Por
Adriane Garcia
“A transparência
é boa demais para ser verdade. O que há por trás desse mundo falsamente transparente?”
Jean Baudrillard
(cit. p. 130)
O
livro Vertigem digital, de Andrew
Keen (tradução de Alexandre Martins, ed. Zahar) é um excelente livro para se
refletir sobre as redes sociais.
No
subtítulo “por que as redes sociais estão
nos dividindo, diminuindo e desorientando” o autor já dá o tom de crítica com
o qual prosseguirá por toda a obra.
Partindo
do corpo embalsamado do filósofo Jeremy Bentham, em exposição no University
College de Londres, Andrew Keen, de forma rica e habilidosa, convida-nos a
pensar, principalmente, a questão da privacidade em tempos de redes sociais. Utilizando analogias com o cinema (Um corpo que cai, de Hitchcock), com a
literatura (1984, de Orwell e Utopia, de More) e com a filosofia
(entre outros, Sobre a liberdade, de
Stuart Mill), além de informações interessantes sobre o Vale do Silício, Vertigem
Digital consegue prender a atenção do leitor com um texto fluido e curioso.
O
autor é jornalista norte-americano e historiador formado na Inglaterra, especializado
nas criações do Vale do Silício. Ciente de que as redes sociais vieram para
ficar e que, neste sentido, não há nada a se fazer, aponta a necessidade de se
pensar e repensar o seu uso. Segundo Andrew, as redes sociais podem ser
comparadas ao antigo projeto arquitetônico do panóptico, de Jeremy Bentham, utilizado,
sobretudo, para prédios prisionais, onde se buscava a maior vigilância com o
menor esforço. Empresas bilionárias de internet vendem, a todo momento, os
dados que disponibilizamos nas redes, “se você não paga pelo produto, você é o
produto”. É a chamada “economia da atenção” ou “cultura participativa”, em que
o que está em disputa é o seu tempo e o quanto você se dispõe a revelar. Um
mundo de posts, likes e compartilhamentos que não só compete no mundo virtual
como compete com o mundo real.
Andrew
Keen escreve um livro bem abrangente, que observa o fenômeno das redes sociais
tanto no efeito que promovem sobre a vida privada quanto na vida pública ou
política, quando dados e informações dos usuários são utilizados para a
manipulação, para o bem e para o mal.
Livro
para ser lido, relido e indicado para leituras.
“A
revolução digital muda tudo, diz Shirky, porque a “cultura participativa”
elimina as antigas hierarquias da mídia industrial do século XX. Portanto, não
precisamos mais de um estúdio de Hollywood com recursos, como o Paramount, ou
de um diretor de cinema autoritário como Alfred Hitchcock, para fazer Um corpo que cai. O monopólio da mídia
por Hollywood, no século XX, é substituído pelo que Shirky chama de “produção
social” da internet, na qual a cultura é criada por todos nós, e não pelas
elites. Assim, a mídia digital se torna literalmente o “tecido conjuntivo da
sociedade”, a fonte participativa de cultura e comunidade. Mais uma vez citando
John Perry Barlow, todos nos tornamos informação – cada um de nós é um conector
participativo nessa produção coletiva de cultura.
Mas
Shirky – não por acaso apelidado de Herbert Marcuse da atual intelligentsia da
rede – está certo por todas as razões erradas. No século XX, íamos ao cinema
para sermos aterrorizados pelos filmes de Hitchcock sobre homens inocentes como
Scottie Ferguson, que eram arrastados para pesadelos que não compreendiam nem
controlavam. Mas quando as luzes se acendiam, o pesadelo terminava, e estávamos
livres para sair do cinema e retomar nossas vidas normais.
Hoje,
porém, Um corpo que cai de Hitchcock foi radicalmente democratizado, de modo
que todos participamos do drama. Essa é a verdade da “cultura participativa” de
Shirky. Vejam, a mídia social se tornou tão onipresente, de tal forma é o
tecido conjuntivo da sociedade, que todos nos tornamos Scottie Ferguson,
vítimas de uma história assustadora que não compreendemos nem controlamos.
Sim,
essa versão digital de Um corpo que cai é estranha pra cacete.
Assim
como Gavin Elster idealizou a São Francisco de junho de 1949 e Scottie Ferguson
se apaixonou pela falsa Madeleine Elster, Shirky e seus colegas comunitaristas
se enamoraram de uma cultura participativa pré-industrial que provavelmente
jamais existiu, e sem dúvida não pode ser ressuscitada em nosso mundo
supercompetitivo e cada vez mais individualizado do século XXI. E tal como
Elster atraiu seu próprio colega da Universidade de Stanford para uma soturna
fantasia de logro e coração partido, esses comunitaristas românticos, por uma
razão ou outra, arrastam todos nós para um futuro que a maioria na verdade não
quer – um love-in digital de
publicalidade-padrão; uma luta darwiniana de indivíduos hipervisivelmente
relacionados; uma “aldeia global” onde segredo e esquecimento desaparecem; uma “cultura
participativa” que projeta uma transparência indesejada sobre toda a nossa
vida; um mundo Creepy SnoopOn.me de incessantes verificações no foursquare, de
computadores que nos conhecem e varreduras faciais de Facebook, no qual ninguém
nunca é deixado sozinho.
Embora
Steven Johnson compare de modo favorável o “ecossistema” da internet a um dos
recifes de coral cheios de vida de Charles Darwin; embora Nicholas Christakis e
James Fowler nos prometam que, “quando você sorri, o mundo sorri com você”;
embora Jeff Jarvis nos ofereça uma passagem de volta para a transparência “idílica”
da Inglaterra de Henrique VIII; e embora Clay Shirky garanta que “os seres
humanos valorizam intrinsecamente uma sensação de contato” – apesar disso tudo,
o que a tecnologia em rede produziu de verdade foi a ressurreição do Autoícone
de Jeremy Bentham – uma máquina de autoglorificação que promete, com toda a
sedução de uma heroína coercitiva de Hitchcock, nos tornar imortais.” (p. 127 - 128)
***
Vertigem digital
Andrew Keen
Zahar
2012
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