Por Adriane Garcia
Entre
o passado e o presente, carregando um futuro que não haverá, um homem caminha
parado. Uma esteira rolante combinaria bem com este personagem “eu lírico” do
livro de Alberto Bresciani. A vida o leva – como a esteira –, não para
Barcelona.
Este
personagem está a nos falar da falta, em suas nuances várias, da incomunicabilidade,
presença de fulcro na mitologia pessoal que move os trabalhos deste autor e em
um de seus autores prediletos, Paol Keineg. Se em Incompleto Movimento (José
Olympio - 2011) o exílio era uma das forças temáticas do discurso, aqui em Sem
passagem para Barcelona ele se adensa, pois que é impossível outro asilo que
não o próprio esconderijo interno, esconderijo insuficiente, já que a
consciência o atinge todo o tempo, esta de não possuir controle algum sobre o
destino, de não poder, nem mesmo o herói, impedir as tragédias e, ao contrário,
advir delas. Não por acaso, falando de heróis e tragédias, inevitavelmente nos
lembramos dos gregos antigos.
Como
antídotos, que jamais resolvem os
problemas do cenário, mas permitem ao homem continuar, o autor traz dois
grandes elementos de redenção: a fé e a poesia. Na verdade, em Sem passagem
para Barcelona há um terceiro elemento, mas deste falaremos mais tarde. A visão panorâmica de desencanto de Alberto Bresciani é
nietzschiana, mas o poema não concede ao filósofo:
“O Deus que conheço
não morreu
Está
Entre a fome e fama
em meio ao que explode
ou afaga
flor e moeda
Terras que escorrem
matam crianças
cavalos
a última ave
Mas sim
está
II
Depois do grito do riso
restam farpa tarefa
burla
atalho algum que me
engane ou salve?
III
No encalço da crença
um céu branco
estanca”
O
embate citadino – pois o habitante deste poeta é sempre urbano no cinza – se dá
inúmeras vezes entre a estética (poesia) e a necessidade e, no caso de vencer o
belo, esta vitória deve estar no âmbito do secreto, visto que a beleza não é
admitida:
“Lá em cima
sobra andar de um lado
ao outro
comer pedaços de azul e
esperar
a voz dos cortes
fechados”
Não
há lugar para uma natureza feliz. Eis um homem civilizado, é o que nos diz
Alberto Bresciani.
Desconforto, sofrimento crônico, Eros aprisionado, anjos
caídos, o amor diversas vezes apresentado como um paraíso, mas um paraíso de
expulsão; solidão, insuficiência da linguagem, aprisionamento em si,
efemeridade, paralisia.
Onde se esconderá o herói? Na identidade secreta, no alter
ego. Todos querem ser amigos de Bruce Wayne, mas ninguém conhece as sombras de
Batman. Havia que se esconder na memória, nos tempos de antes, quando a alegria
cheirava a lavanda: “A despeito da sufocação/na memória/um perfume/resistia”.
Mesmo a memória doerá.
A
terceira redenção é a morte: “Como agora/arriscar as veias?/Onde se apaga/o
vazio?// Soube de búfalos/que trocam o cansaço/pela própria morte”.
O
herói não tem armas de fogo, o herói apenas possui armas humanas e, neste
sentido, é o anti-herói. Bruce Wayne não pode ser, não pode “não participar” e
Batman desistiu. Esta é sua resistência:
“Nesta
manhã
Gotham
não será salva
Estarei
mudo e surdo
às
súplicas e ranhuras
E
além disso
–
claro protesto –
sequer
cortarei
as
unhas”
Já
na capa de Sem passagem para Barcelona, este homem, melhor dizendo, este vulto
dentro do trem (do ônibus?) parte. Engana-se quem pensa que ele comprou algum
bilhete e segue. Não. Ele volta. Em Bresciani não há passagem para o futuro.
Barcelona é apenas um sonho avesso à claustrofobia de Gotham.
Alberto Bresciani nasceu no Rio de Janeiro. Publicou, em 2011 , Incompleto movimento (José Olympio). Integra antologias e tem poemas e contos em portais da internet, revistas e jornais especializados.
Sem passagem para Barcelona é uma publicação da editora José Olympio, 2015.
Adriane Garcia é leitora, poeta, historiadora, arte-educadora e atriz.