sexta-feira, 31 de julho de 2020

Urubus, de Carla Bessa




 

Por Adriane Garcia

 

 

Urubus, de Carla Bessa, apresenta-se como um livro de contos; porém, situa-se naquele conjunto de obras literárias que mostra como são fluidas e transversais as fronteiras dos gêneros.

 

Nos dezoito contos do livro é possível identificar o mesmo narrador, ainda que haja narração em terceira e primeira pessoas do singular e um conto na terceira pessoa do plural. É que o narrador de Carla Bessa narra os fatos exteriores e, repentinamente, é puxado para o fluxo psicológico do personagem; uma voz reconhecível perpassando as histórias, o mesmo tom. O recurso funciona deliciosamente porque a leitora/o leitor fica com uma sensação indefinida de não saber se o narrador interrompeu ou foi interrompido por seu próprio personagem. Aquilo que seu personagem não sabe sobre si, seu narrador também parece não saber, ora conhecendo os fatos, ora tendo consciência deles apenas no momento em que o personagem toma a palavra. Toda essa movimentação narrativa de dentro e de fora oferece uma grande naturalidade e movimento ao que está sendo contado, enquanto contribuem para tornar menos pesado o que nos temas tratará de algumas de nossas maiores misérias.

 

O conflito central que Carla Bessa traz para Urubus é a miséria material. Não por acaso, a obra se inicia com o conto homônimo ao título do livro, em que o cenário é um lixão. Impossível ler o conto Urubus e não se remeter ao poema O bicho, de Manuel Bandeira. Mas se em O bicho, Bandeira flagra o que sabemos e fingimos esquecer, “O bicho, meu Deus, era um homem” – daí o susto, Carla Bessa nos aproxima ainda mais da cruel notícia: antes, o bicho era uma criança. Em Urubus os contos se desenvolvem a partir de conflitos individuais, mas subjaz o motor do conflito coletivo: a desigualdade econômico-social, principalmente nos centros urbanos.

 

Próximo ao realismo social, tão aflorado nos pós-guerras, a escolha por este viés denota a batalha perene em que se encontra o cenário de Carla Bessa. Urubus expõe a pobreza a que são relegados os trabalhadores brasileiros e suas famílias, ainda que nem todos os contos apontem diretamente para essa denúncia. E este é um grande mérito do livro: que as vidas se entrelacem a partir de algum lugar em que deixar uma criança comendo lixo afete a todos, instaurando um caos que se naturaliza, a ponto de não sabermos mais o que é causa e o que é consequência. A ave que remete à podridão, que come carne se decompondo, sobrevoa tanto a carcaça física das pessoas quanto a carcaça moral de um país. Temos a impressão de que até a infelicidade no casamento ou a solidão extrema em um asilo poderiam ter sido evitadas se tivéssemos dado condições de vida decentes para todos.

 

Se o caráter de escritora que se compromete com a transformação da sociedade, denunciando suas mazelas, faz com que exponha cruelmente a fome, a morte violenta, o assalto induzido pela pobreza, a perda da infância, a violação dos direitos trabalhistas, a imundície e a discriminação contra as minorias, os riscos do aborto ilegal para a mulher, o estigma sobre a relações homoafetivas, isso tudo é feito tão habilmente que não há detrimento da preocupação estética, em um texto que chega a ter uma musicalidade poética (como demonstra o trecho ao fim desta resenha), tampouco são deixadas de lado questões puramente existenciais – em tudo, a busca de algum amor. Ao adotar um tempo cíclico e não um tempo linear, Carla Bessa funde tema e forma e, como no planar dos urubus, movimenta o mundo que lemos (e vivemos) como quem nos diz que só há saída rompendo o círculo. Mas diz sem dizer. O narrador de Urubus não toma partido, apenas observa e se alimenta.

 

Com engenho na construção das frases, sem rebuscamento ou desperdício, Urubus nos leva para um texto ágil, que sabe aproveitar os sentidos. Aqui, um excerto do conto “Todo sábado todo domingo”:

 

Com olhos distantes vai tirar os pãezinhos de queijo do freezer, será que ele casou, que amou, que teve filhos e netos? Aparecida só sabia do seu fim, trágico, no meio de uma praça, um assalto bobo, bobo, não era para ter reagido, ele sempre foi esquentado. Parece que jogava damas com um amigo. Os pãezinhos congelados na mão, ela joga sobre a mesa, o frio e a morte assim à toa arrepiam Aparecida.”

