unidos pela mesma tragédia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">Assim
como o livro traz a introdução ditada pela morte, apresenta também uma espécie
de posfácio ditado pela vida. O luto é feito, “<i>um dia você acorda e não tem
mais vontade de morrer para esquecer</i>”. Talvez <i>Montaigne</i> estivesse
mesmo certo. Talvez, inversamente, o percurso desenhado até a última página, pensando
sobre o morrer, tenha ensinado a viver. Chama a atenção a recorrência da figura
filial em quase todos os contos, do filicídio como caracterizado pelo pediatra
e psicanalista <i>Arnaldo Rascovsky</i>: <i>“o maltrato corporal e afetivo dos
filhos mediante o abandono, a desvalorização, a superproteção, o abuso sexual,
a mutilação e o assassinato, como acontece nas guerras de uma forma aceita
socialmente</i>”. Diferentemente da “fama” do parricídio, o filicídio contém um
tabu, continua escondido nas camadas mais obscuras da sociedade e
principalmente na “sagrada” família. Está presente desde as mitologias antigas,
como <i>Chronos </i>engolindo seus filhos, Abraão indo matar <i>Isaque, </i>ou
mesmo <i>Laio</i>, o pai de <i>Édipo</i>, tentando matá-lo de forma cruel
quando criança. Filicídio dos filicídios: <i>Jeová</i> oferecendo <i>Jesus </i>ao
holocausto. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O livro de <i>Mike Sullivan</i>
também está dizendo, contra os conservadores que se beneficiam do silêncio
(afinal, não raro, são os que perpetuam a violência infantil, principalmente
sexual): prestem atenção ao que fazem com as crianças dentro das suas próprias
casas. Em comum, na maior parte dos contos de <i>O sentido e o fim</i>, há
também a questão da homossexualidade e, com ela, <i>o autor</i> nos transmite a
dor e a solidão que a sociedade causa nessas pessoas, impondo a
heterossexualidade como padrão normativo, por meio de comportamentos
homofóbicos que muito mais revelam a fragilidade heterossexual, diante da
necessidade de tamanha afirmação. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">O sentido
e o fim</span></i><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"> nos faz refletir, leva-nos ao encontro do outro, aproxima-nos
de personagens que falam de vida e de morte, rodeados que estamos por ela, ainda
mais a partir do ano de publicação do livro, 2020, quando a pandemia do
Coronavírus assola o mundo e particularmente o Brasil, com seu governo aliado
da mortandade. Claro, o fim é a morte, mas o sentido – <i>Mike Sullivan</i> o afirma
no desejo de seus personagens – é o amor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt; line-height: 200%;">*** <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">O sentido e o fim<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Mike Sullivan<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Contos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">Ed. Reformatório<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-family: "Cambria",serif; font-size: 18.0pt;">2020<o:p></o:p></span></p>Adriane Garciahttp://www.blogger.com/profile/11882035198237065249noreply@blogger.com0