segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Não chore - De Luiz Bras



Por Adriane Garcia


Não chore, de Luiz Bras (heterônimo de Nelson de Oliveira) é uma novela que discute, de forma instigante, o aparelho prisional brasileiro. 

Enquanto percorremos um lugar do futuro (que reconhecemos inúmeras vezes ser já o lugar do agora, o lugar distópico do agora), com personagens que cruzam a história como realidades paralelas, aparentemente sem se tocarem, somos colocados em contato com a reflexão sobre esta instituição que consideramos natural e não questionamos: o sistema carcerário.

No livro, os personagens, também desenhados por Teo Adorno (outro heterônimo de Nelson), retratam negros e negras (estes habitantes mais que comuns na vida real das celas nacionais). 

Trabalhando na contramão do esperado (sempre), Luiz Bras devolve a estes "criminosos"  a sua ancestralidade e mais: a sua origem cósmica, grandiosa, misturando à contemporaneidade da linguagem e do cenário mitos antigos e fundadores da trajetória humana. Deuses, orixás, xamãs, espíritos e animais das florestas, guerreiros se misturam, assim como velhas e novas roupagens, velhos e novos rituais, armas antigas e armas somente possíveis na ficção científica. Um aparato que pergunta: "Você está com a gente? Está disposto a explodir presídios?" 

Com cenas de imensa solidão e violência - mas uma violência que nos diz "você já está se acostumando há tempos", Luiz Bras nos leva a reconhecer tendências interiorizadas e mesmo a flagrar o quanto os discursos institucionalizados já domesticaram e anestesiaram nossas mentes, o  quanto paralisamos o exercício de pensar sobre Estado e controle e sobre o que realmente o Estado controla, para quem, o quê  e o quanto é importante que nos convença por completo que trancafiar os "criminosos" é primordial. A vitória da vingança sobre a reabilitação. 

Mas não chore, nem tudo está perdido, parece que é impossível extinguir, por completo, a capacidade humana de sentir e de se comover com o outro, ainda que isso já seja apenas fragmento. Um defeito na máquina fria?

Um livro com um viés anarquista; uma discussão muito interessante e necessário.


"VAI FICAR ADMIRANDO ESSA torre o dia todo? Joga logo.
Raquel, vamos tomar um café, conversar no mundo real...
Que besteira. Já estamos conversando no mundo real. Quem disse que a web não faz parte do mundo real?
Você está filosofando. A web não tem cheiro, não conheço teu perfume, o aroma do teu xampu... Eu queria acariciar tua pele, mas a web não tem a sensação sutil do tato.
Ainda não, mas em dez anos isso será resolvido. Uma prótese neural mais eficiente, um antivírus quântico...
Não quero esperar dez anos pra sentir você.
Que drama, garota! Que diferença faz conhecer alguém no mundo real? Por que isso é tão importante? Você conhece dezenas de pessoas no teu colégio, nem por isso parece feliz & satisfeita.
Raquel, o que você sente por mim? De verdade? Você tem medo de quê? De chorar? De se apaixonar?
Ai, meus pentelhos. Joga logo, Soo-Yun."


Não chore
Luiz Bras
Editora Patuá
2016

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