“Confesso
que quando soube da morte de Arthur, num primeiro momento, de
mesquinhez absoluta, fiquei feliz; pois, quando os bons se vão,
sobra espaço para os ratos.”
“Quando
a apresentação terminou, levantaram-se e abraçaram Arthur. Estavam
chorando, era possível ver as lágrimas despencando. Não disseram
nada, não eram bons nisso, em expressar sentimentos. Eram gente do
campo, acostumados com a natureza, que tem suas regras próprias, não
humanas. Acostumados a não ter com quem dividir suas angústias,
pois para eles a “vida era assim, e pronto”, não adiantava
externar. O psicanalista do campo é a enxada, o arado.”
“Ser
escritor é ser rancor.”
Uma
vez um professor de teatro brincou que no meio das peças ruins pensávamos: “ainda não acabou?” e que no final das boas inquiríamos: “mas
já acabou?”, independente da duração das peças.
Terminei
a leitura de História da chuva com aquela vontade que sentimos lendo
um bom romance, a de adiar o final. Confesso que mais para o fim
economizei, queria ler de uma só vez, mas, ao mesmo tempo, queria
aquelas companhias se estendendo. Estava em viagem e aproveitei para
dividir em “um pouco na ida, um pouco na volta”. Quando terminei,
emocionada, pois àquela altura já tinha o narrador personagem como
meu conhecido, fechei o livro, mas ainda fiquei um bom tempo pensando no
narrador, em Arthur, Lauro, Melissa, aquele cenário de chuvas e
rios, uma melancolia lacrimosa, portanto molhada, atravessando as
existências.
Partindo
da morte de Arthur, importante manipulador e dramaturgo do teatro de
bonecos, após encontrado seu corpo boiando nas enchentes da região
do Vale do Itajaí – quando diversas cidades se encontravam debaixo
d'água – Schroeder nos oferece uma trama que prende do início ao
fim. A maneira como o autor escolhe nos dar esta história, misto de
romance, relato jornalístico, ensaio, faz com que, mesmo sendo um
livro com muitas informações, isso não atrapalhe de forma alguma a
fluência do texto. Ao contrário, grande riqueza de História da chuva é também poder passear pela história do teatro de bonecos no
Brasil, especificamente em Minas Gerais (onde encontramos o magistral
Grupo Giramundo, de Álvaro Apocalipse, e outros) e em Santa
Catarina, onde Schroeder nos leva ao GEFA – Grupo Extemporâneo de
Formas Animadas.
Escritor
desesperado e confesso, homônimo do autor, dono de pequena editora
num país que não lê, o narrador pretende escrever sobre
Arthur e o GEFA, na esperança de “emplacar um ensaio em alguma
grande revista.” Suas reflexões sobre meio artístico e literário
são ácidas e impiedosas, assim como tampouco poupa a si mesmo. As
páginas ainda são preenchidas de humor, tragédias e reviravoltas,
numa narrativa não linear, mas que se encontra perfeitamente.
De
forma criativa, em História da chuva, assistimos até mesmo a uma
peça de teatro, e rimos; e, quando as cortinas se fecham, ficamos chocados. Reconhecemos a
angústia do narrador, andamos por regiões rurais do sul do país e
frequentamos um pouco suas gentes; conhecemos o ciúme doentio de
Melissa, reconhecemos a precariedade de se fazer arte no Brasil, a
incerteza das relações. Por algum tempo nos esquecemos dos
alagamentos externos, mergulhados nos rios que somos. Por fim, a
reflexão profunda, diante das águas que nosso narrador contempla. É
com ele, em silêncio, que pensamos juntos: Arthur morre afogado, mas
era exímio nadador. Parece o mesmo rio, o do início e o do fim, mas
é impressão. O rio, sabemos de Heráclito, ignora permanência, e
nós já não somos os mesmos.
***
História da Chuva
Carlos Henrique Schroeder
Romance
Editora Record
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