segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Cloro, de Alexandre Vidal Porto




Por Adriane Garcia

O romance Cloro (Cia das Letras), de Alexandre Vidal Porto é narrado em primeira pessoa pelo advogado Constantino. O narrador, já falecido, não sabe bem em que lugar da eternidade se encontra. A partir de seu estado de “morto”, Constantino procura passar a vida em “revista”. Sem as amarras morais a que as convenções da sociedade obrigam, nada mais precisa ser fingido ou ocultado, afinal, mentir só faz sentido para os vivos. É então que Constantino terá coragem de contar sobre sua homossexualidade e como se deu a sua construção de homem heterossexual e homofóbico.

Como no romance anterior de Alexandre Vidal Porto, Sérgio Y. vai à América (Prêmio Paraná de Literatura, Cia das Letras), a escrita é direta e clara, o ritmo de frases curtas cadencia a narração. A inesquecível cena que revela a razão do título do livro é de um erotismo belo, fino e sutil. O interesse do leitor em Cloro é mantido do princípio ao fim; em capítulos curtos, muito bem costurados, o autor dá, aos poucos, os eventos que explicam Constantino e sua morte obscura, misteriosa para o leitor até quase o fim do livro.

É na infância que acontece a ruptura entre o que Constantino é (ser) e o que Constantino irá se tornar (estar). Um evento secreto e traumático de viés homofóbico, cometido por seu colega de escola, Marcos Bauer, traçará a linha que Constantino definirá, aos oito anos, como divisória entre a espontaneidade da criança, que simplesmente sente, e a performance limitada, do macho adulto que finge, com medo de ser descoberto.

A partir dos oito anos, Constantino estará na vida como quem está permanentemente num palco, atuando, sem descanso, para não ser pego em flagrante. Na rota de fuga, todo o aparelhamento do homem hétero bem-sucedido, uma espécie de kit-homem-de-bem: sucesso profissional, casamento, família, aceitação social e bastante afirmação de masculinidade, com pitadas de homofobia: “Nunca hostilizei ninguém cara a cara. Não me considerava homofóbico, mas participava de piadas e levantava suspeitas condenatórias contra possíveis homossexuais. Acho que devo ter vergonha disso, você concorda?” Obviamente, o que este narrador nos traz é uma vida triste, premida pelos ditames do patriarcado, camuflada, que envolve filhos e amores não vividos. Ser infeliz é também fazer infeliz.

Um segundo evento traumático, agora na vida adulta de Constantino, causará uma reviravolta, quando ele começará a fazer um raio-X de suas relações e um princípio de mudança.

Cloro é um livro interessantíssimo e corajoso, que traz um personagem crucial para a nossa reflexão, aquele que, impedido de ser e exercer a sua sexualidade, participa de um mundo triste, de tanta violência e engano. A negação e a dor de Constantino oferecem o retrato de uma sociedade que prefere enrustir e anular, quando a vida é curta e talvez não haja tempo para ser feliz, se gastamos todas as horas com o que esperam de nós. Haverá tempo para alguma realização sexual e amorosa genuína de Constantino? O leitor torce por ele, mas o autor, assim como as vidas mal vividas, é impiedoso.


Os avós de Débora haviam sido pioneiros no Jardim Virgínia, no Guarujá, e tinham uma casa grande na esquina da avenida Atlântica com a rua do canal. Durante nosso namoro, passamos vários feriados nessa casa.
Quando isso acontecia, eu dividia quarto com o meu cunhado Sílvio, irmão único e mais velho de Débora. Esse quarto que ocupávamos – “o quarto dos rapazes” – era na verdade uma garagem convertida em dormitório adicional. Ficava separado da casa, do lado de fora, com acesso independente.
O quarto tinha dois beliches de madeira, uma cômoda e um pequeno armário perto do banheiro com azulejos azul-celeste e um chuveiro elétrico que sempre dava defeito.
Sílvio era cinco anos mais velho do que eu. Na época em que dividíamos o quarto mais frequentemente, ele começava a explorar sua vida adulta. Dirigia, bebia, saía à noite. Nem Débora nem eu ocupávamos muito de sua atenção. Ele não era rude, mas pouco falava conosco. Tinha coisas mais importantes para fazer.
Sílvio e Débora acabaram ficando muito mais próximos ao longo dos anos, sobretudo depois da doença dos pais. Já eu nunca consegui desenvolver uma relação espontânea ou íntima com o meu cunhado.
A culpa terá sido minha, porque acho que não desenvolvi relação íntima ou espontânea com ninguém. É difícil ser espontâneo quando se tem medo. Como ser íntimo quando a intimidade é o que mais apavora você?” (p. 33/34)

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Cloro
Alexandre Vidal Porto
Cia das Letras
Romance
2018










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