 

Tanto o lixão quanto o urubu são realidades e são metáforas. No sistema de produção e consumo das coisas há falta e desperdício. O resultado de um sistema baseado em coisas é a coisificação do humano e dos outros seres que também habitam o planeta. Há, com isso, um problema ambiental: o país não resolve nem o problema do lixo, nem o problema da fome. Estudos especializados mostram que 6,9 milhões de toneladas de lixo sólido não são coletadas pelos serviços de limpeza pública e têm destino desconhecido. Do lixo que é coletado, quase metade é descartada de forma inadequada, cerca de 30 milhões de toneladas. Essa enorme quantidade é enviada a lixões que não têm sistemas para proteção do solo, das águas ou das comunidades no entorno (Dados do Plano Nacional de Resíduos Sólidos-2017). O resíduo, em muitos casos, acaba se transformando em alimento, transmitindo doenças.

 

No círculo inteligente e sagaz que Carla Bessa constrói em Urubus para reproduzir o círculo que percebe na realidade brasileira (e na vida, de forma holística), a proliferação dos lixões transmite também a infâmia. É um problema moral quando a fome cria o homem-chorume do conto Urubus. É um problema moral quando a família traz a avó idosa para casa (Todo sábado todo domingo), como uma agregada, sem jamais incluí-la, deixando claro que ela não faz parte daquele grupo, não permitindo (símbolo) que ela partilhe os mesmos objetos dos demais. É um problema ambiental, que afeta a todos, porque tudo está ligado nas nossas pequenas tragédias cotidianas. De maneira que Carla Bessa constrói uma narrativa de contos que coloca um dos pés no outro lado da estrada, a do romance. Porém, não faz isso para provar qualquer virtuosismo, mas porque encontrou a exata forma daquilo que, parecendo independente entre si, ganha contornos necessários para a visão do todo quando se junta. É o voo do urubu que, do alto, oferece-nos o panorama não da vida de uma mulher, um homem, uma criança, mas de uma humanidade; que, rasante, nos coloca tão próximos dos personagens que podemos lhes sentir a respiração e o medo e que, pousado, conta-nos que cheiro temos.

 

“Zezinho liberto pisa naquele peito, nos braços, o homem afunda afunda. Zezinho desacorrenta a raiva o medo, pula em cima do esfarrapado, dá chute na cara suja da criatura. A cabeça vira bola, rola de um lado para o outro, resfolegando colada na sola do menino. Por fim o corpo pende para o lado, descamba para dentro de um desnível uma vala, Zezinho não tinha visto, quase vai junto.

 

De repente, do rabo do olho, ele advinha o pai acenando, ô, vem cá moleque, tô te chamando! Zezinho plantado-estatelado, não se mexe nem a cabeça vira. Agora o olhar pregado no deslumbre do homem escorrendo para dentro da terra, esfarelando-se, liquefazendo. Zezinho fica com medo, será que matei o sujeito. Nisso, sente uma mão embrutecida um tentáculo sobre o ombrinho pontudo de tão magro, um susto da porra, o menino quase desmaia. Mas era só o pai, a boca anunciando, esse aí, dizem que ele vive aqui. É o homem-chorume, o fantasma, o anjo do lixão. Não mexe com ele, não. Aí Zezinho aprende que o ser humano no lixo falta pouco para ser lixo humano. Zezinho compreende que aquele é ele dali a alguns anos.”

 

(excerto do conto Urubus, p. 13)

 

 

***

Urubus

Carla Bessa

Contos

Ed. Confraria do Vento

2019

 

 


segunda-feira, 22 de junho de 2020

Poética do ciborgue, de Ernesto Manuel de Melo e Castro






Por Adriane Garcia

Poética do ciborgue: antologia de textos sobre tecnopoiesis, de Ernesto Manuel de Melo e Castro, editado pela Confraria do Vento, traz ensaios interessantes em que o autor reflete sobre a poesia e as suas transformações ligadas aos meios tecnológicos. Dos poemas visuais ao infopoema, Ernesto contextualiza as mudanças ocorridas no modo de fazer o poema.

Na primeira parte, trabalha-se os conceitos de poesia, transpoesia e repoesia nas literaturas brasileira e portuguesa. Na segunda parte, o autor nos fala da poesia concreta e da poesia digital, a infopoesia como uma poética do pixel, videoposia, transpoética fractal e literatura hipertextual.

Procurando demonstrar o alargamento do campo da poesia, em que literatura e artes plásticas se fundem, Poética do ciborgue é um livro curioso, no sentido de mostrar esses campos da invenção em que a própria palavra (fonética) quer ultrapassar-se (extinguir-se?).

Com as novas tecnologias e suportes, hoje com velocidade cada vez maior de aparecimento e desaparecimento, o poeta também se utiliza das máquinas/próteses na feitura do poema, e essa visualidade se transforma. O modo de olhar de uma sociedade é influenciado também pelos suportes que ela utiliza.

***

Poética do ciborgue
Antologia de textos sobre tecnopoiesis
E. M. de Melo e Castro
Confraria do Vento
2014



Pesado demais para a ventania, antologia poética, de Ricardo Aleixo




Por Adriane Garcia

Pesado demais para a ventania, antologia poética de Ricardo Aleixo, publicada pela editora Todavia, tem seleção do próprio poeta, que nos conta na “nota do autor” que a maioria dos poemas escolhidos é constituída daqueles que ele utiliza em performances pelo Brasil e pelo exterior.

