O
livro foi publicado em 1984. A autora, Marguerite Duras, estava com 70 anos. O
ponto de partida da obra é uma observação que fazem à protagonista narradora.
“Certo dia, já na minha velhice, um homem se
aproximou de mim no saguão de um lugar público. Apresentou-se e disse: “Eu a
conheço há muito, muito tempo. Todos dizem que era bela quando jovem, vim
dizer-lhe que para mim é mais bela hoje do que em sua juventude, que eu gostava
menos do seu rosto de moça do que desse de hoje, devastado.””
Autobiográfica,
a narrativa se passa na Indochina – quando ainda era colônia francesa – e vai
se desfiando com o ritmo da tristeza sem desespero, daquela tristeza que desde
o começo, parece, a narradora já sabia que se conformaria e, então, foi
adiantando o processo. Nada era fácil: a relação conflituosa com a mãe; a
adoração maternal pelo irmão mais novo, o “irmãozinho”; o ódio pelo irmão mais
velho, opressor; a condição social desconfortável e o preconceito racial presente
na relação do amor possível e impossível com um oriental.
A
circularidade do texto é o casamento do conteúdo e da forma: a narradora tem a consciência
de quem sabe que já deve contar com o esquecimento e, por isso, preenche as
lacunas com a imaginação, com a lembrança vaga. Sem ser vago, o livro é
composto daquele tempo que se leva para rememorar algo muito passado, ora
trazendo um elemento novo, ora acrescentando um detalhe ao já falado.
“Eu observava o que ele fazia comigo, como se
servia de mim e jamais imaginei que isso fosse possível, estava além de minhas
esperanças e ia ao encontro da sina do meu corpo. Assim me transformei em sua
filha. Ele havia se tornado outra coisa também para mim. Eu começava a sentir a
doçura indescritível de sua pele, de seu sexo, muito além dele mesmo.”
Erótico,sim.
Mas não do erotismo banal, preocupado apenas em descrever cenas. Nada disso. O
amante consegue ser sensual, mas extremamente dolorido, forte, mas muito
delicado, mostrando a complexidade que há por trás mesmo da capacidade de amar
e de sentir prazer.
Boa leitura!
Não é fácil resenhar uma novela como O AMANTE, mas Adriane Garcia, com sua leitura minuciosa e seu texto atento consegue pegar os pontos nevrálgicos da história e recuperar para quem já leu há tanto tempo (ou para quem nunca leu) uma absoluta obra-prima. A constatação derradeira de Adriane, acerca da natureza especial desse erotismo raro, especial, que Duras soube retratar, é uma prova de que há crítica legítima no Brasil. Pena que não seja na FOLHA DE S.PAULO! Obrigado, Adriane, por matar minha saudade de um livro que li, marcou-me, mas que naturalmente algumas passagens estavam já camufladas na memória, e tu as reavivaste. Beijo!
ResponderExcluirObrigada, querido. Beijo.
ResponderExcluirSe voce for a Adriane G. (lembrando Roberto Drummond) que ganhou o premio Paraná de Literatura em Poesia 2013, digo-lhe que espero a publicação do livro para conhece-lo e a poeta (nem todos os acentos estão saindo neste comentário-cartinha). Quanto a (a crase não saiu. fez tanta falta assim?) Marguerite, gosto muito da autora, da qual li também "A Dor", publicado em 1985, versando sobre a resistencia a invasão alemã, na segunda guerra. De fato, concordo com o comentário ao final do livro, de que a autora escreve sobre assunto rigorosamente pessoais. Por isso, talvez, sua narrativa tenha tanto vigor. Um abraço, e até o livro.
ResponderExcluirSim, Santana, sou eu que tive a grata surpresa de saber meu Fábulas premiado. Que bom que está visitando o blog. Estou enrolando para postar o próximo, Final do Jogo, Julio Cortazar. Falta de tempo mesmo. Um abraço.
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