“Todos nós somos um pouco
hóspedes desta vida.
Viver é apenas um pequeno
hábito.”
A.A.
Por
Adriane Garcia
O volume
reúne poemas dos vários livros da poeta russa Anna Akhmátova (1889 –
1966), dispostos em ordem cronológica. Anna Akhmátova teve uma vida
marcada pelas duas grandes guerras, pela Revolução de 1917 e pelo Stalinismo. Em
sua obra, vida e poética estão completamente imbricadas.
A
antologia, organizada e traduzida por Lauro Machado Coelho, que também é
biógrafo de Anna Akhmátova, traz notas importantes e permite perceber o
desenvolvimento da escrita da poeta, indo dos poemas mais dedicados ao amor,
aos relacionamentos, até o registro político e as dores do seu tempo: seu primeiro marido e pai de seu filho foi
preso e fuzilado pelo regime, seu filho, posteriormente foi preso por duas
vezes, seu terceiro marido morreu num campo de concentração. Anna teve amigos
exilados, transportados para campos de concentração, vitimados pelos expurgos e
viu uma geração inteira de poetas desaparecer, sendo uma das poucas
sobreviventes quando começou a abertura do regime. Tempo de profundas
transformações para a Rússia – e para o mundo – Anna Akhmátova registra
também a fome, a doença e o medo em sua obra.
A poeta pertencia
ao grupo de poetas chamados acmeístas, grupo que buscava uma poesia de
linguagem simples e objetiva, rejeitando as características do Simbolismo.
Também não se interessavam pelos temas politizados e o experimentalismo da
escola de Maiakóvski e Khlébnikóv. Após a Revolução, os acmeístas
pagaram caro por fazer uma poesia acusada de não colaborar com a nova ordem (o
que também não impediu que poetas que colaboraram com a ascensão do regime
fossem exilados ou mortos).
Os poemas
possuem um tom intimista, confessional. São, no mais das vezes, diretos e
dispensam adornos. Anna Akhmátova, que durante a vida já era considerada
uma grande poeta, desenvolveu um estilo próprio, que muitos avaliaram ter
grande influência da prosa russa. É notável sua capacidade de fazer críticas no
presente por meio de alguma personagem histórica do passado remoto. Sua poesia avançou
das reflexões individualistas para as reflexões que sentem a dor coletiva. No
poema “Dedicatória”, sobre as mães que visitam seus filhos na prisão, a
poeta demonstra esse sentimento:
Dedicatória
Diante
dessa dor, as montanhas se inclinam
e o
grande rio deixa de correr.
mas os
muros das prisões são poderosos
e, por
trás deles, estão as “tocas dos condenados”
e a
saudade mortal.
É para os
outros que a brisa fresca sopra,
é para os
outros que o pôr-do-sol se enternece –
mas nada
sabemos disso: somos as que, por toda a parte,
só ouvem
o odioso ranger das chaves
e o passo
pesado dos soldados.
Levantávamo-nos
como para o culto da madrugada,
arrastávamo-nos
por esta capital selvagem,
para nos
encontrarmos lá, mais inertes do que os mortos,
o sol
cada vez mais baixo, o Nevá mais nevoento,
enquanto
a esperança cantava bem ao longe...
O
veredicto... e as lágrimas de súbito brotam.
E ei-la
separada do mundo inteiro
como se
de seu coração a vida se arrancasse,
como se
com um soco a derrubassem.
E, no
entanto, ela ainda anda... cambaleando... sozinha...
Onde
estão, agora, as companheiras de infortúnio
desses
meus dois anos de terror?
O que
estarão vendo, agora, na neblina siberiana?
A elas eu
mando a minha última saudação.
março de
1940
A poeta
se recusou a sair da Rússia e mesmo em seus poemas observa-se a crítica aos amigos
que se exilavam. Anna não gostava de chamar a Rússia de União Soviética.
Sabia que sua poesia estava intimamente ligada ao amor à língua, ao povo russo
e a uma geografia que também os compunha. Também produziu ensaios e foi
tradutora. Sua poesia é importante naquilo que diz e cheia de beleza na forma
como diz.
Cerca de
ferro fundido
e a cama
feita de pinho.
Como é
doce não ter mais
de sentir
de ti ciúmes.
Forraram
a minha cama
com
súplicas, com soluços.
Vai,
procura o teu caminho
onde
queiras, Deus te guie.
Já não
ferem teus ouvidos
palavras
descontroladas,
já
ninguém espera a vela
queimar
até o dia seguinte.
Finalmente
conseguimos
paz e
dias inocentes.
Tu choras
– mas eu não valho
uma só de
tuas lágrimas.
***
Antologia Poética, Anna
Akhmátova
Seleção, tradução do
russo, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho
Poesia
Ed. L&PM
2009