Paulo
Leminski
Toda
poesia
É
um calhamaço de 424 páginas (Companhia das Letras). Acompanham o avantajado volume a cor laranja
fosforescente e letras pretas, como se pintadas a guache, com pincel. Abaixo, o
bigode inconfundível. Dentro, a poesia também.
Quem
consegue escrever páginas inteiras de crítica azeda à poesia de Leminski (já
li, no Rascunho, inclusive), talvez o
tenha lido com muito mau humor. Paulo Leminski não deve ser lido com mau humor.
Também,
para aqueles que conhecem Leminski superficialmente e acham que ele é aquele
poeta dos haicais, outras surpresas: Os haicais não são a maior parte da poesia
leminskiana nem podem traduzir o poeta inteiro que Leminski é. A maioria de
seus poemas tem tamanho médio e ultrapassa oito versos.
A
descoberta neste livro é um poeta denso, profundo (dos mais profundos),
interessado pela forma, mas sobretudo, interessado em comunicar sua alma, sua
inadequação, nosso ser/estar no mundo. Se sobra alguma brincadeira, alguma
irresponsabilidade com a palavra, Leminski pode: a cada vez que brinca, em nove
outras vezes prova o seu lirismo doído, irreverente, desassossegado. Conhecê-lo
é ouvir a voz de um homem muito especial.
A
leitura é fluida e curiosa por quase todo o volume. Cerca de setenta por cento
do livro é a reunião de sua obra editada. Ao final, perde-se um tanto da densidade,
da coesão e da qualidade à qual a própria leitura nos vinha acostumando, mas aí
já não é culpa do poeta, que quando vivo deixou de publicar o que achava
impublicável. Infelizmente, não rasgou e aí, sabemos o que acontece com os
póstumos. Um poeta sabe o que é sua poesia e o que são somente os seus
exercícios, não publica seus exercícios. Mas não podemos julgar sua poesia inteira,
de primeiríssima, pelo que não quis trazer a público.
Marco
aqui dois dos cerca de duzentos poemas que me tocaram. O primeiro, pela
irreverência do poeta, deixando claro que a poesia não deve subserviência a
ninguém. O segundo, pela verdade reveladora exemplificada na poesia do grande
Leminski.
Merda
e ouro
Merda é veneno.
No entanto, não há nada
Que seja mais bonito
Que uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam
padres,
Cagam reis e cagam
fadas.
Não há merda que se
compare
À bosta da pessoa
amada.
Saudosa
amnésia
a
um amigo que perdeu a memória
Memória é coisa
recente.
Até ontem, quem
lembrava?
A coisa veio antes,
Ou, antes, foi a
palavra?
Ao perder a lembrança,
Grande coisa não se
perde.
Nuvens são sempre
brancas.
O mar? Continua verde.
adoro leminski, mas ler tudo, vai ver eu estava de mau-humor, não me agradou muito - então reli com outro estado de espírito - o homem é um gênio!
ResponderExcluirsobre publicações póstumas, assino embaixo, em cima, dos lados e no verso!!!
gracias adriane - besos
liroca, você é ótima. Adoro sua sinceridade, sua capacidade de voltar e ver por si só se é mesmo. Sua poesia conflui muito com a dele, acho. Muitas vezes, lendo-o, lembrei-me do seu modo de fazer versos. Beijo, líria. E os livros? Saindo? Torço que em breve.
ResponderExcluiradriana, seu texto é apaixonante e revela uma leitora de grande desenvoltura na crítica de poesia. gosto de sua linguagem clara e leve, tocando aspectos essenciais da obra do PL - bem como da póstuma. Você aponta para a necessidade de ler-se PL sem os clichês que se cristalizaram sobre sua obra. E aí, a escolha dos dois poemas é bem sintomárica. No primeiro, a irreverência do PL revistia Bocage (também revisitado por Glauco Mattoso que toma o mesmo soneto para dialogar com ele), e o seu lirismo aborda a memória, a palavra e a poesia com o rigor e a beleza que são suas marcas inconfundíveis. Parabéns por sua leitura reveladora de novos aspectos da obra leminskiana.
ResponderExcluirQuerido Amador Ribeiro Neto, professor com quem tanto aprendo. Uma honra ter minha resenha tomado um tanto de seu precioso tempo. Obrigada. Abraço.
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