Por Adriane Garcia
Termino
de ler Os sinos da agonia, de Autran Dourado. Li na edição da
Francisco Alves Editora, edição velhinha, letra pequena, espaço de
entrelinhas ruinzinho, mas nem isso foi capaz de tirar minha avidez
constante na leitura.
O
livro é genial, e vale conhecer um resuminho da mitologia que lhe dá
uma boa chave de leitura (não que seja necessária, só enriquece; a
narrativa, por si só, já conquista o leitor).
Minos,
o rei de Creta, casa-se com Persifae e tem vários filhos, entre eles
Ariadne e Fedra. Minos recebe um touro de Poseidon, mas tinha que
sacrificar esse touro. Encantado pelo touro branco, ele
sacrifica outro bovino, enganando Poseidon. Guarda o touro. Mas
Persifae, a esposa do rei Minos, apaixona-se pelo animal e quer ter
uma relação sexual com ele. Para isso, chama Dédalo (aquele mesmo,
o pai de Ícaro) para lhe fazer um disfarce de vaca (!). Da relação
de mulher e touro nasce o Minotauro. Minos esconde o filho bastardo
da esposa no labirinto (também feito por Dédalo - aliás, parece que
Dédalo é que é o problema de metade da mitologia grega). Para
acalmar a fera, sete jovens virgens todos os anos têm que ser
jogados para o Minotauro se alimentar. Teseu (que era um homem casado
com uma amazona, pai de um filho casto chamado Hipólito) entra na
história porque se oferece para acabar com essa carnificina. Ao
tomar contato com Minos, conhece suas filhas (Ariadne e Fedra) e se
apaixona por Ariadne, que lhe dá um fio para que não se perdesse lá
dentro. Ele mata o Minotauro e, na volta, abandona Ariadne e fica
mesmo é com a irmã dela, Fedra. Casam-se. Fedra vai morar com
Teseu, quando se apaixona por seu filho Hipólito, que recusa a
relação incestuosa, motivo pelo qual inventa para o marido que
Hipólito quis ter relações sexuais com ela. Teseu castiga o filho,
que vai para longe, morrendo no mar (um acidente causado por Poseidon). Fedra se mata logo em seguida.
Autran
coloca isso no século XVIII, nas Minas. Constrói uma história que
envolve o racismo e as forças sociais das Minas mineradoras em
decadência. Malvina, João Diogo Galvão, Gaspar e Januário, além
de seus escravos Isidoro e Inácia são os personagens que, para além
de personificar os mitos gregos, mostrarão os conflitos individuais
(tão caros ao mundo autraniano), econômicos e sociais no
imbricamento da vida.
A
narrativa se desenvolve a partir da troca de protagonismos. Durante a
leitura, em algum momento, lembramo-nos da forma como Wilian Faulkner arquiteta Enquanto agonizo. Na agonia de Autran, ver a história
pelo lado de Januário requer ver a história pelo lado de Malvina,
que requer que vejamos a história pelo lado de João Diogo e de
Gaspar, que requer o arremate de Januário. É nessa urdidura que os
sinos das igrejas mineiras barrocas tocam, o aviso de que alguém
agoniza e que é preciso rezar para que a morte traga, logo, o seu
alívio. Uma narrativa brilhante.
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