Paro
diante de Chá de sumiço e outros poemas assombrados (editora
Autêntica, 2013). Há dias, este livro de André Ricardo Aguiar me
olha na estante. Sim!, já nos conhecemos rapidamente, li pulando
páginas, na pressa, dizendo-me: quero encontrá-lo novamente,
qualquer dia, com tempo – esse meu tempo que vive tomando chá de
sumiço.
Agora
apostei comigo. Ordenei-me sentar. Logo me recebeu o vampiro dentro
da xícara com um líquido vermelho parecendo sangue. Pensei em
hibiscus e abri o livro: a delícia de sorver as primeiras
ilustrações (de Luyse Costa), caveirinhas, ossos cruzados, as
letrinhas trêmulas de coragem.
No
primeiro poema, André (para quem ainda não conhece sua brilhante
literatura) já dá seu recado:
Lua
de coveiro
Tem
nada demais
que
a Lua vá minguar
no
cemitério.
Ela
também não tem
onde
cair morta.
É.
Este é um daqueles livros aparentemente feitos para crianças, mas
que têm muito a dizer para os adultos. Destas obras que, como Sapato
furado, de nosso Mario Quintana, atravessam a classificação, o que
demonstra sua qualidade de não subestimarem os pequeninos nem de caírem na esterilidade artificial do politicamente correto. Certa vez,
Quintana nos presenteou com esta explicação: “Eu já escrevi o
Sapato florido. Como, porém, nesta vida nem tudo são flores,
apresento-vos agora o Sapato furado...”
Chá
de sumiço nos falará de família, sociedade, morte, separação,
medo, a perplexidade de estar diante da natureza, de estar no mundo
sem ter conhecimento sobre todas as coisas. Falará tudo isso
brincando.
A
alma do negócio
Não
seria um bom negócio
fabricar
rolos de esparadrapos
pras
múmias que estão só trapos?
E
não daria mais lucro
fazer
uma linha de protetor lunar
só
pra lobisomem usar?
Não
seria um sucesso de vendas
tevês
de ectoplasma
pra
distrair os fantasmas?
E
que sucesso estrondoso
bruxas
descendo em vassouras
com
trem de pouso?
André
Ricardo Aguiar percorre nosso imaginário do medo em referências que
vão da literatura ao folclore, da mitologia aos “causos”
brasileiros: Frankenstein, monstros, fantasmas, almas penadas, casas
assombradas, vampiros, zumbis, morcegos, lobisomens, bruxas, múmias,
medusas, mulas-sem-cabeça e bicho-papão (tem até bicho-papinho).
Assim, Chá de sumiço e outros poemas assombrados assombra, alumbra
e joga luz. Penetramos a escuridão protegidos pelo humor e pelo
trabalho primoroso com a palavra, num discurso direto, mas criativo;
non sense, mas inteligível; e muito sonoro.
Leitura
rica para os primeiros leitores, que podem se apaixonar por poesia
quando o que lhes é apresentado é tão bom. Leitura deliciosa para
adultos que sentem prazer na poesia que diz e sabe como dizer.
Pedido
Se
eu morrer um dia,
se
minha sombra não tiver um corpo para se escorar,
se
eu tentar fazer barulho e só sair mímica,
se
eu descobrir meu nome apagado,
e
se eu me olhar no espelho e não me achar,
se
um dia não precisar de maçaneta
pra
ir de um cômodo a outro,
se
eu passar pela cozinha e não sentir fome,
e
se eu não tiver ouvidos para o telefone,
e
pé e topada não se toparem,
e
se a casa ficar assombrada com minha risada,
mesmo
assim, a todo custo,
se
eu conseguir chegar até você,
promete,
jura que promete,
não
levar um baita susto?
Quando
terminei de ler estava feliz e me sentindo muito privilegiada (sempre
me sinto assim diante dos bons livros) e muito indignada por não ter
tomado deste chá antes.
André
Ricardo Aguiar, autor do livro A idade das chuvas, nasceu em
Itabaiana, Paraíba, em 1969. Publicou, entre outros, os livros de
poemas A Flor em Construção (Editora Ideia, 1992) e Alvenaria
(Editora Universitária/UFPB, 1997). Também é autor de diversos
livros infantis e de crônicas. Participou de revistas, suplementos e
antologias, como Correio das Artes, Jornal Rascunho, Poesia Sempre,
Ficções(Portugal) e em revistas eletrônicas como Zunái,
Cronópios, Blecaute e Musa Rara.
qual e o personagem prinsipal
ResponderExcluirAmei esse livro! Surpresas boas do começo ao fim. Meus filhos às vezes lêem em voz alta, e rimos juntos. Doce, apesar do tema.
ResponderExcluirAmei esse livro! Surpresas boas do começo ao fim. Meus filhos às vezes lêem em voz alta, e rimos juntos. Doce, apesar do tema.
ResponderExcluirTambém amo. Beijos, Arlete.
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