Por
Adriane Garcia
“A religião masculina sepulta as mulheres em sepulcros de silêncio, a fim de entoar o seu próprio canto fúnebre eterno e triste para um passado que nunca existiu.”
Mary Daly
O livro Exegese
feminista reúne artigos das teólogas Luise Schottroff, Silvia Schroer e
Marie-Theres Wacker, apresentando os resultados de seus estudos feministas
sobre a Bíblia. Já na introdução, acompanhamos a luta pela instrução
formal de mulheres, a difícil história do acesso às mulheres nos estudos de Teologia,
já que as universidades as proibiam de frequentar os cursos e mesmo as que
conseguiram ser pioneiras não alcançavam espaços de palavra ou sacerdócio nas
igrejas. Mesmo nos dias de hoje, muitas igrejas, de várias denominações, não
permitem o ministério e/ou o púlpito às mulheres.
As autoras
contam a história da interpretação bíblica feita por mulheres na Alemanha a
partir do século XIX e mostram quais caminhos vêm trilhando as exegeses
feministas, para as quais são utilizadas hermenêuticas variadas: as hermenêuticas da lealdade, da rejeição, da
revisão, do eterno-feminino e da libertação.
O livro é
um bom ponto de partida para ler a Bíblia a partir de uma perspectiva
feminista, lembrando que as três teólogas são cristãs, portanto, seus estudos
não partem de uma hermenêutica da rejeição.
Na primeira
parte, Marie-Teres Wacker apresenta as bases históricas, hermenêuticas e
metodológicas construídas a partir do marco fundacional, “A Bíblia da Mulher”,
chegando às discussões atuais sobre a questão da objetividade/parcialidade
científica, a questão do cânon bíblico e o alerta para que a exegese feminista
não caia em um antijudaísmo cristão; ao contrário, que trabalhe com as feministas
exegetas judias. Na segunda parte, Silvia Schroer desenvolve uma
reconstrução feminista da história de Israel a partir do Primeiro Testamento
(chamado desta forma justamente para não cair na armadilha de um
antijudaísmo cristão) e oferece informações sobre a atuação e as práticas das
mulheres nos diferentes períodos históricos em que foram escritos os textos
bíblicos. Silvia Shroer ainda oferece seções temáticas como “Quem
é Eva”, “Trabalho das mulheres”, “A polêmica sexualidade feminina”,
“Mulheres e violência no Primeiro Testamento”, entre outros temas. Na terceira
parte, Luise Schottroff lança o olhar sobre o cristianismo primitivo, a
partir do Novo Testamento, oferecendo uma análise feminista de alguns
conceitos teológicos como imagem de Deus, imagem da mulher, sexualidade e
pecado, parúsia (a segunda vinda de Cristo), cruz, sacrifício,
cristologia, além de detalhar ferramentas metodológicas para a prática da
exegese feminista.
Os
estudos da história da teologia feminista mostram hermenêuticas que variam, havendo
aquelas que partem do princípio de que é possível conciliar um papel de
igualdade da mulher com o texto patriarcal (desde que se descubra nele outros substratos
para o lugar ativo das mulheres), até aquelas que, pareadas com a citada
teóloga feminista Mary Daly (1928/2010), acreditam que “requerer
igualdade para as mulheres na igreja é como haver pessoas negras requerendo igualdade
na Ku Klux Klan”.
“Hermenêutica
feminista e primeiro testamento
[Silvia
Schroer]
Para
mulheres judias e cristãs, os escritos da Bíblia Hebraica são a herança ou
parte da herança a qual elas se referem. Mas a relação com esses escritos é diferente.
A exegese judaica feminista encontra-se até hoje numa tradição de interpretação
viva e contínua desses livros, enquanto a teologia cristã aproximou-se deles de
forma muito mais seletiva e distanciada. A exegese judaica conhece, em sua
história, a crítica histórica, com Spinoza estando no seu início, mas também a
interpretação da escritura rabínica, que, em geral, está pouco interessada em
questões históricas. Na ciência bíblica cristã, há muito tempo se dá grande
importância a perguntas como: O que aconteceu historicamente? Qual é a intenção
do sentido original do texto? Quando o texto foi escrito? Mostrou-se, nos
últimos anos a importância do diálogo entre teólogas judias e cristãs justamente
a respeito dos livros bíblicos que elas têm em comum. Assim, com seu livro “De
novo estamos no Sinai”, Judith Plaskow apresentou um esboço de teologia judaica-feminista
que está fortemente ligado à tradição que faz perguntas de caráter histórico.
Exegetas cristãs aprenderam de judias a considerar mais a história da recepção
de textos e de descobrir neles sua mensagem libertadora, na medida que elas não
os leem com uma hermenêutica do ceticismo, mas com um crédito antecipado (assim,
por exemplo, Phyllis Trible).
O
conceito da parte seguinte desse curso básico também se baseia fortemente em
questionamentos históricos. Uma razão para essa decisão é que, justamente para
o Primeiro Testamento, ainda não existem tais esboços gerais, isto é, existe um
déficit. A outra razão é que não podemos abrir mão da reconstrução histórica. A
perda de história significa uma perda de poder – uma aprendizagem que motiva
sempre de novo especialmente movimentos de libertação negros a procurar por
suas raízes.” (p. 83/84)
***
Exegese Feminista: resultados
de pesquisas bíblicas a partir da perspectiva de mulheres
Luise Schottroff, Silvia
Schroer e Marie-Theres Wacker
Tradução de Monika Ottermann
Teologia feminista
Ed. Sinodal
2008
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