segunda-feira, 9 de julho de 2018

O filho da empregada - de Marcelo Labes





Por Adriane Garcia


O filho da empregada, conto de Marcelo Labes, é uma espécie de carta à mãe, rememoração que o filho faz sobre a infância e a adolescência, na companhia dela, empregada doméstica.

O conto não só é capaz de mover o leitor para o cenário de sua narrativa, como expõe, de dentro, a condição de empregada doméstica no Brasil, com seus resquícios claros de escravidão.

Entre as memórias do filho e o balanço intelectual e moral que ele faz ao elaborar o passado, o leitor toma conhecimento da voz de quem sofreu na pele a discriminação social e entendeu o funcionamento das engrenagens do poder e do controle, da submissão e da divisão de classes. A empregada doméstica é sempre “como se fosse da família”, ainda que seja explorada para que não possa cuidar materialmente ou presencialmente da sua própria. Marcelo Labes expõe a ferida de uma sociedade extremamente preconceituosa, de uma elite egoísta e de uma classe média incapaz de se identificar com os mais pobres, apesar de estar muito mais próxima deles, como classe, do que da elite, que tenta imitar, a duras prestações de cartão de crédito.

Ao escolher como narrador o filho de uma empregada doméstica, o autor foca o caráter de continuidade da desigualdade social, da miséria como herança, em um sistema perverso e opressor de manutenção de privilégios. O filho da empregada grita o absurdo e a falácia da apregoada e inexistente meritocracia brasileira.


Habítávamos dois mundos: o dos meninos de apartamento, do não-põe-o-pé-pra-fora, de poucas perdas e muitas vitórias; e habitávamos bem aqui, onde reconhecem-se as senhoras com seus meninos que, se espera, encontrem por seus destinos um ofício que lhes assegure, ao qual se agarrem com as duas mãos por quinze, vinte, trinta anos e que seja mais do que somente um ganha-pão: que seja trabalho honesto e que dignifique o homem – e que este seja o filho que deu mais certo. Deus nos ajude! E ajude a vendedora de Avon que nos vende, à prestação, os perfumes que lhe engordam a situação e permitem que todos se aturem por perto.

Onde ficou o amor? De onde a tua solidão? Que frase te ilustrará a vida e que palavras serão ditas quando estiveres num caixão?

    Tão honesta e comprometida!
    Sempre adiantada na chegada e sempre atrasada na partida!
    Fazia boa comida, mas não sabia limpar o chão!"
    (p. 32/33)

***
O filho da empregada
Marcelo Labes
Conto
2016
ed. Hemisfério Sul


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