Por Adriane Garcia
Passo Imóvel, de Lilian Sais, plaquete com
dez poemas, traz para a leitora/o leitor a possibilidade de uma
viagem profunda e introspectiva. No pouco espaço de uma
plaquete, Lilian Sais consegue nos transportar para o amplo cenário
da solidão, um porão enorme, cheio de memórias.
De imediato, nota-se dois grandes méritos na
poesia de Passo Imóvel: a beleza das palavras
escolhidas com muita exatidão, como signos para que a
leitora/o leitor construa o que não foi dito; o ritmo quase
silencioso, sussurrado, a voz baixa, como convém a alguém
numa madrugada de insônia. No adiantado da leitura, percebe-se
que a autora trabalha uma narrativa única, orgânica,
para uma personagem entre quatro paredes.
Alguns vocábulos merecem destaque como chaves que
Lilian Sais usa para comunicar sentidos e sentimentos. A personagem
aparece pela primeira vez no âmbito da palavra “madrugada”
e termina com a palavra “palmo”. Entre insônia e morte, a
autora revela a claustrofobia do passado, a palavra “casa” como
símbolo não do que habitamos, mas de tudo que nos
habita e a luta para que o futuro não seja eternamente quatro
paredes sem “janelas”. “Janela”, por exemplo, utilizada nos
versos “do que tenho,/ se tudo é possível/ deve
haver/ uma janela// - sempre há uma janela”, remete ao
problema colocado nos versos do poema anterior: “palavras batem/
no fígado// e estouram no céu/ da boca,// mas não
ultrapassam/ a barreira// dos dentes/ cerrados.”
A poesia de Passo Imóvel reflete sobre a
palavra que é anterior à fala ou à escrita,
aquilo que não é falado e que, portanto, ainda não
foi inventariado. Também a palavra “inventário”
neste trabalho de Lilian Sais traz uma força especial à
narrativa. É um inventário o que sua personagem
(eu-lírico) tenta fazer. Sua impossibilidade de sair da casa,
de sua própria solidão, revela-se no uso de “vendas”
nos olhos, quando vai para o ambiente externo, como se só
fosse possível ver dentro. O passo é imóvel: ela
sai sem sair.
Estar consciente de tamanha consciência aumenta a
solidão e faz com que não se possa amar as convenções,
muito menos se submeter: “não convenho:/ da loucura
preservo/ essa obstinação.// do que convém/
apenas tomo/ o prescrito,”. O ato de fumar aparece como ato de
utilidade simbólica para um ser erodido, a erupção
do cigarro sendo também a erupção de si, as
cinzas como produto de desabamentos e escombros.
Com grande habilidade de síntese, Lilian Sais nos
conta que a solidão é uma casa habitada por velhas
palavras. Entre a prisão do passado e um futuro calculado em
palmos – sete, para ser exata – , Passo Imóvel não
tem lugar para o presente; porém, tanto é dito no não
dito. A liberdade da leitora/do leitor pode traduzir que o presente é
a janela que a personagem de Lilian Sais procura.
não é sina pouca
percorrer no futuro
passos passados:
silencia sinos.
peço,
de trago em trago
que entre
potência e exaustão
eu ainda seja
possível.
***
Passo Imóvel
Lilian Sais
Poesia
Ed. Cozinha Experimental
2018