segunda-feira, 15 de julho de 2019

Racismo estrutural, de Sílvio Almeida




Por Adriane Garcia



"Achar que no Brasil não há conflitos raciais diante da realidade violenta e desigual que
nos é apresentada cotidianamente beira o delírio, a perversidade ou
a mais absoluta má-fé." 
Sílvio Almeida.


Livro imprescindível, Racismo estrutural, do advogado e filósofo Sílvio Almeida, compõe a coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro.


O livro, além de traçar o desenvolvimento das conceituações dos tipos de racismo (concepção individualista, concepção institucional e concepção estrutural) explica as diferenças e proximidades entre preconceito, racismo e discriminação. Apesar de haver indubitável constatação de que “não há nada na realidade natural que corresponda ao conceito de raça”, com relação aos humanos, o fato é que o termo é usado politicamente todo o tempo, principalmente para definir quem vive e quem morre; quem receberá as benesses do Estado e quem não.


Sílvio Almeida mostra a ligação entre racismo e política, capitalismo e racismo, sendo impossível pensar capitalismo, colonialismo, liberalismo e neoliberalismo sem o racismo, até chegar à necropolítica, conceito desenvolvido por Achille Mbembe.


Um livro essencial para pensar o mundo atual (também no conceito de xenofobia) e, principalmente, para entender e pensar o Brasil: um país desde sempre dividido, estratificado, desigual, onde “as instituições são apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus componentes orgânicos”.


Muito bem dito por Sílvio Almeida: “as instituições são racistas porque a sociedade é racista”.




A crise do Estado de Bem-Estar Social e do modelo fordista de produção dá ao racismo uma nova forma. O fim do consumo de massa como padrão produtivo predominante, o enfraquecimento dos sindicatos, a produção baseada em alta tecnologia e a supressão dos direitos sociais em nome da austeridade fiscal tornaram populações inteiras submetidas às mais precárias condições ou simplesmente abandonadas à própria sorte, anunciando o que muitos consideram o esgotamento do modelo expansivo do capital.
Chama-se por austeridade fiscal o corte das fontes de financiamento dos direitos sociais a fim de transferir parte do orçamento público para o setor financeiro privado por meio dos juros da dívida pública. Em nome de uma pretensa “responsabilidade fiscal”, segue-se a onda de privatizações, precarização do trabalho e desregulamentação de setores da economia. Do ponto de vista ideológico, a produção de um discurso justificador da destruição de um sistema histórico de proteção social revela a associação entre parte dos proprietários dos meios de comunicação de massa e o capital financeiro: o discurso ideológico do empreendedorismo – que, na maioria das vezes, serve para legitimar o desmonte da rede de proteção social de trabalhadoras e trabalhadores – ,da meritocracia, do fim do emprego e da liberdade econômica como liberdade política são diuturnamente martelados nos telejornais e até nos programas de entretenimento. Ao mesmo tempo, naturaliza-se a figura do inimigo, do bandido que ameaça a integração social, distraindo a sociedade que, amedrontada pelos programas policiais e pelo noticiário, aceita a intervenção repressiva do Estado em nome de segurança, mas que, na verdade, servirá para conter o inconformismo social diante do esgarçamento provocado pela gestão neoliberal do capitalismo. Mais do que isso, o regime de acumulação que alguns denominam de pós-fordista dependerá cada vez mais da supressão da democracia. A captura do orçamento pelo capital financeiro envolve a formulação de um discurso que transforma decisões políticas, em especial as que envolvem finanças públicas e macroeconomia, em decisões “técnicas” de “especialistas”, infensas à participação popular.
O esfacelamento da sociabilidade regida pelo trabalho abstrato e pela “valorização do valor” resulta em terríveis tragédias sociais, haja vista que o movimento da economia e da política não é mais de integração ao mercado – há que se lembrar que na lógica liberal o “mercado” é a sociedade civil. Como não serão integrados ao mercado, seja como consumidores ou como trabalhadores, jovens negros, pobres, moradores de periferia e minorias sexuais serão vitimados por fome, epidemias ou pela eliminação física promovida direta ou indiretamente pelo Estado – um exemplo disso é o corte nos direitos sociais. Enfim, no contexto da crise, o racismo é um elemento de racionalidade, de normalidade e que se apresenta como modo de integração possível de uma sociedade em que os conflitos tornam-se cada vez mais agudos.” (p. 205 a 207)


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Racismo estrutural
Sílvio Almeida
Coleção Feminismos Plurais
2019
Ed. Pólen


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