Por
Adriane Garcia
Assombro
e pavor. Iluminação e transcendência. A beleza de não se querer mais a beleza.
O terror e a epifania. O erotismo na sua forma mais primordial: a morte. A paixão segundo
G.H. de Clarice Lispector é das obras mais geniais que se pode ler em
literatura.
A
busca de sua protagonista é a busca da verdade, mas nem ela sabe exatamente o
que busca, já que está no espaço do desconhecido; a busca da despersonalização,
a busca do ser antes do humano, o inumano (não o desumano), aquele que pode
chegar mais perto de Deus porque esteve no inferno. Busca terrível, percurso
que, de início, parecerá ao leitor acontecer durante uma manhã, em um quarto de
empregada, mas que acontece durante milênios, por funda ancestralidade. Iluminação
que parecerá ter sido desencadeada por uma barata, pelo ser asqueroso de uma
barata, mas que muito antes fora desencadeado pela procura do intervalo, pelo
entre o número um e o número dois, pelo intervalo entre uma nota musical e
outra, pelo intervalo que é o silêncio. Na inexpressividade existe um tesouro,
no tédio, na monotonia. A paixão segundo GH é feita de inversões mirabolantes
que fazem todo sentido, sem querer apelar apenas para a inteligência. Na
inexpressividade pode existir o amor. Que espécie de amor? O amor que se
descobre depois da transgressão, depois de ultrapassada a lei.
Um
livro demoníaco, divino, revelador, onde cada parágrafo é uma obra de arte.
Clarice Lispector pura, a bruxa capaz de atravessar a linha que separa a “normalidade”
da “loucura” e voltar para nos contar.
Absolutamente
imperdível. Agradaria Bataille, agradaria Nietzsche.
“O
medo grande me aprofundava toda. Voltada para dentro de mim, como um cego
ausculta a própria atenção, pela primeira vez eu me sentia toda incumbida por
um instinto. E estremeci de extremo gozo como se enfim eu estivesse atentando à
grandeza de um instinto que era ruim, total e infinitamente doce – como se
enfim eu experimentasse, e em mim mesma, uma grandeza maior do que eu. Eu me
embriagava pela primeira vez de um ódio tão límpido como de uma fonte, eu me
embriagava com o desejo, justificado ou não, de matar.
Toda
uma vida de atenção – há quinze séculos eu não lutava, há quinze séculos eu não
matava, há quinze séculos eu não morria – toda uma vida de atenção acuada
reunia-se agora em mim e batia como um sino mudo cujas vibrações eu não
precisava ouvir, eu as reconhecia. Como se pela primeira vez enfim eu estivesse
ao nível da Natureza.” (p. 52)
***
A paixão segundo
GH
Clarice
Lispector
Romance
2014
Rocco
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