domingo, 11 de agosto de 2013

Uma vida em segredo







Uma vida em segredo (Editora Rocco)
Autran Dourado

Eu conhecia Macabéa, da Clarice Lispector (A hora da estrela, cuja publicação se deu em 1977). Macabéa, mulher inesquecível. A hora da estrela, narração singular e sensível, riqueza e beleza de um mundo psicológico em alguém pobre, apagado e feio.
Agora conheço Biela, a personagem central de Uma vida em segredo, do Autran Dourado. A história foi publicada em 1964, segundo o autor, por causa de um sonho que teve, em que toda a história lhe foi contada.
Esse foi um encontro que tive com a delicadeza e com uma literatura genial: o que o autor conseguiu foi unir conteúdo e forma indefectivelmente. A personagem é delicada, simples, sutil; a linguagem é delicada, simples, sutil. As frases, mineiramente trabalhadas, são cheias de entrelinhas, de silêncios. Mineiramente. Instrospectivo. 
A história, dando uma sinopse, é a seguinte: depois que morre seu pai, Biela, de 17 anos, analfabeta e acostumada a uma vida absolutamente rural, passa a morar com Conrado, seu primo, que a leva para viver junto com sua família em uma pequena cidade, urbanizada. Constança, esposa de Conrado, busca adaptar Biela a uma vida social de acordo com as posses da família e para tanto encomenda vestidos ricos e tenta ensiná-la a se portar como uma jovem educada. Mas essa adaptação se torna um verdadeiro fracasso. Biela apenas se sente bem ao lado dos empregados da casa onde mora. Cada vez mais, vivencia a sua experiência ao lado das pessoas humildes.
Terminei a leitura há alguns dias, ainda ouço os passos de Biela pela casa, passos leves, arrastadinhos: Biela não quer incomodar. Mas incomoda.
O que humanamente incomoda em Uma vida em segredo é perceber que há sempre vida em segredo, algumas lindas demais. É um livro que desperta os nossos olhos de dentro. Quiçá para o outro. (Adriane Garcia)

7 comentários:

  1. A Adriane estava nascendo (1973) e eu, 16 anos nas cacundas, dava de cara com um segredo: a literatura é capaz de trazer vida, vida como a vida traz mas não mostra, essa medrosa às vezes. A literatura é valente. E o Autran Dourado (fantástico escritor que os leitores brasileiros, em sua maioria, ignoram porque leem mal) publicava exatamente essa novela impecável, UMA VIDA EM SEGREDO, uma capinha vermelha, bonita demais, pela já extinta editora Expressão e Cultura. A mesma que lançou, na mesma época, os romances de formação do Moacyr Scliar. Apaixonei-me imediatamente pela Prima Biela, seu segredo indevassável, sua existência clandestina, sua timidez única. Como pode um autor escrever desse jeito, eu me perguntava? Quase nada há a ser narrado. Quase nada acontece. E era desse exato "desacontecimento" que brotava a grandeza humana de Biela, essa personagem além da conta, esse ser de uma sensibilidade sem igual. E a linguagem, não é, Adriane, a linguagem! O estilo acompanha, mansamente, num ritmo de passos leves, quase imperceptíveis, a trajetória paradoxalmente marcante da protagonista. Sim, porque a Prima Biela é uma protagonista como poucas eu já vi. Não precisa mostrar a que veio. Respira, espia talvez. E essa aventura secreta é toda uma odisseia. Parabéns, grande leitora, capaz de selecionar, para teu blog, só obras-primas.

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  3. adoro autran dourado - um dia eu estava internada no hospital das clínicas, ia ser operada - houve um apagão, atrasaram um pouco, e eu lá, lendo a ópera dos mortos e torcendo para a energia demorar até que eu finalizasse o livro - pensei - se eu morrer nessa cirurgia pelo menos terei lido esta maravilha inteira!

    li o livro, a cirurgia aconteceu e continuo apaixonada por autran dourado!

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  4. Líria, querida, as suas histórias são ótimas. E o seu jeito de contar, melhor ainda. Sei que é poeta, mas nada me tira da cabeça que daria excelente cronista ou contista também. Ópera dos mortos ainda não li, mas agora fiquei com mais vontade de ler. Beijo.

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  5. Me passaram seu blog, adorei. Uma curta resenha sobre um livro delicioso de meu pai. Cheio de mistérios, como ele! Obrigado!

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    1. Fiquei feliz que tenha visto. Os livros são esses encontros. Autran é um escritor incrível, necessário e brilhante.

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  6. Entre as inúmeras coisas que escrevi sobre meu pai, segue esta postagem a respeito da Clarice e da convivência dela com meu pai e minha mãe. São muitas postagens, e se achar alguma coisa mais lhe mando. http://blogdohenriqueautran.blogspot.com.br/2015/07/a-paixao-segundo-clarice-lispector.html

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