Por
Adriane Garcia
Eu
havia acabado de ler uma citação do escritor turco Orhan Pamuk: “o juízo moral
é um inevitável terreno pantanoso no romance. Tenhamos em mente que a arte do
romance produz seus melhores resultados não quando julga as pessoas, mas quando
as compreende”. Concomitante, eu lia Nihonjin e pensava que, quando fosse
escrever sobre o livro de Nakasato, usaria essa citação, porque era exatamente
o que eu sentia sobre o modo como ele realizara este romance.
Muitas
perguntas se interpuseram durante minha leitura. Eu me perguntava,
principalmente, se eu havia lido em literatura outra história cujos personagens
fossem esses, trazidos pela imigração japonesa ao Brasil. E eu me respondia
não, respondia não para várias perguntas que me fazia, de meu desconhecimento
sobre essas pessoas, sobre esse processo, não o histórico, que acabamos sabendo
em linhas gerais, muitas vezes, mas o processo íntimo, que somente a literatura
oferece.
O
que Nakasato nos dá nesta sua obra é uma saga. A saga de uma família japonesa,
marido, esposa e agregado que vem trabalhar na lavoura do café, na segunda
década do século XX. Por meio desta família e sua descendência, o leitor
apreende e aprende, torna-se aquele que se aproxima do outro e: compreende.
Desde o avô, o ojiichan, súdito do imperador, nacionalista inflexível, ao filho
Haruo, nascido em solo brasileiro e cujos valores apontavam na direção da
assimilação e do convívio possível de dois mundos; da esposa que, com naturalidade, somente se sentava à mesa para comer, após a refeição servida do marido, à que tudo abandona, em busca da sua realização pessoal, o que o leitor vislumbra é a
formação de cada um e lê, empático, sobre personagens que figuram em
antagonismo.
A
narração é fluida, a estrutura do romance se dá entre capítulos que quase
funcionam como contos. Presente e passado, na voz eficiente de um narrador que
deixa claro, desde o início, que está trabalhando com a memória cheia de
lacunas, que está preenchendo essas lacunas com as entrevistas que faz com seu
avô Hideo e seu tio Hanashiro, com o convívio, o ouvir dizer de suas tias e seu
pai, com o despertar das fotos amareladas que dormiam numa caixa de papelão. É
de tentar imaginar como veio aquela primeira esposa do avô, Kimie, doce e
trágica personagem que chega a ser poética, aguardando a neve no Brasil, que
Oscar Nakasato começa sua reconstituição.
O
livro é um convite para descobrir este outro mundo que veio habitar o Brasil,
que construiu colônias, que ergueu o bairro da Liberdade, que se recusava a
aceitar a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial, que precisou aprender a
viver com o gaijin, que, pensando se proteger, lutou contra a miscigenação dos
seus, mas que não conseguiu controlar o chamado invencível do amor (o amor,
sabemos, desconhece etnias).
Ao
contar a história da família de Hideo no Brasil, Nakasato nos apresenta
detalhes da vida desses imigrantes, leva-nos para dentro de suas casas, de seus
conflitos, de suas dificuldades, de sua luta, de sua invisibilidade. Nihonjin é
um livro que ensina e emociona e que em sua linguagem tão comunicativa se
constitui um romance com predicados de excelência e sem nenhum pedantismo.
É de ler, reler e até dar de presente.
“Ojiichan,
comparando Kimie com a vovó, disse que eram muito diferentes, que ela, Kimie,
era medrosa, fraca, que não servia para o trabalho duro da lavoura. E falou,
rindo um riso que não ria havia muito tempo, um riso que trazia do passado
distante, que ela ficou esperando pela neve no Brasil. Eu me surpreendia
enquanto o riso ia se transformando em um sorriso melancólico.
Agora
via nas marcas de expressão de seu rosto e nos olhos cansados uma mágoa que
trazia daquele passado. Eu disse:
–
Gostaria de tê-la conhecido.
–
Para quê? Não fazia nada direito, mal falava.
Mas gostei de Kimie, interessei-me por
ela. Pensei nela como personagem, alguém que nasceu da espera pela neve numa
fazenda, no interior de São Paulo.” (p. 10 – 11)
***
Nihonjin
Oscar
Nakasato
Benvirá
2011
Maravilhoso esse seu comentário. Eu vou colocar esse também na minha fila de leitura, esse ano a contabilidade, tem me deixado com pouco tempo para ler, qualquer literatura que não seja contábil, mas vou colocar em dia minha fila ....
ResponderExcluirDinoã, esse é daqueles livros que nos acrescentam muito e ao mesmo tempo dão um prazer enorme de leitura. Fluido. Vai gostar.
Excluirgracias adriane - também tive vontade de ler!!!
ResponderExcluirputz - saiu o diabo do burrinho, dri - besos!!!
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