O
romance Casei
com um comunista,
de Philip
Roth
(Cia
das Letras, 2000),
tradução de Rubens
Figueiredo,
conta a história de Ira Ringold, narrada pelo conhecido alter-ego de
Roth,
Nathan Zuckerman. Nathan conhecera Ira na adolescência, quando Ira
já era um militante comunista linha dura. Décadas depois, ao se
encontrar com o professor Murray, irmão de Ira, Nathan toma
conhecimento do fim da história de seu ídolo nos anos de juventude.
É essa história que Philip
Roth
nos trará em 422 páginas.
Para
além da trama que se passa nos anos de macarthismo, da perseguição
política aos comunistas, a “caça às bruxas” dos anos 50, nos
Estados Unidos da América, Philip
Roth
traz ao leitor, neste livro, um verdadeiro tratado sobre política e
literatura, sobre liberdade e disciplina, liberdade e desapego e
sobre ideologia e morte. Sobretudo, do que Roth
falará e deixará claro, na composição de seus próprios
personagens, será sobre a complexidade individual, o antagonismo
humano.
Ira
(um astro de rádio em ascenção) é o comunista ferrenho que se
casará com uma atriz de sucesso, a rica e famosa Eve Frame,
escravizada emocionalmente pela filha Sylphid. Entre a ideologia
comunista e a prática burguesa, a vida de Ira Ringold e daqueles que
orbitam em torno de sua história, habilmente mostrada por Roth,
é o retrato com o qual o autor demonstra a potência dos
antagonismos que há em cada um de nós, o fosso que existe entre
aquilo que acreditamos e muitas vezes pregamos e a forma com que
agimos. À exceção do personagem O'Day, que tem absoluta
consciência de que para não se perder de si é preciso estar num
quarto “cela”, num quarto sem nenhum bem-estar além de uma dura
cama para dormir e algo para ler e comer, todos os personagens de
Casei
com um comunista
são feitos de complexidade e incoerência (esta a coerência
humana). Mesmo nos personagens que mantêm uma conduta mais
condizente com a sua crença, como o caso do professor Murray, por
fim, o que vemos é a grave presença da sombra de um arrependimento.
Roth chega à tensão de construir sua personagem Eve Frame, uma
mulher invejada, infeliz na vida e no amor, uma judia antissemita.
Da
página 288 em diante, o que o leitor tem é a riqueza da discussão
sobre o fazer literário, a reflexão exposta do fazer artístico se
imbricando na própria trama, o professor Leo Glucksman trazendo o
paradoxismo no próprio discurso, pois que, como todos, acha sua
verdade superior às outras. E, por fim, a magnitude de uma obra que
pensa o ser humano e a humanidade, sem condescendência com qualquer
grupo, e que se pergunta o que, afinal, fazemos com os nossos erros;
qual o sentido de nossas próprias histórias, individuais e
coletivas, diante da morte.
Um
livro imprescindível, cujo compromisso é apenas com a literatura.
“ – Arte
como arma? – disse ele, a palavra “arma” carregada de desprezo
e ela mesma uma arma. – Arte como a tomada da posição correta com
relação a tudo? Arte como o advogado das coisas boas? Quem foi que
ensinou tudo isso a você? Quem ensinou que arte são slogans? Quem
ensinou que a arte está a serviço “do povo”? A arte está a
serviço da arte, senão não existe arte nenhuma digna da atenção
de ninguém. Qual é a razão para escrever literatura séria, senhor
Zuckerman? Derrotar os inimigos do controle de preços? A razão para
escrever literatura séria é escrever literatura séria. Você quer
se rebelar contra a sociedade? Vou lhe dizer como fazer isso: escreva
bem. Quer abraçar uma causa perdida? Então não lute em favor da
classe trabalhadora. Eles vão se dar muito bem na vida. Vão se
empanturrar de carros Plymouth até seu coração se fartar. O
trabalhador vai dominar todos nós – da estupidez deles, vai jorrar
a lama que é o destino cultural deste país vulgar. Em breve teremos
neste país algo muito pior do que o governo dos camponeses e
operários. Você quer uma causa perdida para defender? Então lute
pela palavra. Não a palavra bombástica, a palavra inspiradora, não
a palavra pró-isso e anti-aquilo, não a palavra que alardeia para
as pessoas respeitáveis que você é um sujeito maravilhoso,
admirável, compassivo, sempre do lado dos oprimidos e humilhados.
Nada disso, lute sim pela palavra que afirma aos poucos alfabetizados
condenados a viver na América que você está do lado da palavra!
Esta sua peça é um lixo. É medonha. É revoltante. É lixo
grosseiro, primitivo, tosco e propagandista. Ela tolda o mundo com
palavras. E esbraveja aos céus e terras as virtudes do autor. Nada
produz um efeito mais sinistro na arte do que o desejo do artista de
provar que ele é bom. A terrível tentação do idealismo! Você
precisa alcançar o domínio sobre o seu idealismo, sobre a sua
virtude, bem como sobre o seu vício, o domínio estético sobre tudo
aquilo que o impele a escrever, em primeiro lugar – a sua
indignação, a sua política, a sua dor, o seu amor! Comece a pregar
e tomar posições, comece a ver a sua perspectiva como superior às
outras, e você é inútil como artista, inútil e ridículo. Por que
escreve essas proclamações? É porque olha o mundo em volta e fica
“chocado”? É porque olha o mundo em volta e fica “comovido”?
As pessoas sucumbem muito facilmente e fraudam os seus sentimentos.
Elas querem ter sentimentos prontos, e então “chocar-se” e
“comover-se” são os mais fáceis. Os mais burros. Exceto em
casos raros, senhor Zuckerman, o choque é sempre falsidade.
Proclamações. Na arte não há lugar para proclamações! Tire essa
sua adorável merda do meu escritório, por favor.”
(Diálogo
entre o professor de arte Leo Glucksman e seu aluno Nathan Zuckerman,
p. 288 e 289)
***
Casei com um
comunista
Philip Roth
Tradução
Rubens Figueiredo
Cia das
Letras
2000
um primor de resenha, Adriane. e mesmo que eu não consiga ler o livro, esse diálogo já vai me acompanhar por um bom tempo.
ResponderExcluirÔ, Virginia, querida. Fico feliz quando uma resenha instiga alguém a isso. Obrigada pela leitura. Um abração.
ExcluirPelo diálogo, percebo a qualidade do livro, agradeço a indicação, a minha fila só cresce.... preciso melhorar minha performance .... :)
ResponderExcluirHahahaha, Ô, Dinoã, a nossa lista dá agonia. Há livros bons demais pra gente ler. Beijo.
Excluir