sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Jenipará, de Graziela Brum


 


Por Adriane Garcia

 

 

 

Jenipará, romance de Graziela Brum, traz como cenário a floresta amazônica e conta a história de fundação de uma cidade fictícia, cujo nome dá título ao livro. Para o vilarejo, que mais tarde será a cidade de Jenipará, confluem habitantes expulsos de outras localidades da floresta, seja pelo desmatamento, pelo confronto direto com posseiros e políticos corruptos, pelas queimadas, pela implantação da pecuária, que destrói as economias locais, ou pela miséria. Situada à beira de um rio chamado Jarurema, até chegarmos em Jenipará, acompanharemos personagens cujas vozes compõem um retrato da dura realidade vivida pelos povos da floresta, cada vez mais acossados e violentados pelas forças do capital, o que inclui o assassinato de lideranças e comunidades inteiras.

 

De início, Graziela Brum nos apresenta Joane, a ribeirinha, empregada doméstica da casa dos Lima, grávida de nove meses em seu caminho por dentro da mata, a fim de chegar em casa. Joane leva o amor por Zé Bidela e os ensinamentos de tia Dulcineia, a parteira. Acompanhando Joane, conhecemos Zé Bidela e a história de sua família no seringal Baldaceiro, uma história de resistência e de fuga, pois as forças contrárias à floresta parecem não ter fim. É assim, entre os seringueiros de produção sustentável e tribos indígenas, entre mulheres que conservam os saberes da terra e da manutenção de suas comunidades, que a leitura de Jenipará nos revela também os grandes depósitos de máquinas e motosserras, enquanto ouvimos a rádio local tocando o carimbó e um passarinho perdido, desorientado pela fumaça ininterrupta.

 

Jenipará utiliza várias vozes narrativas, dando dinamismo à leitura. Na fumaça que queima a floresta, por vezes sentimos uma claustrofobia, sabemos que a floresta não está queimando somente de forma fictícia. São momentos de morte que a autora salva com momentos de vida. Instantes em que habilmente nos sintoniza com a rádio Tapajós 81 FM e nos faz ouvir a deliciosa Dona Onete e encontrar poetas contemporâneas como Katia Marchese, Yara Darin, Rosana Banharoli e Wanda Monteiro. Com um equilíbrio entre a contundência realista e o lirismo que abarca mitos, peixes, pedras, árvores, comidas, hábitos, aves, Graziela Brum nos entrega um romance comovente, ao mesmo tempo em que faz denúncia política. Quando terminei a leitura, fui pesquisar sobre um dos narradores, o passarinho capitão do mato. Ouvi emocionada o seu canto cricrió... cricrió... cricrió...

 

Estranho ver o pai assim. Meu irmão Chico quis chamá-lo para pescar no rio, mas a mãe não deixou. Mandou ele pegar o prato de boia e comer quieto no canto da cozinha. Que deixasse o pai em paz. Chico começou a chorar, era muito jovem ainda, não conseguia entender o que o pai pretendia. Na verdade, nem a mãe, nem eu sabíamos o que se passava com ele. A gente imaginava que era coisa de decisão, que ele buscava resposta nos espíritos da mata. Quem sabe o pai tivesse enlouquecido, era difícil de acreditar. Ele era o líder do povoado, sabia sempre o que fazer, aconselhava a plantar no roçado, a quebrar as castanhas nas pedras para não faltar o que comer na temporada de chuvas. Sempre teve ideia. Quando a noite se aprochegou, o pai voltou para casa. Ainda calado, tomou um banho, se arrumou e depois sentou ao redor da mesa para o jantar. Comeu com fartura, enquanto a gente em silêncio esperava uma palavra dele. Então o pai nos disse:

— “É preciso a guerra, o Padre que perdoe a gente.”

 

***

 

Jenipará

Graziela Brum

Romance

Ed. Reformatório

2019

 

 

 

 

 

  

Um comentário:

  1. Parabéns, Adriane, pelo seu olhar atento e sensível a Jenipará, romance de que estou gostando muito. Logo concluirei a leitura. Toda a cena de Joane tendo a bebê na floresta me fez chorar de uma emoção inusitada. Bjs 😊😘

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