“O profundo das coisas não está na pauta do dia.
De nenhum dia.”
Micheliny
Verunschk
Resenha por Adriane Garcia
Vamos lá. A primeira coisa que se há de notar, falar deste romance, é seu narrador. Eis um personagem que nos gruda ao livro, este velho que tudo sabe da história que conta, mas que admite estar preenchendo lacunas com sua imaginação, nos vazios da falha de sua memória. Falha que ele atribui a qualquer pessoa que conta, motivo pelo qual deixa claro não acreditar em biografias. E narra como quem conversa mesmo, aqui do nosso lado, neste ofício que requer naturalidade e, por isto, tantas vezes, desvio do caminho.
O livro de Micheliny Verunschk não é linear,
vai, volta, entremeia, conta esta e outras histórias para nos dizer de Teresa,
a jovem santa suicida. Julga-nos o narrador – pois não pense que ele é pessoa
fácil! – impacientes com a leitura, mas a verdade é que ficamos encantados pela
maneira com que se nos dá seu fio de condução. Lembramos semelhança com os
narradores machadianos, com o costume de filosofar dos narradores de Saramago, tecendo
críticas suas, enquanto os fatos acontecem. Mas é Micheliny Verunschk.
Já
no primeiro capítulo a autora nos mostra a que veio. Sabemos que estamos diante
de uma romancista de talento, de alguém que lida muito bem com a linguagem que
usa. Durante todo o livro permanecerá seu
domínio de ritmo e é claro – trata-se de uma poeta, antes – prosa visitada por
sopros da poesia. Os momentos de descrição são belíssimos. Cada capítulo nos
levando à curiosidade do próximo, sempre surpreendente, pois Micheliny utiliza
variação da forma, seu narrador oferece-nos desde cartas de suicidas, bilhetes
a entrevistas de jornais, tudo se aproximando mais e mais da verossimilhança de
se estar no nosso tempo.
Humano,
demasiado, o livro versará sobre vida e morte, mais especificamente sobre o suicídio,
sem nenhuma condescendência ou concessão temática ao leitor. Assim como Nietzsche, Micheliny Verunschk tem também um martelo. Não fica pedra sobre pedra nem santos de barro: Impotência,
efemeridade, liberdade, livre-arbítrio, sede pelo macabro, o poder da oratória,
a manipulação do medo, superficialidade do pensar e do agir, consumismo, o
poder da igreja, das igrejas.
Teresa é católica, mas poderia ser de qualquer outra religião ou crença, assim que instalado o
fanatismo.
Micheliny
Verunschk nos oferece uma narrativa rica e universal. Uma obra de arte. A jovem
que nos apresenta, Tereza, pode ser uma santa popular do nordeste brasileiro ou
um menino bomba no Oriente Médio. Pode ser qualquer menino ou menina num mundo
confuso, obscuro e cruel. Li este livro sem notar recurso algum trivial ou
evidente. Sua escrita está sempre grávida, havendo vários nascimentos durante
nossa leitura. E todo nascimento é um susto.
“Ora,
se nunca se anunciara com tal fervor a existência de santos suicidas é que
nunca antes se oferecera o patronato de um desses santos aos próprios suicidas.
Nunca existira um alguém que intercedesse por essas almas. Alguém que soubesse
na carne e no espírito os caminhos e descaminhos que levam ao ato extremo. E é
a história desse santo, sua vida e morte, seu polêmico percurso, que aqui se
vai relatar. Melhor dizendo, dessa santa, porque cabe às mulheres desde sempre,
de Pandora a Eva, a faísca da subversão, a quebra de valores, a assumida falta
de pudores e um extremo gosto pela transgressão. Advirto, porém, que não me
venha tomar o leitor como um panfletário, um vulgar levantador de bandeiras.
Tão somente conto histórias das quais apenas ouvi falar ou que, quando muito,
tive discreta, quase despercebida participação. Sou um velho que muito já viu e
viveu e que nem sempre consegue escolher ou esconder simpatias e antipatias.
Mas garanto que apenas dou conta do que todos dizem ou sabem, embora às vezes
finjam que não disseram ou soubessem. E é esse o meu ofício de narrar. Poderia
ser outro, mas é esse e dele me agrado.” p. 11.
Leitura inesquecível. A autora sanando um tanto da falta do profundo das coisas.
***
O livro nossa Tereza - vida e morte de uma santa suicida, publicado pela editora Patuá, pode ser adquirido no site da editora.
eu tenho que comprar esse livro!
ResponderExcluirSim, Líria, querida. É livro de ter e amar.
ResponderExcluirQuero demais!
ResponderExcluirParece bão, hein!
ResponderExcluirE é mesmo.
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