sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Vertigem digital, de Andrew Keen




Por Adriane Garcia

“A transparência é boa demais para ser verdade. O que há por trás desse mundo falsamente transparente?”
Jean Baudrillard (cit. p. 130)
  


O livro Vertigem digital, de Andrew Keen (tradução de Alexandre Martins, ed. Zahar) é um excelente livro para se refletir sobre as redes sociais.

No subtítulo “por que as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando” o autor já dá o tom de crítica com o qual prosseguirá por toda a obra.

Partindo do corpo embalsamado do filósofo Jeremy Bentham, em exposição no University College de Londres, Andrew Keen, de forma rica e habilidosa, convida-nos a pensar, principalmente, a questão da privacidade em tempos de redes sociais.  Utilizando analogias com o cinema (Um corpo que cai, de Hitchcock), com a literatura (1984, de Orwell e Utopia, de More) e com a filosofia (entre outros, Sobre a liberdade, de Stuart Mill), além de informações interessantes sobre o Vale do Silício, Vertigem Digital consegue prender a atenção do leitor com um texto fluido e curioso.

O autor é jornalista norte-americano e historiador formado na Inglaterra, especializado nas criações do Vale do Silício. Ciente de que as redes sociais vieram para ficar e que, neste sentido, não há nada a se fazer, aponta a necessidade de se pensar e repensar o seu uso. Segundo Andrew, as redes sociais podem ser comparadas ao antigo projeto arquitetônico do panóptico, de Jeremy Bentham, utilizado, sobretudo, para prédios prisionais, onde se buscava a maior vigilância com o menor esforço. Empresas bilionárias de internet vendem, a todo momento, os dados que disponibilizamos nas redes, “se você não paga pelo produto, você é o produto”. É a chamada “economia da atenção” ou “cultura participativa”, em que o que está em disputa é o seu tempo e o quanto você se dispõe a revelar. Um mundo de posts, likes e compartilhamentos que não só compete no mundo virtual como compete com o mundo real.

Andrew Keen escreve um livro bem abrangente, que observa o fenômeno das redes sociais tanto no efeito que promovem sobre a vida privada quanto na vida pública ou política, quando dados e informações dos usuários são utilizados para a manipulação, para o bem e para o mal.

Livro para ser lido, relido e indicado para leituras.

“A revolução digital muda tudo, diz Shirky, porque a “cultura participativa” elimina as antigas hierarquias da mídia industrial do século XX. Portanto, não precisamos mais de um estúdio de Hollywood com recursos, como o Paramount, ou de um diretor de cinema autoritário como Alfred Hitchcock, para fazer Um corpo que cai. O monopólio da mídia por Hollywood, no século XX, é substituído pelo que Shirky chama de “produção social” da internet, na qual a cultura é criada por todos nós, e não pelas elites. Assim, a mídia digital se torna literalmente o “tecido conjuntivo da sociedade”, a fonte participativa de cultura e comunidade. Mais uma vez citando John Perry Barlow, todos nos tornamos informação – cada um de nós é um conector participativo nessa produção coletiva de cultura.
Mas Shirky – não por acaso apelidado de Herbert Marcuse da atual intelligentsia da rede – está certo por todas as razões erradas. No século XX, íamos ao cinema para sermos aterrorizados pelos filmes de Hitchcock sobre homens inocentes como Scottie Ferguson, que eram arrastados para pesadelos que não compreendiam nem controlavam. Mas quando as luzes se acendiam, o pesadelo terminava, e estávamos livres para sair do cinema e retomar nossas vidas normais.
Hoje, porém, Um corpo que cai de Hitchcock foi radicalmente democratizado, de modo que todos participamos do drama. Essa é a verdade da “cultura participativa” de Shirky. Vejam, a mídia social se tornou tão onipresente, de tal forma é o tecido conjuntivo da sociedade, que todos nos tornamos Scottie Ferguson, vítimas de uma história assustadora que não compreendemos nem controlamos.
Sim, essa versão digital de Um corpo que cai é estranha pra cacete.
Assim como Gavin Elster idealizou a São Francisco de junho de 1949 e Scottie Ferguson se apaixonou pela falsa Madeleine Elster, Shirky e seus colegas comunitaristas se enamoraram de uma cultura participativa pré-industrial que provavelmente jamais existiu, e sem dúvida não pode ser ressuscitada em nosso mundo supercompetitivo e cada vez mais individualizado do século XXI. E tal como Elster atraiu seu próprio colega da Universidade de Stanford para uma soturna fantasia de logro e coração partido, esses comunitaristas românticos, por uma razão ou outra, arrastam todos nós para um futuro que a maioria na verdade não quer – um love-in digital de publicalidade-padrão; uma luta darwiniana de indivíduos hipervisivelmente relacionados; uma “aldeia global” onde segredo e esquecimento desaparecem; uma “cultura participativa” que projeta uma transparência indesejada sobre toda a nossa vida; um mundo Creepy SnoopOn.me de incessantes verificações no foursquare, de computadores que nos conhecem e varreduras faciais de Facebook, no qual ninguém nunca é deixado sozinho.
Embora Steven Johnson compare de modo favorável o “ecossistema” da internet a um dos recifes de coral cheios de vida de Charles Darwin; embora Nicholas Christakis e James Fowler nos prometam que, “quando você sorri, o mundo sorri com você”; embora Jeff Jarvis nos ofereça uma passagem de volta para a transparência “idílica” da Inglaterra de Henrique VIII; e embora Clay Shirky garanta que “os seres humanos valorizam intrinsecamente uma sensação de contato” – apesar disso tudo, o que a tecnologia em rede produziu de verdade foi a ressurreição do Autoícone de Jeremy Bentham – uma máquina de autoglorificação que promete, com toda a sedução de uma heroína coercitiva de Hitchcock, nos tornar imortais.” (p. 127 - 128)

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Vertigem digital
Andrew Keen
Zahar
2012






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