Multiartista, Ricardo Aleixo é ele próprio um testemunho da poesia. Seus poemas são grafados no papel e/ou no corpo (corpografia, a exemplo de O poemanto), nas apresentações performáticas que faz, no seu modo de sobreviver de arte, na voz e no movimento, no seu constante trabalho de ressignificação do mundo. Tudo isso pode ser percebido nos seus versos que, escritos por um autodidata erudito e incansável, compõem-se também em interlocução com o teatro, a dança, a música, as artes plásticas, as experimentações sonoras e de vídeo, em uma escrita que sai do seu domínio tradicional e adentra outros espaços, inclusive das novas tecnologias.

A antologia Pesado demais para a ventania vem quando este autor completa 25 anos de produção poética e permite um contato rico e vigoroso com sua poesia; nela estão seus temas, sua cosmogonia pessoal, referências artísticas e intelectuais, experimentação linguística, mitopoética, registro de resistência e posicionamento sócio-ético-político.  Já de entrada o poeta alerta (este é o primeiro poema que nos recebe) que não fala português: fala pretoguês. Após essa significativa entrada, que conta com a visualidade da arte da fotografia em amálgama, a antologia se complementa em seis partes.

Em Desde e para sempre há um destaque maior para as questões de origem, nascimento e morte. Poemas cujos personagens são principalmente a família, pai, mãe, irmã. A leitura e a escrita aparecem como constituintes dessa origem, dois atos intrinsecamente ligados à identidade que se construiu. Não à toa, o primeiro orixá que aparece nessa sequência é Exu, o comunicador. Nessa primeira parte, o leitor toma contato com poemas de assuntos fundadores para uma obra que é sobretudo orgânica, nada nela é estanque, e se considerarmos que essa antologia não possui ordem cronológica, fica ainda mais interessante notar que ela cresce tanto do início para o fim, quanto do fim para o começo. O que se depreende disso é que em qualquer fase da poesia de Ricardo Aleixo há uma essência e um acréscimo, seja ele de tema e/ou de forma. Também importantíssima a posição de denúncia contra o racismo e o genocídio da juventude negra no país, já demarcada no poema Na noite calunga do bairro Cabula, cujo ponto de partida foi a chacina ocorrida no bairro Cabula em Salvador, em que a Polícia Militar assassinou 12 jovens entre 15 e 28 anos e deixou outros 6 gravemente feridos. As Polícias Militares seguem matando a juventude negra por todo o país nessa noite interminável. O poema além de emocionante é uma perfeição técnica de ritmo, sonoridade e uso das palavras.

Na segunda parte, intitulada “Outros, o mesmo”, a abertura se dá com um poema sobre ganância e corrupção, escrito em dísticos (uma forma cara ao poeta); destacam-se também os temas existenciais, filosóficos, a reflexão sobre o espaço-tempo, um olhar atento ao sentimento de se localizar no mundo e entre as coisas. Nessa seção, comparecem os poemas visuais e o O poemanto: ensaio para escrever (com) o corpo. Esse poema é especialmente importante pois, escrito, ele é somente parte do próprio poema, sua análise. Nele estão contidas ideias e conceitos que atravessam o trabalho do poeta. Na forma escrita: a liberdade de transitar os gêneros; é poema e é ensaio sobre o poema, é poema e é a análise sobre a apresentação do poema. O poemanto é também um objeto. O corpo do artista precisa vestir O poemanto, como Arthur Bispo do Rosário precisava do manto para falar com Deus. O manto é pintado com substantivos retirados de versos do livro Trívio (2001). O poemanto, lido e/ou apresentado, só se completa com a co-criação do público, enquanto o lê/vê. Eis aqui o caráter coletivo que a obra do poeta encontra. Lembra a palavra vanguarda, mas não no sentido antiquado que o termo assumiu, hoje mais parecendo querer dizer retaguarda. O poemanto tem uma proposta de avante porque, na sua inquietude, o poeta busca aliar ao antigo (sobretudo à tradição dos griôs) novas maneiras de comunicar a poesia ao vivo, exercitando a sua capacidade tão urgente neste mundo: desautomatizar a palavra gasta e vazia e dar a ela novos sentidos. Sentidos que se emitem e retornam, do artista para o público, do público para o artista, linguagem fluente, sem arestas e de abertura dos sentidos: as faculdades humanas vão muito além do cognoscível. Quem já assistiu a uma apresentação de Ricardo Aleixo percebe que ele não experimenta só a si e aos seus limites nas suas criações, mas experimenta o público, em uma experimentação de mão-dupla.

