Por
Adriane Garcia
"Achar que no Brasil não há conflitos raciais diante da realidade violenta e desigual que
nos é apresentada cotidianamente beira o delírio, a perversidade ou
a mais absoluta má-fé."
Sílvio Almeida.
Livro
imprescindível, Racismo estrutural, do advogado e filósofo Sílvio
Almeida, compõe a coleção Feminismos Plurais, coordenada por
Djamila Ribeiro.
O
livro, além de traçar o desenvolvimento das conceituações dos
tipos de
racismo (concepção individualista, concepção institucional e
concepção estrutural) explica as diferenças e proximidades entre
preconceito, racismo e discriminação. Apesar
de haver indubitável constatação de que “não há nada na
realidade natural que corresponda ao conceito de raça”, com
relação aos humanos, o fato é que o termo é usado politicamente
todo o tempo, principalmente para definir quem vive e quem morre;
quem receberá as benesses do Estado e quem não.
Sílvio
Almeida mostra a ligação entre racismo e política, capitalismo e
racismo, sendo impossível pensar capitalismo, colonialismo,
liberalismo e neoliberalismo sem o racismo, até chegar à
necropolítica, conceito desenvolvido por Achille Mbembe.
Um
livro essencial para pensar o mundo atual (também no conceito de xenofobia) e, principalmente, para entender
e pensar o Brasil: um
país desde sempre dividido, estratificado, desigual, onde “as
instituições são apenas a materialização de uma estrutura social
ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus
componentes orgânicos”.
Muito
bem dito por Sílvio Almeida: “as instituições são racistas
porque a sociedade é racista”.
“A
crise do Estado de Bem-Estar Social e do modelo fordista de produção
dá ao racismo uma nova forma. O fim do consumo de massa como padrão
produtivo predominante, o enfraquecimento dos sindicatos, a produção
baseada em alta tecnologia e a supressão dos direitos sociais em nome
da austeridade fiscal tornaram populações inteiras submetidas às
mais precárias condições ou simplesmente abandonadas à própria
sorte, anunciando o que muitos consideram o esgotamento do modelo
expansivo do capital.
Chama-se
por austeridade fiscal o corte das fontes de financiamento dos
direitos sociais a fim de transferir parte do orçamento público
para o setor financeiro privado por meio dos juros da dívida
pública. Em nome de uma pretensa “responsabilidade fiscal”,
segue-se a onda de privatizações, precarização do trabalho e
desregulamentação de setores da economia. Do ponto de vista
ideológico, a produção de um discurso justificador da destruição
de um sistema histórico de proteção social revela a associação
entre parte dos proprietários dos meios de comunicação de massa e
o capital financeiro: o discurso ideológico do empreendedorismo –
que, na maioria das vezes, serve para legitimar o desmonte da rede de
proteção social de trabalhadoras e trabalhadores – ,da
meritocracia, do fim do emprego e da liberdade econômica como
liberdade política são diuturnamente martelados nos telejornais e
até nos programas de entretenimento. Ao mesmo tempo, naturaliza-se a
figura do inimigo, do bandido que ameaça a integração social,
distraindo a sociedade que, amedrontada pelos programas policiais e
pelo noticiário, aceita a intervenção repressiva do Estado em nome
de segurança, mas que, na verdade, servirá para conter o
inconformismo social diante do esgarçamento provocado pela gestão
neoliberal do capitalismo. Mais do que isso, o regime de acumulação
que alguns denominam de pós-fordista dependerá cada vez mais da
supressão da democracia. A captura do orçamento pelo capital
financeiro envolve a formulação de um discurso que transforma
decisões políticas, em especial as que envolvem finanças públicas
e macroeconomia, em decisões “técnicas” de “especialistas”,
infensas à participação popular.
O
esfacelamento da sociabilidade regida pelo trabalho abstrato e pela
“valorização do valor” resulta em terríveis tragédias
sociais, haja vista que o movimento da economia e da política não é
mais de integração ao mercado – há que se lembrar que na lógica
liberal o “mercado” é a sociedade civil. Como não serão
integrados ao mercado, seja como consumidores ou como trabalhadores,
jovens negros, pobres, moradores de periferia e minorias sexuais
serão vitimados por fome, epidemias ou pela eliminação física
promovida direta ou indiretamente pelo Estado – um exemplo disso é
o corte nos direitos sociais. Enfim, no contexto da crise, o racismo
é um elemento de racionalidade, de normalidade e que se apresenta
como modo de integração possível de uma sociedade em que os
conflitos tornam-se cada vez mais agudos.” (p. 205 a 207)
***
Racismo
estrutural
Sílvio
Almeida
Coleção
Feminismos Plurais
2019
Ed.
Pólen
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