“Amor
Substantivo
masculino mas de todos os gêneros, singular
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Acalmar
os ânimos. Arrefecer.
Velocidade
de cruzeiro.
Sujeito
a derivações, desvirtuações, vícios e fim.
Ver
paixão.”
Por
Adriane Garcia
Já
dizia Mario
Quintana
que “todos
os poemas são de amor”,
mesmo se um poeta falar de um gato. Foi esse o verso que me veio à
memória enquanto ainda estava nas primeiras páginas do Dicionário
de imprecisões
(ed. Impressões de Minas), de Ana
Elisa Ribeiro.
O decorrer da leitura confirmou a declaração do querido poeta
gaúcho, que certamente teria gostado do humor e da ironia fina no
livro da autora, coisas que lhe eram tão afeitas em poesia.
Partindo
de verbetes, a poeta escreve seu dicionário afetivo. Escolhe as
palavras que irão compô-lo e constrói poemas com um ritmo
peculiar, e isto é muito interessante: que grande parte do livro faz
o poema dançar ao som do que sabemos ser leitura de dicionário;
porém quem acompanha a poesia de Ana
Elisa Ribeiro
sabe que sua voz poética vem nos mostrando uma habilidade de falar
sério e brincar, no mesmo poema, ao mesmo tempo, com tema e forma.
Falando em habilidade, neste dicionário, os fechamentos dos poemas
são como fagulhas acendendo o pensamento, ora para confirmá-lo, ora
para traí-lo: poesia repleta de inusitado.
Também
é de se notar que em Dicionário
de imprecisões
a poeta traz seus conhecimentos da área de linguística para a
poesia, assim como estabelece o contrário. É brincando com a
organização que ela desorganiza, seu campo de estudos é invadido e
invade, valida e invalida, define e indefine. O resultado é um livro
delicioso, que alcançará várias camadas de sensibilidade, efeito
da poesia que sabe se aproveitar de todos os meandros de uma palavra.
Se
a poeta fala de amor, também fala de política (“a
América do Sul padece/ da síndrome de Estocolmo?”),
da experiência de ser uma mulher, sobretudo uma mulher que escreve –
fala de feminicídio; fala da maternidade, da própria página em
branco, antes do poema; do objeto livro, do sentimento medo; sobre as
definições e indefinições dos gêneros quanto à sexualidade,
afinal, “nos
dicionários isso é mais simples do que na vida”.
Os poemas chegam a abranger o grande problema nacional da leitura
(“No
país, vamos precisando de óculos/ que ajudem a interpretar”),
assim como em um deles, Ouro
Preto,
retoma a fotografia, tema de seu livro anterior, Álbum.
Curioso e bonito: Saudade
ganha um lugar especial no dicionário.
O
livro, com projeto gráfico muito bonito de Elza
Silveira,
conta com ilustrações de Wallison
Gontijo
e traz, ao final, um índice curioso, em que o leitor, só após a
leitura dos poemas, dá-se conta de que leu um dicionário incompleto
em que algumas letras iniciais não são contempladas. Esse é um
ponto interessante, pois a poeta, quando definia um de seus verbetes,
“Dicionário”,
já havia nos avisado que nenhum dicionário é capaz de abarcar toda
a experiência de um sujeito e, por isso, um dicionário “deve
ser lido com intensa fé”.
Lemos o dicionário de Ana Elisa Ribeiro com fé, e até vermos o
índice, acreditamos que tudo está ali – então que nos deparamos
com a falta de que a poesia cuida.
Voltando
ao primeiro parágrafo e ao verso de Mario
Quintana,
Dicionário
de imprecisões
é um livro sobre o amor. Por isso dedica uma página para definir
“Agora”.
Pois o amor é urgente. Já a palavra “urgente” não entra em seu
dicionário, porque os bons livros são aqueles que deixam alguma
coisa para o leitor escrever.
Escadas
Substantivo
feminino aqui no plural
Escalera
é vocábulo do espanhol para nossa escada.
Escadas
são para escalar, por
supuesto,
e
me atraem as coisas mais literais.
No
entanto, escadas podem servir para sentar e descansar ou
sentar
e chorar, como fiz quando entreguei meu filho ao pai
pela
primeira vez.
As
escadas laterais do edifício em que trabalho servem para
amantes
telefonarem para suas e seus amores,
além
de abrigarem casais fazendo sexo,
às
vezes, arriscando, amorosamente, suas reputações.
Nunca
ouvi dizer que tenham se arrependido.
Filho
Substantivo,
aqui masculino e sujeito a plural
1.
Diz-se daquele que nasce das entranhas de alguém.
2.
Diz-se daquele que se forma a partir da matriz biológica
de
seus pais e nasce das entranhas da mulher.
3.
Diz-se daquele que pode ser adotado por pessoas
dispostas
ao amor.
4.
Diz-se daquele que provê céus e infernos a outrem.
5.
É extremamente comum que tenha como mãe uma puta.
6.
É também comum que não sejam mesmo putas suas mães.
7.
Os pais escapam a essas acusações.
8.
Os dicionários não podem definir essas relações
satisfatoriamente.
***
Dicionário
de imprecisões
Ana
Elisa Ribeiro
Poesia
Ed.
Edições de Minas
2019
Ilustrações
Wallison Gontijo
134
páginas
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