terça-feira, 17 de julho de 2018

Passo Imóvel – de Lilian Sais






Por Adriane Garcia


Passo Imóvel, de Lilian Sais, plaquete com dez poemas, traz para a leitora/o leitor a possibilidade de uma viagem profunda e introspectiva. No pouco espaço de uma plaquete, Lilian Sais consegue nos transportar para o amplo cenário da solidão, um porão enorme, cheio de memórias.

De imediato, nota-se dois grandes méritos na poesia de Passo Imóvel: a beleza das palavras escolhidas com muita exatidão, como signos para que a leitora/o leitor construa o que não foi dito; o ritmo quase silencioso, sussurrado, a voz baixa, como convém a alguém numa madrugada de insônia. No adiantado da leitura, percebe-se que a autora trabalha uma narrativa única, orgânica, para uma personagem entre quatro paredes.

Alguns vocábulos merecem destaque como chaves que Lilian Sais usa para comunicar sentidos e sentimentos. A personagem aparece pela primeira vez no âmbito da palavra “madrugada” e termina com a palavra “palmo”. Entre insônia e morte, a autora revela a claustrofobia do passado, a palavra “casa” como símbolo não do que habitamos, mas de tudo que nos habita e a luta para que o futuro não seja eternamente quatro paredes sem “janelas”. “Janela”, por exemplo, utilizada nos versos “do que tenho,/ se tudo é possível/ deve haver/ uma janela// - sempre há uma janela”, remete ao problema colocado nos versos do poema anterior: “palavras batem/ no fígado// e estouram no céu/ da boca,// mas não ultrapassam/ a barreira// dos dentes/ cerrados.”

A poesia de Passo Imóvel reflete sobre a palavra que é anterior à fala ou à escrita, aquilo que não é falado e que, portanto, ainda não foi inventariado. Também a palavra “inventário” neste trabalho de Lilian Sais traz uma força especial à narrativa. É um inventário o que sua personagem (eu-lírico) tenta fazer. Sua impossibilidade de sair da casa, de sua própria solidão, revela-se no uso de “vendas” nos olhos, quando vai para o ambiente externo, como se só fosse possível ver dentro. O passo é imóvel: ela sai sem sair.

Estar consciente de tamanha consciência aumenta a solidão e faz com que não se possa amar as convenções, muito menos se submeter: “não convenho:/ da loucura preservo/ essa obstinação.// do que convém/ apenas tomo/ o prescrito,”. O ato de fumar aparece como ato de utilidade simbólica para um ser erodido, a erupção do cigarro sendo também a erupção de si, as cinzas como produto de desabamentos e escombros.

Com grande habilidade de síntese, Lilian Sais nos conta que a solidão é uma casa habitada por velhas palavras. Entre a prisão do passado e um futuro calculado em palmos – sete, para ser exata – , Passo Imóvel não tem lugar para o presente; porém, tanto é dito no não dito. A liberdade da leitora/do leitor pode traduzir que o presente é a janela que a personagem de Lilian Sais procura.

não é sina pouca
percorrer no futuro
passos passados:

silencia sinos.

peço,
de trago em trago

que entre
potência e exaustão

eu ainda seja
possível.



***

Passo Imóvel
Lilian Sais
Poesia
Ed. Cozinha Experimental
2018








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