Por Adriane Garcia
Poesia e
utopia, sobre a função social da poesia e do poeta, de Carlos Felipe Moisés,
editado pela Escrituras, na coleção Ensaios transversais, traz reflexões importantes
sobre a poesia e o sentido de se fazer poesia, além de discutir a função do
poeta.
Sem
tentar conceituar o que é poesia de forma definitiva, sabendo que muitas podem
ser as definições (e indefinições), o autor adota o conceito de “ver como se
víssemos pela primeira vez”. Traz no primeiro ensaio a expulsão do poeta da
República de Platão, discutindo sobre a periculosidade do poeta e sobre
liberdade e utopia: “Utopia e liberdade são inconciliáveis. Os sábios governantes
de qualquer república “ideal” sabem ou simulam saber o que é melhor para todos
e não hesitam em impô-lo, contra a vontade de quem quer que seja, vedando a
partir daí todo avanço, todo conhecimento, toda liberdade.”
Ao adotar
o conceito de poesia como aquilo que faz ver algo como se o víssemos pela
primeira vez, destaca o potencial antipedagógico da poesia, pois, visto, o objeto
tem que ser desconstruído, “desensinado”, para poder ser visto novamente, mas
como se nunca antes. Neste sentido é que a poesia é intrinsecamente rebelde e
traz seu potencial revolucionário.
No ensaio
Make it new, parte de Ezra Pound e Confúcio. Das palavras de Confúcio: “O homem
que mantenha vivo o que é velho e, ao mesmo tempo, reconheça a novidade, esse
homem pode, eventualmente, ensinar”, Carlos Felipe Moisés encontra o Canto LIII,
de Pound: “Tching orou na montanha e/ Escreveu: FAÇA-O NOVO/ em sua tina de
banho/ Dia a dia faça-o novo/ apare a moita/ empilhe as toras/ mantenha-o crescendo.”
Em Pelos
olhos e pelos ouvidos, Carlos Felipe Moisés destaca a diferença, no aspecto da
periculosidade, da cidadania, entre a poesia falada e a poesia escrita. Aquela,
coletiva, dita em praça pública; esta, individual, presa na página e no
silêncio da vida privada. Neste sentido, discutirá a poesia e a ação política,
o tecnicismo e o hermetismo.
Em Da
praça pública à mansarda, Carlos Felipe continua a discussão do impacto
político e da importância do poeta nas sociedades antigas e atuais.
No último
capítulo, A hora da poesia, o autor continua defendendo não as respostas, mas
as perguntas. Pois é preciso continuar escrevendo, lendo e falando poesia, e se
perguntando para que ela serve e qual é a função do poeta em um mundo
globalizado, onde cada vez mais o discurso em defesa apenas de funções técnicas
servis a um mundo empresarial e globalizado ganha adeptos. Um discurso que nos
aproxima das máquinas e nos distancia da nossa humanidade.
“Que
papel representa para nós, hoje, essa milenar atividade humana, que continuamos
a chamar “poesia”? Que espécie de realidade entrevemos ou julgamos entrever num
poema, quando dele nos acercamos para ouvir a voz do poeta? Que relações mantém
entre si a realidade “poética” e a “outra”, esta a que todos estamos presos,
antes e depois, ou para aquém e para além do nosso contato com a poesia?
Tais são,
em sua formulação mais singela, as questões que pretendemos investigar. Por
várias razões, entre as quais não conta pouco a mescla de cautela e ceticismo
que deve mover todo empenho ensaístico, proponho que nossa atenção se
concentre, o mais demoradamente possível, nas perguntas atrás apenas esboçadas,
para só então arriscar uma possível resposta. O único propósito que nos move é
o misto de curiosidade e perplexidade sugerido na abertura. Por isso, convém
insistir na reiterada ruminação da dúvida, sem pressa de chegar a qualquer
resultado. Nesta nossa era de urgência global, que não tem tempo a perder e nos
incita à corrida desenfreada no encalço de mais produção, mais qualidade e
eficiência (ou seria eficácia?), proponho que nosso esforço adote de modo
deliberado o ritmo contrário, o ritmo pausado e moroso de quem não tem convicções
definidas a respeito do que seja “ganhar” ou “perder” em matéria de tempo; o
ritmo, em suma, de quem dispusesse de todo o tempo do mundo para dedica-lo à
questão da surpreendente sobrevida da poesia.”
***
Poesia & Utopia, sobre
a função da poesia e do poeta
Carlos Felipe Moisés
Ensaio
Ed. Escrituras
2007
Esse livro é ótimo! Estou lendo pela 2ª vez (1ª vez que faço isso: ler de novo! Mas no caso Carlos nos ensina a ler como se lêssemos pela primeira vez!
ResponderExcluirQueria achar o pdf desse livro.