sábado, 14 de outubro de 2017

A paixão segundo G.H. – de Clarice Lispector



Por Adriane Garcia

Assombro e pavor. Iluminação e transcendência. A beleza de não se querer mais a beleza. O terror e a epifania. O erotismo na sua forma mais primordial: a morte. A paixão segundo G.H. de Clarice Lispector é das obras mais geniais que se pode ler em literatura.

A busca de sua protagonista é a busca da verdade, mas nem ela sabe exatamente o que busca, já que está no espaço do desconhecido; a busca da despersonalização, a busca do ser antes do humano, o inumano (não o desumano), aquele que pode chegar mais perto de Deus porque esteve no inferno. Busca terrível, percurso que, de início, parecerá ao leitor acontecer durante uma manhã, em um quarto de empregada, mas que acontece durante milênios, por funda ancestralidade. Iluminação que parecerá ter sido desencadeada por uma barata, pelo ser asqueroso de uma barata, mas que muito antes fora desencadeado pela procura do intervalo, pelo entre o número um e o número dois, pelo intervalo entre uma nota musical e outra, pelo intervalo que é o silêncio. Na inexpressividade existe um tesouro, no tédio, na monotonia. A paixão segundo GH é feita de inversões mirabolantes que fazem todo sentido, sem querer apelar apenas para a inteligência. Na inexpressividade pode existir o amor. Que espécie de amor? O amor que se descobre depois da transgressão, depois de ultrapassada a lei.

Um livro demoníaco, divino, revelador, onde cada parágrafo é uma obra de arte. Clarice Lispector pura, a bruxa capaz de atravessar a linha que separa a “normalidade” da “loucura” e voltar para nos contar.

Absolutamente imperdível. Agradaria Bataille, agradaria Nietzsche.
  
“O medo grande me aprofundava toda. Voltada para dentro de mim, como um cego ausculta a própria atenção, pela primeira vez eu me sentia toda incumbida por um instinto. E estremeci de extremo gozo como se enfim eu estivesse atentando à grandeza de um instinto que era ruim, total e infinitamente doce – como se enfim eu experimentasse, e em mim mesma, uma grandeza maior do que eu. Eu me embriagava pela primeira vez de um ódio tão límpido como de uma fonte, eu me embriagava com o desejo, justificado ou não, de matar.
Toda uma vida de atenção – há quinze séculos eu não lutava, há quinze séculos eu não matava, há quinze séculos eu não morria – toda uma vida de atenção acuada reunia-se agora em mim e batia como um sino mudo cujas vibrações eu não precisava ouvir, eu as reconhecia. Como se pela primeira vez enfim eu estivesse ao nível da Natureza.”  (p. 52)

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A paixão segundo GH
Clarice Lispector         
Romance
2014
Rocco











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