Em “O coração, meu limite”, Ricardo Aleixo canta o amor universal e o amor romântico, a dança a dois, o sexo e a conversa entre os corpos, a mulher e os relacionamentos. Nota-se, como no poema Algo pesado, um eu-lírico que declara o amor como um lugar onde a linguagem falha; não a do poema, mas a dos amantes na sua interação: “Coração seco, palavra oca”.

Na seção “Multidão nenhuma”, os poemas refletem em torno da questão da coletividade/solidão/espaço; o homem coletivo é também um homem solitário e vice-versa. Aqui podemos notar a força que a cidade natal do poeta, Belo Horizonte, tem em sua poesia, ainda que em uma relação conflitante (como no poema Antiode: Belorizonte), é ela que marca os seus passos, é nela que estão os cães da rua com os quais o eu-lírico se identifica, os bons afetos, a casa, os perigos pelas esquinas. Em Multidão nenhuma salienta-se o quanto a poesia de Ricardo Aleixo está comprometida com os trabalhadores, os desvalidos, os menos favorecidos, as pessoas de pele negra. A relação dessa poesia com o espaço, em qualquer cidade que ela se desenhe, seja no Brasil ou em país estrangeiro, traz sempre a denúncia de um olhar sobre a injustiça social, traz a marca de um poeta que mora em um bairro periférico da sua urbe.
A última parte é intitulada de forma homônima ao poema “Queridos dias difíceis”. Nesta parte, os poemas destacam versos de crítica e ironia. Já no primeiro poema, “Eu, militante, me confesso”, uma crítica ao militantismo que se recusa a aprender, a ler, e que fica preso à empáfia daquilo que, paralisado no tempo, arroga-se entender e ensinar sobre a realidade. Também as relações pessoais precisam de sua dose cotidiana de mentira, o que fica bem refletido em “Dor”, um poema sobre como a independência de uma pessoa incomoda as outras, descrevendo a relação em que é preciso fingir que não se sabe cuidar de si próprio para agradar um suposto cuidador. Nesta seção também estão presentes o tempo, a efemeridade da vida e a irreversibilidade dos acontecimentos, o sentido da experiência humana, quando se carrega a pedra de Sísifo, a poesia como resistência pessoal e diária do próprio poeta, que nunca se considera pronto. O “Antiboi”, poema e manifesto de uma postura da dúvida é também um aviso: não ser parte de manada, não crer no que está posto, nada é caprichoso ou garantido, ainda que o afirmem. Por fim, os poemas Brancos, Um ano entre os humanos e Meu negro fecham esse livro com uma contundência exemplar e colocam questões que nos perguntam diretamente sobre as consequências da diáspora africana, sobre a nossa humanidade e o nosso racismo de todo dia.

Pesado demais para a ventania é, para além dos temas, uma aula de poesia contemporânea no que diz respeito à forma. Uma coleção que reúne trabalhos de um poeta que passa pela poesia do sentido, dando ênfase aos aspectos semânticos e ideológicos da palavra; pela poesia da poesia, metadiscurso, quando o eu-lírico cede lugar ao eu das palavras e é o eu do próprio texto que nos convoca; e pela poesia da visão, quando os sinais não verbais são também construtores do sentido. Ricardo Aleixo nos mostra a linguagem no apuro da técnica, do estudo, mas que consegue se manter fresca porque traz em si o aspecto lúdico que se verifica nas crianças e que acompanha alguns poetas. Essa vontade de experimentação, de brincar com as matérias-primas, de produzir objetos; essa festa dos sentidos e inquietação é típica da infância. A improvisação é parte crucial, mas há um conhecimento (estudo) profundo sobre aquilo que se está improvisando (intuição). E quem lê/ouve/vê/sente a poesia de Ricardo Aleixo pode concluir que ela não é, exatamente, uma “poesia expandida”, mas uma “poesia expandindo”, pois ela vive com a vida, enquanto se vive, autor ou leitora/leitor, se transformando com ela. Ao ler essa poesia escrita em pretoguês não temos dúvida de que esse é o idioma com o qual o Brasil deveria ter sido alfabetizado:

Minha linha

Que o dono da fala
nunca
permita que eu saia
da linha
a linha que
quanto mais torta
mais posso dizer
que é a minha

Sempre fui
meu próprio mestre
e é sem tristeza
que conto
que ainda não aprendi
nada
não me considero
pronto

Em matéria
tão complexa
quanto a arte
de entortar
a linha
que nem a morte
há de um dia
endireitar


Na noite calunga do bairro Cabula

Morri quantas vezes
na noite mais longa?

Na noite imóvel, a
mais longa e espessa,

morri quantas vezes
na noite calunga?

A noite não passa
e eu dentro dela

morrendo de novo
sem nome e de novo

morrendo a cada
outro rombo aberto

na musculatura
do que um dia eu fui.

