terça-feira, 25 de julho de 2017

Os sinos da agonia - deste grande autor que é Autran Dourado



Por Adriane Garcia

Termino de ler Os sinos da agonia, de Autran Dourado. Li na edição da Francisco Alves Editora, edição velhinha, letra pequena, espaço de entrelinhas ruinzinho, mas nem isso foi capaz de tirar minha avidez constante na leitura.


O livro é genial, e vale conhecer um resuminho da mitologia que lhe dá uma boa chave de leitura (não que seja necessária, só enriquece; a narrativa, por si só, já conquista o leitor).


Minos, o rei de Creta, casa-se com Persifae e tem vários filhos, entre eles Ariadne e Fedra. Minos recebe um touro de Poseidon, mas tinha que sacrificar esse touro. Encantado pelo touro branco, ele sacrifica outro bovino, enganando Poseidon. Guarda o touro. Mas Persifae, a esposa do rei Minos, apaixona-se pelo animal e quer ter uma relação sexual com ele. Para isso, chama Dédalo (aquele mesmo, o pai de Ícaro) para lhe fazer um disfarce de vaca (!). Da relação de mulher e touro nasce o Minotauro. Minos esconde o filho bastardo da esposa no labirinto (também feito por Dédalo - aliás, parece que Dédalo é que é o problema de metade da mitologia grega). Para acalmar a fera, sete jovens virgens todos os anos têm que ser jogados para o Minotauro se alimentar. Teseu (que era um homem casado com uma amazona, pai de um filho casto chamado Hipólito) entra na história porque se oferece para acabar com essa carnificina. Ao tomar contato com Minos, conhece suas filhas (Ariadne e Fedra) e se apaixona por Ariadne, que lhe dá um fio para que não se perdesse lá dentro. Ele mata o Minotauro e, na volta, abandona Ariadne e fica mesmo é com a irmã dela, Fedra. Casam-se. Fedra vai morar com Teseu, quando se apaixona por seu filho Hipólito, que recusa a relação incestuosa, motivo pelo qual inventa para o marido que Hipólito quis ter relações sexuais com ela. Teseu castiga o filho, que vai para longe, morrendo no mar (um acidente causado por Poseidon). Fedra se mata logo em seguida.


Autran coloca isso no século XVIII, nas Minas. Constrói uma história que envolve o racismo e as forças sociais das Minas mineradoras em decadência. Malvina, João Diogo Galvão, Gaspar e Januário, além de seus escravos Isidoro e Inácia são os personagens que, para além de personificar os mitos gregos, mostrarão os conflitos individuais (tão caros ao mundo autraniano), econômicos e sociais no imbricamento da vida.


A narrativa se desenvolve a partir da troca de protagonismos. Durante a leitura, em algum momento, lembramo-nos da forma como Wilian Faulkner arquiteta Enquanto agonizo. Na agonia de Autran, ver a história pelo lado de Januário requer ver a história pelo lado de Malvina, que requer que vejamos a história pelo lado de João Diogo e de Gaspar, que requer o arremate de Januário. É nessa urdidura que os sinos das igrejas mineiras barrocas tocam, o aviso de que alguém agoniza e que é preciso rezar para que a morte traga, logo, o seu alívio. Uma narrativa brilhante.







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