terça-feira, 30 de abril de 2019

Poesia & Utopia, sobre a função social da poesia e do poeta, de Carlos Felipe Moisés




Por Adriane Garcia

Poesia e utopia, sobre a função social da poesia e do poeta, de Carlos Felipe Moisés, editado pela Escrituras, na coleção Ensaios transversais, traz reflexões importantes sobre a poesia e o sentido de se fazer poesia, além de discutir a função do poeta.

Sem tentar conceituar o que é poesia de forma definitiva, sabendo que muitas podem ser as definições (e indefinições), o autor adota o conceito de “ver como se víssemos pela primeira vez”. Traz no primeiro ensaio a expulsão do poeta da República de Platão, discutindo sobre a periculosidade do poeta e sobre liberdade e utopia: “Utopia e liberdade são inconciliáveis. Os sábios governantes de qualquer república “ideal” sabem ou simulam saber o que é melhor para todos e não hesitam em impô-lo, contra a vontade de quem quer que seja, vedando a partir daí todo avanço, todo conhecimento, toda liberdade.”

Ao adotar o conceito de poesia como aquilo que faz ver algo como se o víssemos pela primeira vez, destaca o potencial antipedagógico da poesia, pois, visto, o objeto tem que ser desconstruído, “desensinado”, para poder ser visto novamente, mas como se nunca antes. Neste sentido é que a poesia é intrinsecamente rebelde e traz seu potencial revolucionário.

No ensaio Make it new, parte de Ezra Pound e Confúcio. Das palavras de Confúcio: “O homem que mantenha vivo o que é velho e, ao mesmo tempo, reconheça a novidade, esse homem pode, eventualmente, ensinar”, Carlos Felipe Moisés encontra o Canto LIII, de Pound: “Tching orou na montanha e/ Escreveu: FAÇA-O NOVO/ em sua tina de banho/ Dia a dia faça-o novo/ apare a moita/ empilhe as toras/ mantenha-o crescendo.”

Em Pelos olhos e pelos ouvidos, Carlos Felipe Moisés destaca a diferença, no aspecto da periculosidade, da cidadania, entre a poesia falada e a poesia escrita. Aquela, coletiva, dita em praça pública; esta, individual, presa na página e no silêncio da vida privada. Neste sentido, discutirá a poesia e a ação política, o tecnicismo e o hermetismo.

Em Da praça pública à mansarda, Carlos Felipe continua a discussão do impacto político e da importância do poeta nas sociedades antigas e atuais.

No último capítulo, A hora da poesia, o autor continua defendendo não as respostas, mas as perguntas. Pois é preciso continuar escrevendo, lendo e falando poesia, e se perguntando para que ela serve e qual é a função do poeta em um mundo globalizado, onde cada vez mais o discurso em defesa apenas de funções técnicas servis a um mundo empresarial e globalizado ganha adeptos. Um discurso que nos aproxima das máquinas e nos distancia da nossa humanidade.


“Que papel representa para nós, hoje, essa milenar atividade humana, que continuamos a chamar “poesia”? Que espécie de realidade entrevemos ou julgamos entrever num poema, quando dele nos acercamos para ouvir a voz do poeta? Que relações mantém entre si a realidade “poética” e a “outra”, esta a que todos estamos presos, antes e depois, ou para aquém e para além do nosso contato com a poesia?
Tais são, em sua formulação mais singela, as questões que pretendemos investigar. Por várias razões, entre as quais não conta pouco a mescla de cautela e ceticismo que deve mover todo empenho ensaístico, proponho que nossa atenção se concentre, o mais demoradamente possível, nas perguntas atrás apenas esboçadas, para só então arriscar uma possível resposta. O único propósito que nos move é o misto de curiosidade e perplexidade sugerido na abertura. Por isso, convém insistir na reiterada ruminação da dúvida, sem pressa de chegar a qualquer resultado. Nesta nossa era de urgência global, que não tem tempo a perder e nos incita à corrida desenfreada no encalço de mais produção, mais qualidade e eficiência (ou seria eficácia?), proponho que nosso esforço adote de modo deliberado o ritmo contrário, o ritmo pausado e moroso de quem não tem convicções definidas a respeito do que seja “ganhar” ou “perder” em matéria de tempo; o ritmo, em suma, de quem dispusesse de todo o tempo do mundo para dedica-lo à questão da surpreendente sobrevida da poesia.”
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Poesia & Utopia, sobre a função da poesia e do poeta
Carlos Felipe Moisés
Ensaio
Ed. Escrituras
2007


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