Morri quantas vezes
na noite mais rubra?

Na noite calunga,
tão espessa e longa,

morri quantas vezes
na noite terrível?

A noite mais morte
e eu dentro dela

morrendo de novo
sem voz e outra vez

morria a cada
outra bala alojada

no fundo mais fundo
do que eu ainda sou

(a cada silêncio
de pedra e de cal

que despeja o branco
de sua indiferença

por cima da sombra
do que eu já não sou

nem serei nunca mais).
Morri quantas vezes

na noite calunga?
Na noite trevosa,

noite que não finda,
a noite oceano, pleno

vão de sangue,
morri quantas vezes

na noite terrível,
na noite calunga

do bairro Cabula?
Morri tantas vezes

mas nunca me matam
de uma vez por todas.

Meu sangue é semente
que o vento enraíza

no ventre da terra
e eu nasço de novo

e de novo e meu nome
é aquele que não morre

sem fazer da noite
não mais a silente

parceira da morte
mas a mãe que pare

filhos cor da noite
e zela por eles,

tal qual uma pantera
que mostra, na chispa

do olhar e no gume
das presas, o quanto

será capaz de fazer
se a mão da maldade

ao menos pensar
em perturbar o sono

da sua ninhada.
Morri tantas vezes

mas sempre renasço
ainda mais forte

corajoso e belo
– só o que sei é ser.

Sou muitos, me espalho
pelo mundo afora

e pelo tempo adentro
de mim e sou tantos

que um dia eu faço
a vida viver.


*** 
Pesado demais para a ventania
Antologia poética
Ricardo Aleixo
Ed. Todavia
2018

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Exegese feminista: resultados de pesquisas bíblicas a partir da perspectiva de mulheres, de Luise Schottroff, Silvia Schroer e Marie-Theres Wacker. Tradução de Monika Ottermann





Por Adriane Garcia


“A religião masculina sepulta as mulheres em sepulcros de silêncio, a fim de entoar o seu próprio canto fúnebre eterno e triste para um passado que nunca existiu.”
Mary Daly


O livro Exegese feminista reúne artigos das teólogas Luise Schottroff, Silvia Schroer e Marie-Theres Wacker, apresentando os resultados de seus estudos feministas sobre a Bíblia. Já na introdução, acompanhamos a luta pela instrução formal de mulheres, a difícil história do acesso às mulheres nos estudos de Teologia, já que as universidades as proibiam de frequentar os cursos e mesmo as que conseguiram ser pioneiras não alcançavam espaços de palavra ou sacerdócio nas igrejas. Mesmo nos dias de hoje, muitas igrejas, de várias denominações, não permitem o ministério e/ou o púlpito às mulheres.

As autoras contam a história da interpretação bíblica feita por mulheres na Alemanha a partir do século XIX e mostram quais caminhos vêm trilhando as exegeses feministas, para as quais são utilizadas hermenêuticas variadas:  as hermenêuticas da lealdade, da rejeição, da revisão, do eterno-feminino e da libertação.

O livro é um bom ponto de partida para ler a Bíblia a partir de uma perspectiva feminista, lembrando que as três teólogas são cristãs, portanto, seus estudos não partem de uma hermenêutica da rejeição.

Na primeira parte, Marie-Teres Wacker apresenta as bases históricas, hermenêuticas e metodológicas construídas a partir do marco fundacional, “A Bíblia da Mulher”, chegando às discussões atuais sobre a questão da objetividade/parcialidade científica, a questão do cânon bíblico e o alerta para que a exegese feminista não caia em um antijudaísmo cristão; ao contrário, que trabalhe com as feministas exegetas judias. Na segunda parte, Silvia Schroer desenvolve uma reconstrução feminista da história de Israel a partir do Primeiro Testamento (chamado desta forma justamente para não cair na armadilha de um antijudaísmo cristão) e oferece informações sobre a atuação e as práticas das mulheres nos diferentes períodos históricos em que foram escritos os textos bíblicos. Silvia Shroer ainda oferece seções temáticas como “Quem é Eva”, “Trabalho das mulheres”, “A polêmica sexualidade feminina”, “Mulheres e violência no Primeiro Testamento”, entre outros temas. Na terceira parte, Luise Schottroff lança o olhar sobre o cristianismo primitivo, a partir do Novo Testamento, oferecendo uma análise feminista de alguns conceitos teológicos como imagem de Deus, imagem da mulher, sexualidade e pecado, parúsia (a segunda vinda de Cristo), cruz, sacrifício, cristologia, além de detalhar ferramentas metodológicas para a prática da exegese feminista.  

Os estudos da história da teologia feminista mostram hermenêuticas que variam, havendo aquelas que partem do princípio de que é possível conciliar um papel de igualdade da mulher com o texto patriarcal (desde que se descubra nele outros substratos para o lugar ativo das mulheres), até aquelas que, pareadas com a citada teóloga feminista Mary Daly (1928/2010), acreditam que “requerer igualdade para as mulheres na igreja é como haver pessoas negras requerendo igualdade na Ku Klux Klan”.



