Por
Adriane Garcia
Dias de abandono
(ed. Globo, tradução de Francesca Cricelli) é a história de Olga, uma mulher que, depois de quinze anos de
casamento e com dois filhos, recebe a notícia do fim de seu casamento. A princípio,
tentando entender o gesto de Mário apenas como uma fase, Olga se esforça por
sustentar seu equilíbrio, crente de que em pouco tempo, ele voltará para casa.
Daqui em diante, a narrativa, que é em primeira pessoa, dá ao leitor a sensação
de estar descendo uma escada sem fim, em espiral, vertiginosa.
Elena
Ferrante é mesmo uma escritora e tanto. Sua voz narrativa é potente e simples,
objetiva e bem construída, limpa e de grande alcance. Em Dias de abandono, ela nos dá um romance envolvente, faz o leitor
acompanhar a protagonista com ansiedade e provoca empatia por sua personagem
mesmo quando suas ações já são de completo desequilíbrio.
Mais
que o retrato do fim de um relacionamento, o que Elena Ferrante nos faz sentir
em Dias de abandono é a tênue linha
que podemos atravessar ao nos perdermos de nós mesmos, o nosso despreparo, tão
humano, de viver o conflito extremo, a luta interna por nos recuperarmos,
trazendo-nos a nós mesmos.
Até
que ponto Mário é ou pode ser estrutura para esse outro ser humano, Olga? Que caminhos
Olga percorrerá para fortalecer novamente a sua identidade, que passara a se
confundir com a do outro? Em um mundo esfacelado de casamentos desfeitos, onde
e como se encaixam as crianças?
Um
livro sincero, tocante, de cuja história não nos esquecemos mais.
“Uma tarde de abril, logo após o almoço, meu
marido me comunicou que queria me deixar. Fez isso enquanto tirávamos a mesa,
as crianças brigavam como sempre no outro cômodo, o cachorro sonhava
resmungando ao lado do aquecedor. Disse-me que estava confuso, que vivia maus
momentos de cansaço, de insatisfação, talvez de covardia. Falou por muito tempo
dos nossos quinze anos casados, dos filhos, e admitiu que não tinha o que
reclamar deles nem de mim. Manteve a compostura de sempre, contendo um gesto de
excesso com a mão direita quando me explicou com uma careta infantil que vozes
leves, certo sussurro, o levavam para outro lugar. Depois assumiu a culpa de
tudo que estava acontecendo e fechou com cuidado a porta atrás de si,
deixando-me como uma pedra ao lado da pia.”
(primeiro
parágrafo, p. 5)
***
Dias de abandono
Elena Ferrante
Trad. Francesca Cricelli
Romance
Ed. Globo
2016
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