Por
Adriane Garcia
Ao mesmo
tempo, livro póstumo da escritora Susan Sontag, traz ensaios
escritos nos seus últimos anos de vida – nos quais esteve doente – e conferências
proferidas quando do recebimento de prêmios e homenagens internacionais. A
introdução carinhosa do livro é feita por seu filho, o escritor David Rieff,
que a define como uma pessoa ávida.
É mesmo
avidez que pode ser percebida lendo Ao mesmo tempo. A variedade de
assuntos revela uma fome e uma curiosidade pelo mundo: da reflexão sobre a
beleza ou a fotografia ao esvaziamento dos discursos dos políticos; da
literatura de Pasternak, Tsvetáieva e Rilke, seus relacionamentos,
aos desafios da tradução literária; do romance de Tsípkin, Verão em Baden
Baden, que compõe um Dostoiévski com amor, à crítica sem condescendência
aos regimes totalitários, incluindo o soviético, como pode ser visto no ensaio “O
caso de Victor Serge”. Susan Sontag desfila não só sua erudição,
inteligência e sagacidade como sua paixão pela arte e pelo conhecimento.
Ativista dos
direitos humanos, a escritora critica a política imperialista de seu país
e repudia veementemente o tratamento degradante praticado por militares norte-americanos
contra os presos, inclusive em territórios estrangeiros, como as torturas denunciadas
na prisão de Abu Ghraib, sob a desculpa de “combate ao terrorismo”.
Em Ao
mesmo tempo é possível perceber que Sontag lamenta não ter escrito
mais ficção, ocupando grande parte da sua produção com a escrita ensaística, mas
considera uma obrigação ética divulgar a literatura dos outros e expandir seu
alcance – é também uma ativista literária. Neste livro, debruça-se sobre romances
como Embaixo da geleira, de Halldór Laxness ou Artemisia,
de Anna Banti, enquanto pensa o papel da escrita e seu alcance, a ética
e a estética, a obrigação da verdade como um norteador, tecendo uma homenagem à
própria literatura, que ela define como um exercício de liberdade.
“Nós,
escritores, ficamos preocupados por causa de palavras. Palavras significam.
Palavras apontam. São flechas. Flechas cravadas na pele dura da realidade. E
quanto mais portentosa, mais geral for a palavra, mais também se parecerá com
um quarto ou um túnel. Elas podem expandir-se, ou bater em retirada. Podem
impregnar-se de mau cheiro. Muitas vezes nos farão lembrar outros quartos, onde
gostaríamos de morar, ou onde achamos que já estamos vivendo. Elas podem ser
espaços onde não podemos habitar, pois perdemos a arte ou a sabedoria para tal.
E por fim aqueles volumes de intenção mental que não sabemos mais como residir
serão abandonados, lacrados com tábuas, trancados.
O que
queremos dizer, por exemplo, com a palavra “paz”? Uma ausência de conflito? Um
esquecimento? Perdão? Ou um grande cansaço, uma exaustão, um esvaziamento do
rancor?
Parece-me
que o que a maioria das pessoas entende por “paz” é a vitória. A vitória do seu
lado. É isso o que “paz” significa para “eles”, enquanto, para os outros, paz
quer dizer derrota.
Se
predominar a ideia de que paz, embora em princípio desejada, acarreta uma
inaceitável renúncia de demandas legítimas, então o rumo mais plausível será a
prática da guerra por todos os meios possíveis. Se não fraudulentos, os apelos
de paz serão tidos certamente como prematuros. A paz se torna um espaço onde as
pessoas não sabem mais como habitar. A paz tem de ser re-povoada.
Recolonizada...”
(p. 103,
em A consciência das palavras, Discurso ao receber o prêmio Jerusalém)
***
Ao mesmo tempo
Susan Sontag
Ensaios
Companhia das Letras
2008
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