Hermenêutica feminista e primeiro testamento
[Silvia Schroer]

Para mulheres judias e cristãs, os escritos da Bíblia Hebraica são a herança ou parte da herança a qual elas se referem. Mas a relação com esses escritos é diferente. A exegese judaica feminista encontra-se até hoje numa tradição de interpretação viva e contínua desses livros, enquanto a teologia cristã aproximou-se deles de forma muito mais seletiva e distanciada. A exegese judaica conhece, em sua história, a crítica histórica, com Spinoza estando no seu início, mas também a interpretação da escritura rabínica, que, em geral, está pouco interessada em questões históricas. Na ciência bíblica cristã, há muito tempo se dá grande importância a perguntas como: O que aconteceu historicamente? Qual é a intenção do sentido original do texto? Quando o texto foi escrito? Mostrou-se, nos últimos anos a importância do diálogo entre teólogas judias e cristãs justamente a respeito dos livros bíblicos que elas têm em comum. Assim, com seu livro “De novo estamos no Sinai”, Judith Plaskow apresentou um esboço de teologia judaica-feminista que está fortemente ligado à tradição que faz perguntas de caráter histórico. Exegetas cristãs aprenderam de judias a considerar mais a história da recepção de textos e de descobrir neles sua mensagem libertadora, na medida que elas não os leem com uma hermenêutica do ceticismo, mas com um crédito antecipado (assim, por exemplo, Phyllis Trible).
O conceito da parte seguinte desse curso básico também se baseia fortemente em questionamentos históricos. Uma razão para essa decisão é que, justamente para o Primeiro Testamento, ainda não existem tais esboços gerais, isto é, existe um déficit. A outra razão é que não podemos abrir mão da reconstrução histórica. A perda de história significa uma perda de poder – uma aprendizagem que motiva sempre de novo especialmente movimentos de libertação negros a procurar por suas raízes.” (p. 83/84)

***
Exegese Feminista: resultados de pesquisas bíblicas a partir da perspectiva de mulheres
Luise Schottroff, Silvia Schroer e Marie-Theres Wacker
Tradução de Monika Ottermann
Teologia feminista
Ed. Sinodal
2008










segunda-feira, 1 de junho de 2020

Velhos, de Alê Motta




Por Adriane Garcia

A velhice afigurou-se-me repentinamente doce e harmoniosa.
Cícero

Diabos!, Catarata é a constatação irrefutável da velhice.
Alê Motta


O livro Velhos, da escritora Alê Motta, é uma coletânea com trinta contos curtos, todos versando sobre o tema intitulado.

Em um outro livro, o clássico A velhice, escrito em 44 a.C, Cícero fala de um envelhecimento amparado pela filosofia e pela prática das virtudes, uma velhice feliz, sábia, com temperança e contribuições à sociedade que só uma vida experiente e sensata pode dar. Certamente, a velhice de Cícero é a velhice dos sonhos, mas está longe de ser aquela retratada nos contos de Alê Motta.  Em Herança, por exemplo, primeiro conto da coletânea, podemos conhecer este avô:

Meu avô é um velho inconveniente que faz todas as perguntas que não devia fazer nos eventos familiares.
Além de fazer perguntas medonhas, ele me encara e comenta que eu engordei, afirma que minha amiga é sapatão, que eu nunca vou arrumar um emprego com o curso que faço na universidade, mas tudo bem, porque sou um fracassado igual ao meu pai e fala isso dando aquela risadinha sarcástica de quem está determinado a se meter.”

Se no imaginário pode persistir a imagem de velhinhos fofos e inofensivos, é na contramão que Alê Motta trabalha. Suas narrativas não fazem concessões e seus personagens se contextualizam em uma sociedade em que, diferentemente do que indica Cícero para sua época, velhos são desvalorizados e considera-se que pouco têm a oferecer a uma sociedade como a brasileira, que despreza as experiências do passado. Alê Motta situa suas velhas e velhos em um lugar que não dá importância à memória, tanto é que nos contos em que os idosos se encontram com adolescentes, ora são ridicularizados, ora são ignorados, já que os jovens estão sempre com a cabeça baixa mexendo em seus celulares. Há exceções como em Viagem, em que o avô aprende com o neto sobre aplicativos de celular e marcas de chocolate ou em Festas, um conto no qual a família é surpreendida com as ações do aniversariante de oitenta anos, afinal, não o conheciam tão bem quanto julgavam.

