quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Nihonjin – Sagas para nos tornarmos visíveis


Por Adriane Garcia

Eu havia acabado de ler uma citação do escritor turco Orhan Pamuk: “o juízo moral é um inevitável terreno pantanoso no romance. Tenhamos em mente que a arte do romance produz seus melhores resultados não quando julga as pessoas, mas quando as compreende”. Concomitante, eu lia Nihonjin e pensava que, quando fosse escrever sobre o livro de Nakasato, usaria essa citação, porque era exatamente o que eu sentia sobre o modo como ele realizara este romance.

Muitas perguntas se interpuseram durante minha leitura. Eu me perguntava, principalmente, se eu havia lido em literatura outra história cujos personagens fossem esses, trazidos pela imigração japonesa ao Brasil. E eu me respondia não, respondia não para várias perguntas que me fazia, de meu desconhecimento sobre essas pessoas, sobre esse processo, não o histórico, que acabamos sabendo em linhas gerais, muitas vezes, mas o processo íntimo, que somente a literatura oferece.

O que Nakasato nos dá nesta sua obra é uma saga. A saga de uma família japonesa, marido, esposa e agregado que vem trabalhar na lavoura do café, na segunda década do século XX. Por meio desta família e sua descendência, o leitor apreende e aprende, torna-se aquele que se aproxima do outro e: compreende. Desde o avô, o ojiichan, súdito do imperador, nacionalista inflexível, ao filho Haruo, nascido em solo brasileiro e cujos valores apontavam na direção da assimilação e do convívio possível de dois mundos; da esposa que, com naturalidade, somente se sentava à mesa para comer, após a refeição servida do marido, à que tudo abandona, em busca da sua realização pessoal, o que o leitor vislumbra é a formação de cada um e lê, empático, sobre personagens que figuram em antagonismo.

A narração é fluida, a estrutura do romance se dá entre capítulos que quase funcionam como contos. Presente e passado, na voz eficiente de um narrador que deixa claro, desde o início, que está trabalhando com a memória cheia de lacunas, que está preenchendo essas lacunas com as entrevistas que faz com seu avô Hideo e seu tio Hanashiro, com o convívio, o ouvir dizer de suas tias e seu pai, com o despertar das fotos amareladas que dormiam numa caixa de papelão. É de tentar imaginar como veio aquela primeira esposa do avô, Kimie, doce e trágica personagem que chega a ser poética, aguardando a neve no Brasil, que Oscar Nakasato começa sua reconstituição.

O livro é um convite para descobrir este outro mundo que veio habitar o Brasil, que construiu colônias, que ergueu o bairro da Liberdade, que se recusava a aceitar a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial, que precisou aprender a viver com o gaijin, que, pensando se proteger, lutou contra a miscigenação dos seus, mas que não conseguiu controlar o chamado invencível do amor (o amor, sabemos, desconhece etnias).

Ao contar a história da família de Hideo no Brasil, Nakasato nos apresenta detalhes da vida desses imigrantes, leva-nos para dentro de suas casas, de seus conflitos, de suas dificuldades, de sua luta, de sua invisibilidade. Nihonjin é um livro que ensina e emociona e que em sua linguagem tão comunicativa se constitui um romance com predicados de excelência e sem nenhum pedantismo.
É de ler, reler e até dar de presente.

Ojiichan, comparando Kimie com a vovó, disse que eram muito diferentes, que ela, Kimie, era medrosa, fraca, que não servia para o trabalho duro da lavoura. E falou, rindo um riso que não ria havia muito tempo, um riso que trazia do passado distante, que ela ficou esperando pela neve no Brasil. Eu me surpreendia enquanto o riso ia se transformando em um sorriso melancólico.
Agora via nas marcas de expressão de seu rosto e nos olhos cansados uma mágoa que trazia daquele passado. Eu disse:
–  Gostaria de tê-la conhecido.
– Para quê? Não fazia nada direito, mal falava.
        Mas gostei de Kimie, interessei-me por ela. Pensei nela como personagem, alguém que nasceu da espera pela neve numa fazenda, no interior de São Paulo.(p. 10 – 11)

*** 

Nihonjin
Oscar Nakasato
Benvirá
2011


4 comentários:

  1. Maravilhoso esse seu comentário. Eu vou colocar esse também na minha fila de leitura, esse ano a contabilidade, tem me deixado com pouco tempo para ler, qualquer literatura que não seja contábil, mas vou colocar em dia minha fila ....

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    1. Dinoã, esse é daqueles livros que nos acrescentam muito e ao mesmo tempo dão um prazer enorme de leitura. Fluido. Vai gostar.

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  2. gracias adriane - também tive vontade de ler!!!

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  3. putz - saiu o diabo do burrinho, dri - besos!!!

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