segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Receitas de como se tornar um bom escritor – de Linaldo Guedes




Por Adriane Garcia

Tendo lido alguns romances ótimos durante a semana, resolvi descansar um pouco do gênero e peguei um livro que andava ocioso pela casa. A princípio, não dei atenção. O título me repelia um pouco, “Receitas de como se tornar um bom escritor” – lembrava algo da autoajuda, e ainda parecia partir do pressuposto de que alguém, algum iluminado, poderia ensinar isso. A própria edição (da Chiado Editora) não se mostrava muito atrativa, de maneira que abri o livro a esmo, sem gostar do título, sem gostar da capa, sem gostar do papel, mas de antemão sabendo que seu autor, Linaldo Guedes, era, pela qualidade de tantos trabalhos anteriores e militância na literatura, merecedor de atenção.

Grata surpresa: Receitas de como se tornar um bom escritor é uma coletânea reflexiva, que reúne artigos, palestras e crônicas publicadas na imprensa, seja impressa ou virtual, por Linaldo Guedes. Neles, Linaldo lança seu ponto de vista sobre a literatura, o meio literário, os livros, os autores e as mudanças ocorridas nos modos de publicação e recepção das obras literárias a partir do advento da internet e mesmo das redes sociais.

O próprio artigo cujo título dá nome ao livro nada tem a ver com aulas ou oficinas; é, na verdade, uma provocação do autor, que critica os modos extraliterários de se tornar um “bom escritor”, concluindo que um escritor cuja fama seja a de “bom escritor” não necessariamente o é, já que muitas vezes esse julgamento depende da circulação que faz entre aqueles que detêm o poder midiático ou alguma influência entre os que controlam o mercado editorial.

Na verdade, Receitas de como se tornar um bom escritor poderia se chamar Receitas de como se tornar um bom leitor. Linaldo fala sobre Fernando Pessoa, Padre Antônio Vieira, João Cabral de Melo Neto, Paulo Leminski, Augusto dos Anjos, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Ariano Suassuna, Sérgio de Castro Pinto, entre outros. Claro que eu senti falta, no livro, de artigo que falasse especificamente de alguma mulher escritora. Isso é algo para o qual vamos nos atentando cada vez mais hoje.

Há reflexões sobre prosa e poesia. O artigo sobre Augusto dos Anjos, por exemplo, Um poeta acima de qualquer escola, é uma delícia. O livro é um diálogo com o leitor, um guia de leituras também, com sugestões excelentes. No fim das contas, o que Linaldo, apaixonado e profícuo leitor, está dizendo mesmo é: leia, leia muito, pois se isso não garante (e não garante) que se será um bom escritor, a falta de leitura muito menos.

Caso algumas declarações de Receitas de como se tornar um bom escritor estivessem escritas em posts do Facebook, certamente gerariam polêmicas, animosidades e brigas, onde todos falariam e ninguém ouviria ninguém. Essa é a grande vantagem do livro; no livro ainda é possível ouvir, discordar, concordar, mediar internamente e considerar as divergências. Receitas de como se tornar um bom escritor é um livro ótimo, uma conversa concentrada e inteligente nesses tempos de louvor ao eco, ao raso e ao obscuro.

Os poetas não leem os poetas?

Pode até parecer contraditório o que está escrito acima, no título deste artigo. Mas a provocação de Eduardo Lacerda, jovem editor da Patuá e poeta, em entrevista a este jornalista, vai por aí. Lacerda diz com todas as letras: ‘Se os autores de poesia também fossem leitores de poesia, então poesia não daria prejuízo’. E diz mais: ‘O desejo de publicação – publicação em qualquer lugar, com qualquer qualidade – é muito maior do que o desejo de se estabelecer um diálogo com outros escritores e com a própria editora. É muito maior o desejo de publicar do que o desejo de ler. E eu acho estranho’”.
(p. 37)

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Receitas de como se tornar um bom escritor
Linaldo Guedes
Ed. Chiado
2015


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