Certamente um envelhecer contemplativo é um privilégio. Nem mesmo um sábio poderia considerar a velhice uma etapa leve, se estivesse na penúria. A máxima é universal e atemporal. Dados recentes apontam para um aumento significativo do número de idosos na população mundial. No Brasil, especificamente, para muitos idosos, as políticas públicas ou são inexistentes ou insuficientes no sentido de garantir a saúde e o bem estar psicológico e material dessa população. Em Mudanças, Alê Motta levanta a voz de um desses muitos velhos do país: “Antes era só deitar e afundar na velhice – minha e do meu colchão. Agora estou num colchão que não é meu, dividindo o quarto com dois netos, na casa do meu genro, que gosta pouco ou nada de mim.” Também em Encontros, além do tema do relacionamento amoroso na terceira idade, a autora expõe a necessidade de velhos terem que arrumar um emprego após a aposentadoria, ou por causa das necessidades materiais ou mesmo por não suportarem o isolamento e a solidão.

No conto Desculpas, o primeiro parágrafo traz a façanha de conter um capítulo inteiro da história do Brasil: “Sou preto e sou velho. Diferente da maioria dos pretos no Brasil, sou rico. Moro num condomínio sofisticado, num bairro de brancos que acham muito esquisito a minha família preta morar ali.” O racismo estrutural brasileiro também aparecerá em outras páginas.

Ainda que tratando de uma temática que traz reflexões – e às vezes soluções – graves, Alê Motta consegue fazer um livro de prazerosa leitura. Muito disso se deve a um humor que sabe trabalhar com o absurdo naturalizado e a crueldade. Do humor de Alê Motta rimos como se ri de um palhaço: rimos da queda (porque nós mesmos caímos); e como o velho de Lucros, acabamos por concluir que é melhor não nos levarmos tão a sério. Esse personagem tem setenta e sete anos, obesidade, vários problemas de saúde e é filmado por um jovem quando, ao se pesar, quebra a balança da farmácia. O andamento e o final desse conto são terrivelmente deliciosos.

Temas como choque de gerações, proximidade da morte, partilha de herança, Alzheimer, suicídio, passados obscuros, abandono, estadia em asilos, velocidade do tempo, novas tecnologias, tragédias familiares, palavras que ficaram por dizer, busca por companhia, precariedade da matéria estão todos presentes em Velhos. No livro de Cícero, ele classifica “quatro razões possíveis para acharem a velhice detestável. 1) Ela nos afastaria da vida ativa. 2) Ela enfraqueceria nosso corpo. 3) Ela nos privaria dos melhores prazeres. 4) Ela nos aproximaria da morte.” Porém, Cícero oferece todos os contrapontos que transformam as desvantagens em vantagens. Parece realmente uma velhice ideal, e rara. Os velhos deixaram de habitar o reino ciceroniano para habitar o livro de Alê Motta. Nos contos da autora, a resposta à vida é dada com gestos desesperados ou melancólicos. Claro que também se encontra sabedoria nas soluções dessas pessoas, mas é uma sabedoria pé no chão, como a de quem sabe que há determinados problemas que só serão resolvidos com um assassinato – ou com uma maratona de Stranger Things.

“Emoções

Tomei um banho quente, escovei e ajustei a dentadura, penteei meus cabelos ralos e coloquei o arquinho. Engoli os comprimidos da manhã, café com leite, pão e requeijão. Escolhi minha roupa mais arrumada – saia marrom e casaquinho xadrez.
Fui para a varanda esperar. Meu neto tem problemas com horário. Essa geração é muito enrolada.

Vamos de carro para a zona e meu neto dirige muito mal. Acelera-freia-desvia e eu agarro no puta-que-pariu cinza-bebê do carro que ele tem porque eu cobri a metade das prestações que o pai dele não pagou. Sim, meu filho tem problemas financeiros. A geração dele também é enrolada.

Hoje é um dia de ouro, muito especial. E esses garotos vêm com calças caindo nas bundas, camisetas velhas-coloridas?, e essas garotas de blusinhas-e-calças-grudadas-indecentes? Não há respeito.

Tenho oitenta e nove anos. Cada passo que dou é lento, apoiado pela bengala que era do meu finado marido. Todos falam que meu voto é desnecessário.
Vovó, na sua idade não precisa...
Mãe, tem certeza?
Vizinha, os políticos não merecem!
Comadre, pra quê esse sacrifício?
A senhora tem quantos anos?, nossa!
Eu quero votar. É meu direito. Lembro da época que eu queria e não podia. Só os homens podiam.

Com meus passos lentos entro na sala e cumpro meu dever cívico. Fico emocionada e quase choro. Meu neto é um dos garotos com as calças caindo na bunda. Não fez a barba, não cortou o cabelo. Mas segura o meu braço com delicadeza e de novo estou com meu velhinho, que já mora com Deus no céu, viemos juntos votar, e ele está tão lindo de terno, vamos seguindo de braços dados pelo corredor e todas as mulheres olham para ele. Eu fico emocionada e quase choro.”  (p. 31/32)

***
Velhos
Alê Motta
Contos
Ed. Reformatório
2020





segunda-feira, 25 de maio de 2020

Anna Akhmátova, Antologia Poética. Seleção, organização e tradução de Lauro Machado Coelho




“Todos nós somos um pouco hóspedes desta vida.
Viver é apenas um pequeno hábito.”
A.A.

