Por Adriane Garcia
O filho da empregada, conto de Marcelo Labes, é
uma espécie de carta à mãe, rememoração que o filho
faz sobre a infância e a adolescência, na companhia dela, empregada doméstica.
O conto não só é capaz de mover o
leitor para o cenário de sua narrativa, como expõe, de
dentro, a condição de empregada doméstica no
Brasil, com seus resquícios claros de escravidão.
Entre as memórias do filho e o balanço
intelectual e moral que ele faz ao elaborar o passado, o leitor toma
conhecimento da voz de quem sofreu na pele a discriminação
social e entendeu o funcionamento das engrenagens do poder e do
controle, da submissão e da divisão de classes. A
empregada doméstica é sempre “como se fosse da
família”, ainda que seja explorada para que não possa
cuidar materialmente ou presencialmente da sua própria.
Marcelo Labes expõe a ferida de uma sociedade extremamente
preconceituosa, de uma elite egoísta e de uma classe média
incapaz de se identificar com os mais pobres, apesar de estar muito
mais próxima deles, como classe, do que da elite, que tenta
imitar, a duras prestações de cartão de crédito.
Ao escolher como narrador o filho de uma empregada doméstica, o autor
foca o caráter de continuidade da desigualdade social, da
miséria como herança, em um sistema perverso e opressor
de manutenção de privilégios. O filho da
empregada grita o absurdo e a falácia da apregoada e
inexistente meritocracia brasileira.
“Habítávamos dois mundos: o dos
meninos de apartamento, do não-põe-o-pé-pra-fora,
de poucas perdas e muitas vitórias; e habitávamos bem
aqui, onde reconhecem-se as senhoras com seus meninos que, se espera,
encontrem por seus destinos um ofício que lhes assegure, ao
qual se agarrem com as duas mãos por quinze, vinte, trinta
anos e que seja mais do que somente um ganha-pão: que seja
trabalho honesto e que dignifique o homem – e que este seja o filho
que deu mais certo. Deus nos ajude! E ajude a vendedora de Avon que
nos vende, à prestação, os perfumes que lhe
engordam a situação e permitem que todos se aturem por
perto.
Onde ficou o amor? De onde a tua solidão? Que
frase te ilustrará a vida e que palavras serão ditas
quando estiveres num caixão?
–Tão honesta e comprometida!
– Sempre adiantada na chegada e sempre atrasada na
partida!
– Fazia boa comida, mas não sabia limpar o
chão!"
(p. 32/33)
***
O filho da empregada
Marcelo Labes
Conto
2016
ed. Hemisfério Sul
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