segunda-feira, 25 de maio de 2020

Anna Akhmátova, Antologia Poética. Seleção, organização e tradução de Lauro Machado Coelho




“Todos nós somos um pouco hóspedes desta vida.
Viver é apenas um pequeno hábito.”
A.A.

Por Adriane Garcia

O volume reúne poemas dos vários livros da poeta russa Anna Akhmátova (1889 – 1966), dispostos em ordem cronológica. Anna Akhmátova teve uma vida marcada pelas duas grandes guerras, pela Revolução de 1917 e pelo Stalinismo. Em sua obra, vida e poética estão completamente imbricadas.

A antologia, organizada e traduzida por Lauro Machado Coelho, que também é biógrafo de Anna Akhmátova, traz notas importantes e permite perceber o desenvolvimento da escrita da poeta, indo dos poemas mais dedicados ao amor, aos relacionamentos, até o registro político e as dores do seu tempo:  seu primeiro marido e pai de seu filho foi preso e fuzilado pelo regime, seu filho, posteriormente foi preso por duas vezes, seu terceiro marido morreu num campo de concentração. Anna teve amigos exilados, transportados para campos de concentração, vitimados pelos expurgos e viu uma geração inteira de poetas desaparecer, sendo uma das poucas sobreviventes quando começou a abertura do regime. Tempo de profundas transformações para a Rússia – e para o mundo – Anna Akhmátova registra também a fome, a doença e o medo em sua obra.

A poeta pertencia ao grupo de poetas chamados acmeístas, grupo que buscava uma poesia de linguagem simples e objetiva, rejeitando as características do Simbolismo. Também não se interessavam pelos temas politizados e o experimentalismo da escola de Maiakóvski e Khlébnikóv. Após a Revolução, os acmeístas pagaram caro por fazer uma poesia acusada de não colaborar com a nova ordem (o que também não impediu que poetas que colaboraram com a ascensão do regime fossem exilados ou mortos).

Os poemas possuem um tom intimista, confessional. São, no mais das vezes, diretos e dispensam adornos. Anna Akhmátova, que durante a vida já era considerada uma grande poeta, desenvolveu um estilo próprio, que muitos avaliaram ter grande influência da prosa russa. É notável sua capacidade de fazer críticas no presente por meio de alguma personagem histórica do passado remoto. Sua poesia avançou das reflexões individualistas para as reflexões que sentem a dor coletiva. No poema “Dedicatória”, sobre as mães que visitam seus filhos na prisão, a poeta demonstra esse sentimento:

Dedicatória

Diante dessa dor, as montanhas se inclinam
e o grande rio deixa de correr.
mas os muros das prisões são poderosos
e, por trás deles, estão as “tocas dos condenados”
e a saudade mortal.
É para os outros que a brisa fresca sopra,
é para os outros que o pôr-do-sol se enternece –
mas nada sabemos disso: somos as que, por toda a parte,
só ouvem o odioso ranger das chaves
e o passo pesado dos soldados.
Levantávamo-nos como para o culto da madrugada,
arrastávamo-nos por esta capital selvagem,
para nos encontrarmos lá, mais inertes do que os mortos,
o sol cada vez mais baixo, o Nevá mais nevoento,
enquanto a esperança cantava bem ao longe...
O veredicto... e as lágrimas de súbito brotam.
E ei-la separada do mundo inteiro
como se de seu coração a vida se arrancasse,
como se com um soco a derrubassem.
E, no entanto, ela ainda anda... cambaleando... sozinha...
Onde estão, agora, as companheiras de infortúnio
desses meus dois anos de terror?
O que estarão vendo, agora, na neblina siberiana?
A elas eu mando a minha última saudação.
março de 1940

A poeta se recusou a sair da Rússia e mesmo em seus poemas observa-se a crítica aos amigos que se exilavam. Anna não gostava de chamar a Rússia de União Soviética. Sabia que sua poesia estava intimamente ligada ao amor à língua, ao povo russo e a uma geografia que também os compunha. Também produziu ensaios e foi tradutora. Sua poesia é importante naquilo que diz e cheia de beleza na forma como diz.



Cerca de ferro fundido
e a cama feita de pinho.
Como é doce não ter mais
de sentir de ti ciúmes.

Forraram a minha cama
com súplicas, com soluços.
Vai, procura o teu caminho
onde queiras, Deus te guie.

Já não ferem teus ouvidos
palavras descontroladas,
já ninguém espera a vela
queimar até o dia seguinte.

Finalmente conseguimos
paz e dias inocentes.
Tu choras – mas eu não valho
uma só de tuas lágrimas.

***
Antologia Poética, Anna Akhmátova
Seleção, tradução do russo, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho
Poesia
Ed. L&PM
2009

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