Por Adriane Garcia
Tendo lido alguns romances
ótimos durante a semana, resolvi descansar um pouco do gênero e
peguei um livro que andava ocioso pela casa. A princípio, não dei
atenção. O título me repelia um pouco, “Receitas
de como se tornar um bom escritor”
– lembrava algo da autoajuda, e ainda parecia partir do pressuposto
de que alguém, algum iluminado, poderia ensinar isso. A própria
edição (da Chiado Editora) não se mostrava muito atrativa, de
maneira que abri o livro a esmo, sem gostar do título, sem gostar da
capa, sem gostar do papel, mas de antemão sabendo que seu autor,
Linaldo Guedes, era, pela qualidade de tantos trabalhos anteriores e
militância na literatura, merecedor de atenção.
Grata surpresa: Receitas
de como se tornar um bom escritor
é uma coletânea reflexiva, que reúne artigos, palestras e crônicas
publicadas na imprensa, seja impressa ou virtual, por Linaldo Guedes.
Neles, Linaldo lança seu ponto de vista sobre a literatura, o meio
literário, os livros, os autores e as mudanças ocorridas nos modos
de publicação e recepção das obras literárias a partir do
advento da internet e mesmo das redes sociais.
O próprio artigo cujo título
dá nome ao livro nada tem a ver com aulas ou oficinas; é, na
verdade, uma provocação do autor, que critica os modos
extraliterários de se tornar um “bom escritor”, concluindo que
um escritor cuja fama seja a de “bom escritor” não
necessariamente o é, já que muitas vezes esse julgamento depende da
circulação que faz entre aqueles que detêm o poder midiático ou
alguma influência entre os que controlam o mercado editorial.
Na verdade,
Receitas de como se tornar um bom escritor
poderia se chamar Receitas
de como se tornar um bom leitor.
Linaldo fala sobre Fernando Pessoa, Padre Antônio Vieira, João
Cabral de Melo Neto, Paulo Leminski, Augusto dos Anjos, Vinicius de
Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Ariano Suassuna, Sérgio de
Castro Pinto, entre outros. Claro que eu senti falta, no livro, de
artigo que falasse especificamente de alguma mulher escritora. Isso é
algo para o qual vamos nos atentando cada vez mais hoje.
Há reflexões sobre prosa e
poesia. O artigo sobre Augusto dos Anjos, por exemplo, Um
poeta acima de qualquer escola,
é uma delícia. O livro é um diálogo com o leitor, um guia de
leituras também, com sugestões excelentes. No fim das contas, o que
Linaldo, apaixonado e profícuo leitor, está dizendo mesmo é: leia,
leia muito, pois se isso não garante (e não garante) que se será
um bom escritor, a falta de leitura muito menos.
Caso algumas declarações de
Receitas de
como se tornar um bom escritor
estivessem escritas em posts do Facebook, certamente gerariam
polêmicas, animosidades e brigas, onde todos falariam e ninguém
ouviria ninguém. Essa é a grande vantagem do livro; no livro ainda
é possível ouvir, discordar, concordar, mediar internamente e
considerar as divergências. Receitas
de como se tornar um bom escritor
é um livro ótimo, uma conversa concentrada e inteligente nesses
tempos de louvor ao eco, ao raso e ao obscuro.
“Os poetas não leem os
poetas?
Pode até parecer
contraditório o que está escrito acima, no título deste artigo.
Mas a provocação de Eduardo Lacerda, jovem editor da Patuá e
poeta, em entrevista a este jornalista, vai por aí. Lacerda diz com
todas as letras: ‘Se os autores de poesia também fossem leitores
de poesia, então poesia não daria prejuízo’. E diz mais: ‘O
desejo de publicação – publicação em qualquer lugar, com
qualquer qualidade – é muito maior do que o desejo de se
estabelecer um diálogo com outros escritores e com a própria
editora. É muito maior o desejo de publicar do que o desejo de ler.
E eu acho estranho’”.
(p. 37)
***
Receitas
de como se tornar um bom escritor
Linaldo
Guedes
Ed.
Chiado
2015