Por Adriane Garcia

O volume reúne poemas dos vários livros da poeta russa Anna Akhmátova (1889 – 1966), dispostos em ordem cronológica. Anna Akhmátova teve uma vida marcada pelas duas grandes guerras, pela Revolução de 1917 e pelo Stalinismo. Em sua obra, vida e poética estão completamente imbricadas.

A antologia, organizada e traduzida por Lauro Machado Coelho, que também é biógrafo de Anna Akhmátova, traz notas importantes e permite perceber o desenvolvimento da escrita da poeta, indo dos poemas mais dedicados ao amor, aos relacionamentos, até o registro político e as dores do seu tempo:  seu primeiro marido e pai de seu filho foi preso e fuzilado pelo regime, seu filho, posteriormente foi preso por duas vezes, seu terceiro marido morreu num campo de concentração. Anna teve amigos exilados, transportados para campos de concentração, vitimados pelos expurgos e viu uma geração inteira de poetas desaparecer, sendo uma das poucas sobreviventes quando começou a abertura do regime. Tempo de profundas transformações para a Rússia – e para o mundo – Anna Akhmátova registra também a fome, a doença e o medo em sua obra.

A poeta pertencia ao grupo de poetas chamados acmeístas, grupo que buscava uma poesia de linguagem simples e objetiva, rejeitando as características do Simbolismo. Também não se interessavam pelos temas politizados e o experimentalismo da escola de Maiakóvski e Khlébnikóv. Após a Revolução, os acmeístas pagaram caro por fazer uma poesia acusada de não colaborar com a nova ordem (o que também não impediu que poetas que colaboraram com a ascensão do regime fossem exilados ou mortos).

Os poemas possuem um tom intimista, confessional. São, no mais das vezes, diretos e dispensam adornos. Anna Akhmátova, que durante a vida já era considerada uma grande poeta, desenvolveu um estilo próprio, que muitos avaliaram ter grande influência da prosa russa. É notável sua capacidade de fazer críticas no presente por meio de alguma personagem histórica do passado remoto. Sua poesia avançou das reflexões individualistas para as reflexões que sentem a dor coletiva. No poema “Dedicatória”, sobre as mães que visitam seus filhos na prisão, a poeta demonstra esse sentimento:

Dedicatória

Diante dessa dor, as montanhas se inclinam
e o grande rio deixa de correr.
mas os muros das prisões são poderosos
e, por trás deles, estão as “tocas dos condenados”
e a saudade mortal.
É para os outros que a brisa fresca sopra,
é para os outros que o pôr-do-sol se enternece –
mas nada sabemos disso: somos as que, por toda a parte,
só ouvem o odioso ranger das chaves
e o passo pesado dos soldados.
Levantávamo-nos como para o culto da madrugada,
arrastávamo-nos por esta capital selvagem,
para nos encontrarmos lá, mais inertes do que os mortos,
o sol cada vez mais baixo, o Nevá mais nevoento,
enquanto a esperança cantava bem ao longe...
O veredicto... e as lágrimas de súbito brotam.
E ei-la separada do mundo inteiro
como se de seu coração a vida se arrancasse,
como se com um soco a derrubassem.
E, no entanto, ela ainda anda... cambaleando... sozinha...
Onde estão, agora, as companheiras de infortúnio
desses meus dois anos de terror?
O que estarão vendo, agora, na neblina siberiana?
A elas eu mando a minha última saudação.
março de 1940

A poeta se recusou a sair da Rússia e mesmo em seus poemas observa-se a crítica aos amigos que se exilavam. Anna não gostava de chamar a Rússia de União Soviética. Sabia que sua poesia estava intimamente ligada ao amor à língua, ao povo russo e a uma geografia que também os compunha. Também produziu ensaios e foi tradutora. Sua poesia é importante naquilo que diz e cheia de beleza na forma como diz.



Cerca de ferro fundido
e a cama feita de pinho.
Como é doce não ter mais
de sentir de ti ciúmes.

Forraram a minha cama
com súplicas, com soluços.
Vai, procura o teu caminho
onde queiras, Deus te guie.

Já não ferem teus ouvidos
palavras descontroladas,
já ninguém espera a vela
queimar até o dia seguinte.

Finalmente conseguimos
paz e dias inocentes.
Tu choras – mas eu não valho
uma só de tuas lágrimas.

***
Antologia Poética, Anna Akhmátova
Seleção, tradução do russo, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho
Poesia
Ed. L&PM
2009